Análise – The Walking Dead: A New Frontier

Todos os anos a Telltale Games tenta explorar novas historias, mas The Walking Dead tem-se mantido como a sua franquia de maior alcance e sucesso, e em dezembro de 2016 foi lançada a terceira temporada, com o subtítulo “A New Frontier”. Mas será que explorar esta “nova fronteira” foi uma boa escolha?

A primeira temporada foi uma introdução simplesmente incrível a este mundo, onde o tema principal era como manter a nossa humanidade diante de um mundo cada vez mais dominado por zombies, e até onde uma promessa nos pode levar. Na segunda temporada o foco era na sobrevivência e o que temos de abdicar ou não para sobreviver. Já em A New Frontier, a Telltale Games colocou todos os focos na relação familiar e como ela é posta em causa numa situação de caos.

Não vou utilizar meias palavras, a primeira temporada apesar das falhas entregava ao jogador uma história emocionante e incrível do começo ao fim (e que fim Telltale!, emoção não define aquilo), a segunda temporada tinha um desafio muito complicado de superar a primeira e, apesar de muito boa, não conseguiu esse feito. A New Frontier definitivamente foi a temporada mais fraca, por escolhas arriscadas e que não tiveram um impacto tão positivo.

Desta vez Clementine deixou de ser a única protagonista e agora divide o tempo com Javier, ou Javi, um jovem de descendência latina e ex-jogador de basebol que conhecemos logo no início do apocalipse zombie, numa situação trágica onde somos colocados novamente a ver, na primeira pessoa, a queda da civilização.

Este é logo um problema, principalmente para quem vem de duas relações paternas com Clementine, como é o meu caso. Javier é o personagem central de toda esta história, sendo Clementine colocada para segundo plano, como uma coadjuvante numa história muito maior, na qual ela não tem tanta influência. A história principal tem início quatro anos após os eventos da segunda temporada e esse espaço de tempo que é relatado, principalmente no caso da Clementine, com o auxílio de momentos de flashback, que servem para explicar pontas soltas da temporada anterior e que mostram que novamente a vida de Clementine é uma constante perda, inclusive uma que pessoalmente considerei muito forte e que mostra como realmente é a vida, onde a felicidade e a tristeza andam muito próximas, bastando um segundo para tudo mudar.

Javier, sendo o grande destaque, infelizmente não consegue assumir este peso de maneira satisfatória e em vários momentos senti que a Telltale Games quis trazer dar-nos demasiada informação num curto espaço de tempo, ou seja, enquanto tivemos duas temporadas para viver intensamente cada momento, cada emoção, cada perda, (e é muito graças a isto  que Clementine tem um lugar tão grande no coração dos jogadores), Javier simplesmente dá a sensação de ter caído no meio de uma história em andamento, o que infelizmente fez com que muitas situações que deveriam passar uma emoção e causar um impacto no jogador, não tivessem essa importância, pois este é só mais uma personagem com a qual não houve tempo para se criar uma ligação emocional.

Sem dar nenhum spoiler, existem duas mortes chocantes no início da temporada, uma envolve Clementine e a outra Javier. A primeira, foi uma agressão aos meus sentimentos como poucos jogos conseguiram até hoje, e questionei realmente a possibilidade de parar um pouco antes de regressar. Já a segunda é chocante por ser alguém tão inocente, mas, como nunca houve essa ligação e é num momento de tensão, não há como sentir tão intensamente essa morte e, infelizmente, apesar de ter um peso na história, mais adiante revela não ter o impacto esperado, até para quem mais deveria sentir essa morte.

Ou seja, como jogador eu acabei por chegar a uma situação durante a temporada em que lutei durante um bom tempo para evitar esta nova personagem. Clementine tornou-se a personagem principal na minha mente e era ela a quem eu deveria novamente dar total atenção, e assim deixei de tomar decisões a pensar no melhor para a família do Javier e passei a tomar decisões a pensar no melhor para a Clementine, e nessa transição de miúda indefesa para uma jovem pronta para quase todas as situações. Existe até um determinado momento da história onde é abordado um assunto de que às vezes nos esquecemos e que estreita ainda mais esta relação jogador-Clementine, já que nos dá um pouco a sensação de ver uma filha, embora nunca a tenhamos tido realmente, a crescer diante dos nossos olhos, algo raro, e até inédito num videojogo.

Mas não pensem que a história é totalmente má e Javier um personagem a esquecer, apesar de não ter havido o tempo necessário para se criar uma ligação com ele, Javier ao longo da temporada tem um grande crescimento e através dos flashbacks somos levados a perceber o que o fez deixar o basebol, a compreender a sua situação com a família e principalmente a relação sempre difícil entre ele e o seu irmão David.

Para além da relação com Clementine, Javier também terá uma ligação muito forte com Kate, segunda esposa do seu irmão David e os seus filhos Gabe e Mariana. Pessoalmente gostei muita da relação que constroem entre Javier e Kate, apesar de dependendo das escolhas o final ser bastante previsível. Já Gabe, assim como outras personagens marcantes das temporadas anteriores, será a personagem que o jogador em vários momentos vai preferir disparar contra a perna dele e deixar para ser consumido por zombies, mas como mencionado, o núcleo do Javier é focado principalmente na família e, apesar de tudo, Gabe continua a ser um membro da família e nada mudará isso.

Para além desses personagens que nos vão acompanhar durante toda a aventura, haverão ainda outras novas personagens que não vão ter tanto destaque na história, com a presença novamente de um personagens das histórias originais da banda desenhada e também da série de TV. Apesar de não ser necessário ter lido a banda desenhada e/ou visto a série, os fãs desses outros conteúdos vão sentir-se representados, já que vão existir várias referências a situações bem icónicas…

A jogabilidade de The Walking Dead: A New Frontier mantém o tradicional sistema da Telltale, onde o jogador pode andar pelo mapa, que permanece linear, em busca de pontos para interagir e progredir na narrativa. As escolhas de diálogo continuam a ser o grande destaque, sendo que apesar de ser um jogo com menos ação e mais história, muitos diálogos, por mais que o jogador escolha respostas pacíficas, acabam por conduzir a resultados não tão amigáveis.

Como mencionado, A New Frontier é um jogo com muito menos ação e com um maior foco na história, mas que ainda assim terá momentos de QTE (Quick Time Events) que surgem no ecrã no tempo certo, e a resposta aos comandos está perfeita, sendo que a maioria das vezes em que ocorre uma falha, tal deve-se a um descuido por parte do próprio jogador.

A nível gráfico, esta terceira temporada utiliza o mesmo motor de Batman: The Telltale Series, com gráficos melhores que os dos jogos anteriores, com mais fluidez e naturalidade das personagens e ambientações, mas mantendo o estