Análise – Resident Evil 7: Biohazard

A série Resident Evil sempre foi sinónima de terror e zombies. Aquando do lançamento do primeiro jogo, no “remoto” ano de 1996, o jogo praticamente popularizou o género Survival Horror, causando imensos calafrios e sustos à grande maioria dos jogadores da altura. É indubitavelmente uma das séries com mais sucesso da Capcom com cerca de 75 milhões de vendas até ao início deste ano, sucesso este que facilmente se justifica com as mais diversas ramificações em forma de banda desenhada, diversas versões dos jogos em variadíssimas plataformas, desenhos animados, brinquedos e até uma (já longa) série de filmes baseada no universo. Originalmente baseando-se num surto zombie causado pelo infâme T-virus criado pela Umbrella Corporation e mais tarde noutros tipos de armas biológicas.

A série ganhou um estatuto de culto na comunidade, especialmente no lançamento de Resident Evil 4, sendo esse considerado por muitos o melhor jogo desta até hoje. A partir do 5º e 6º capítulo a Capcom parece ter tentado introduzir um pouco mais de ação na jogabilidade, acabando por causar desagrado a muitos fãs, apesar de, mesmo assim, não serem maus jogos. Eis que após Resident Evil 6, em 2012 – e alguns títulos derivados, tais como o Revelations 2 e Umbrella Corps – a Capcom finalmente relança a série com uma sequela direta: Resident Evil 7: Biohazard. Após a sua apresentação começaram muitas críticas logo de seguida devido à nova câmara, porém após o jogar posso dizer que a série parece ter entrado no bom caminho novamente, apesar de com algumas alterações significativas.

A comitiva de “boas vindas”.

A história do jogo baseia-se em Ethan Winters, que após 3 anos de desaparecimento da sua mulher e sem qualquer informação, é de repente contactado por mensagem pela mesma, dizendo-se cativa numa quinta no Louisiana. Este é o mote para o início do jogo,  no qual teremos de explorar esta propriedade da sinistra família Baker cheia de segredos obscuros e macabros. O jogo decididamente opta por um nível de terror mais de sobrevivência e menos de ação, apresentando também um personagem sem qualquer preparação militar ou em termos de combate. Ao introduzir um civil, sentimos algum propósito por parte da Capcom no intuito de tentar criar uma experiência mais crua e dura ao jogador, sabendo que Ethan é apenas um homem normal como todos nós que está à procura da sua mulher e que no processo irá encontrar muitos horrores para os quais não está preparado. Isto é muito notório especialmente na primeira hora de jogo e, no meu ver, está bastante interessante. No papel de Ethan, os jogadores então terão de explorar esta propriedade aparentemente abandonada para tentar encontrar a sua mulher e, pelo caminho, desvendar o mistério que envolve o seu desaparecimento durante tanto tempo. Este jogo apresenta uma qualidade cinemática superior aos seus antecessores tanto a nível estético como a nível de trabalho dos atores de voz, que dão vida a estes personagens memoráveis.

Um dos primeiros grandes “desvios” dos originais trata-se dos antagonistas do jogo, que ao invés de zombies ou infetados, são a própria família Baker. Esta escolha não diminui a qualidade, antes pelo contrário, pois todos os elementos desta família estão brilhantemente apresentados tanto em voz como nas suas características. O jogo atira-nos cruelmente e repentinamente para o seio desta família que parece saída dos melhores filmes de terror dos anos 80 e 90, tal é a violência intensa e linguagem corporal e oral com que nos tratam. Temos também encontros com criaturas que se parecem mais com os tradicionais zombies, no entanto estou a tentar evitar ao máximo qualquer spoiler para quem ainda não jogou por isso não irei falar deles em grande pormenor. Digamos que apesar de ser um Resident Evil de raiz, o jogo consegue obter com este capítulo contornos mais macabros e perturbantes do que “simples zombies” e a família Baker faz um trabalho fantástico a adicionar a toda a ambientação do início ao fim. A Capcom seguiu claramente a “moda” do horror mais psicológico, mas consegue injetar uma visceralidade impressionante que só mesmo jogado para compreender.

Alguns detalhes são meticulosamente brilhantes.

O outro grande desvio em relação à série é claramente a perspetiva no qual é jogado. Ao contrário da tradicional vista em terceira pessoa ou em cenários fixos, onde movemos e vemos o nosso personagem, desta vez a Capcom optou por uma perspetiva na 1ª pessoa, sendo esta escolha uma das mais criticadas pelos fãs quando o jogo foi apresentado. Uma vez mais, na minha opinião, foi uma excelente escolha. Nesta perspectiva o jogo mantém um contacto mais directo com os horrores que nos esperam e com todo o ambiente. Devo dizer que a primeira hora do jogo é algo enganadora, com puzzles algo complexos e sustos repentinos, e compreendo quem pense que o jogo é apenas isso, porém posso dizer que após algum avanço o jogo tem muito mais em comum com os primeiros da série, com exploração, procura de munições, gestão de menus e de ervas que curam, procura de chaves que abrem portas e permitem avançar no jogo e combate desesperado e quase injusto.

Temos de procurar em todo o lado para obtermos os itens mais essenciais pois já não temos a facilidade de simplesmente matar inimigos e surgir um pacote de munições ou ervas curativas conforme a nossa necessidade, como nos jogos mais recentes. Por vezes damos por nós a encontrar coisas nos lugares mais interessantes, e outras vezes acabamos por os encontrar numa segunda ou terceira vez em que passamos por esses locais, ficando a pensar “como é que não vi isto antes?” – a Capcom superou-se a si mesma nesta vertente. Inclusivamente podemos tomar comprimidos que potenciam os sentidos de Ethan temporariamente, ajudando-o a “ver” a uma certa distância onde estão os objetos, que ao serem usados garantidamente nos fazem coçar a cabeça enquanto duvidamos se aquele item realmente sempre esteve lá.

E quando pensávamos que estávamos safos…

O jogo mistura um pouco de tudo, inclusivamente usando a ação furtiva para muitas das vezes optarmos por nos escondermos ao invés de lutar diretamente. Muitos momentos de tensão acontecem nestas alturas em que por exemplo estamos escondidos atrás de um sofá ou de uma parede minúscula, por onde conseguimos ver o outro lado através de uma racha. São estes momentos brilhantes de extrema tensão que ajudam a uma ambientação verdadeiramente fantástica e a uma jogabilidade que quase nos obriga a seguirmos o nosso instinto. O inimigo acaba de passar e não conseguimos mais avistá-lo, mas ainda ouvimos os seus passos: o que fazer? Esperar mais um pouco, arriscando que venha na nossa direção e nos encontre, ou começamos a correr que nem loucos em direção à hipotética liberdade e alívio?

Quando o combate é inevitável temos a típica urgência e stress conhecidos da série. Quase como se por uma indução de paranóia, o jogo consegue nos enervar o suficiente para eventualmente falharmos um tiro da nossa pistola e consequentemente aumentar os níveis de adrenalina, acabando por cometer ainda mais erros e falhar mais uns quantos. Por vezes, acabamos por recorrer à nossa faca como último recurso, brandindo-a freneticamente, conseguindo desferir alguns golpes visíveis no corpo do inimigo. Mas posso desde já dizer que é algo quase inútil, que aconselho a guardar como último, e desesperado, recurso.

O jogo está (quase completamente) desprovido de tutoriais, limitando-se a nos dar umas dicas de vez em quando no ecrã de carregamento apenas ou algumas indicações no mesmo enquanto jogamos. Não é algo muito preocupante, pois o jogo é suficientemente intuitivo ao ponto de não haver a necessidade para quaisquer tutoriais. Isto só melhora a experiência de jogo consideravelmente, pois somos “atirados aos lobos” logo para o que interessa. Muito bem conseguida a forma com que a Capcom introduz os elementos novos e tradicionais aos jogadores sem os desviar da narrativa principal. O nosso menu de inventário de início parece mais que suficiente, mas desde muito cedo vamos ter de lidar com a gestão apertada e difícil decisão de por vezes deixar um item para trás para voltar mais tarde para o apanhar.
Temos também um baú onde podemos guardar o que não precisamos de usar no imediato. Estes baús encontram-se nos quartos onde gravamos o nosso progresso. Por sorte, os itens guardados num baú aparecem nos que encontramos em outros pontos de gravação, por isso o uso destes é muito aconselhável.

Que porta convidativa!

Algumas das armas encontradas acabam por ser “prémios” aos jogadores mais curiosos e exploradores, como por exemplo a caçadeira. que para ser apanhada exige que passemos por um processo de várias partes até a obter. Podemos optar por a deixar lá sendo completamente opcional, porém acabamos por ser premiados com uma arma bastante poderosa que ajuda em muito em alturas apertadas. Este tipo de exploração e descoberta opcional é bem-vindo e só adiciona à experiência de jogo. Não existem vendedores de itens ou de armas ou munições como em jogos anteriores mas existem items que podem ser “adquiridos” com moedas encontradas pelas casas. Estes itens estão dentro de gaiolas numeradas que desbloqueiam e abrem conforme o número de moedas inseridas.

Visualmente, e apesar de algumas falhas visíveis, o jogo está espantoso, com luzes e sombras dinâmicas que conferem uma ambientação atmosférica fantástica. Os cenários de podridão, putrefação, abandono ou desleixo dos locais por onde passamos está brilhantemente executado. Nota-se alguma ligeira perda de qualidade de vez em quando em algumas texturas, mas nada que estrague a experiência. As animações dos inimigos está brutal e cada encontro é um potencial festim de sangue e de visões horríveis dos seus corpos ou expressões, também elas muito bem conseguidas. Normalmente gosto de reparar nos pequenos pormenores e Resident Evil 7 está cheio deles. Os cortes que fazemos nos inimigos permanecem, se eles nos atingem por vezes acontece ficarem sujos com o nosso sangue, as desconfigurações podem ir até ao ponto dos seus crânios serem visíveis. Em cada quarto, em cada corredor ou janela ou esgoto por onde passamos é notório o minucioso trabalho feito por quem fez o jogo pela atenção a tudo. Madeiras muito envelhecidas, águas nojentas e nada saudáveis, bichos a percorrerem as paredes e velas que iluminam só algumas partes das portas são algumas das delícias visuais com que podemos nos deparar. Sem contar também com os exteriores, com as suas árvores circundantes da propriedade a abanar conforme o vento e deixarem, de vez em quando, passar um pouco de luz de algum poste esquecido ou até mesmo da lua. Tudo muito impressionante e um trabalho fantástico, que só contribui ainda mais para a imersão do jogador.

E agora? O que faço?

Normalmente um dos pontos que mais interessam ou que adicionam à imersão é a qualidade sonora. Considero, no meu ponto de vista pessoal, mesmo no topo da importância para os jogos deste género. Resident Evil 7 tem pouca música. Muito pouca até. Os poucos acordes que ouvimos são em preparação de algo. Quase sempre o é. Ou nos momentos de enorme tensão. Raramente um jogo conseguiu me impressionar a nível musical contendo tão poucas músicas de facto. Mas, uma vez mais, a Capcom consegue aqui implementar a muito pouca música de maneira magistral. Apercebi-me deste facto da primeira vez que encontrei uma sala para gravar o jogo. Uma lavandaria, com um telefone. Do outro lado da linha uma voz feminina que diz querer nos ajudar. Após os momentos que acabara de ter certamente foi bem-vinda aquela voz. E depois começa a música, calma, relaxante e melancólica. Perfeita. Já havia mencionado o excelente trabalho dos atores de voz porém tenho de deixar um “carinho” especial pela personagem Marguerite, que me vai perdurar na memória de tão “encantadora” e relaxante que é. Além disso tudo temos toda a ambientação sonora que está de tal modo brilhante que é das mais aterradoras que jamais ouvi. O vento lá fora, os nossos passos, as portas ao se abrirem, insectos rastejantes que se conseguem ouvir, paredes a ranger e batidas repentinas. Sem exagerar, só aconteceu uma única vez jogar este jogo à noite. Outros poderão não ser tão facilmente impressionados, no entanto, pelo menos a título pessoal, optei por decididamente jogar sempre durante o dia, apesar de estar ciente que isso deteriorava um pouco toda a experiência. Talvez um dia destes tente outra vez.

Uma nota menos positiva para algo que notei e que acabou por desgastar um pouco a experiência foi a repetição talvez um pouco mais do que necessária de passagem pelos mesmos locais várias vezes ao longo do jogo. Por vezes acabei até por perder a imersão no ambiente do jogo sem sentir receio algum pois sabia que naquela altura não estava ali “ninguém” para me infernizar a vida. Assim sendo, houveram partes em que tinha de voltar atrás só para ir buscar uma chave ou algo do género e a imersão perdeu-se pois ia a correr sem qualquer problema. Outra situação, apesar de esta talvez ser um pouco mais específica para os fãs da série, é o facto de que neste 7º capítulo não existem muitos laços que o unam aos outros. De facto são feitas muito poucas referências a quaisquer eventos dos jogos anteriores, o que pode ser algo desapontante para os mais fervorosos. No meu ver, isto é a indicação de “um novo começo” para a série por parte da Capcom. Um começo com raízes muito fortes e bastante boas.

Desculpa que te diga mas não vais ganhar nenhum concurso de beleza.

Opinião final:

Resident Evil 7: Biohazard é uma aposta bem sucedida da Capcom em termos de viragem e revitalização da série. Ao manter-se com alguma fidelidade às origens, porém introduzindo novos e muito bem conseguidos elementos, como a perspetiva em 1ª pessoa, a Capcom consegue manter a sensação de medo e urgência enquanto proporciona um melhor controlo sobre o combate, sem precedentes na franquia. Os visuais perturbadores e fotorrealistas aliam-se brilhantemente ao trabalho de áudio com atores de qualidade, fantástica e muito inteligente escassa utilização de música e ao som ambiental de arrepiar. A pitada final de jogabilidade intuitiva completa um produto que não só irá marcar a série para os fãs como convida abertamente a principiantes. A não perder.

Do que gostamos:

  • Revitaliza a clássica fórmula de “Survival Horror“;
  • Irrepreensível trabalho a nível de som;
  • Visuais fotorealistas e atmosféricos com detalhes fantásticos;
  • Jogabilidade intuitiva elimina quase por completo a necessidade de tutoriais;
  • É um título Xbox Play Anywhere: compra para Xbox e joga grátis em PC.

Do que não gostamos:

  • Em partes perde-se a imersão por passagem algo repetida nos mesmos locais;
  • Sistema de grava automaticamente confere alguma facilidade ao jogo;
  • Algumas esporádicas falhas gráficas nas texturas.

Nota: 9/10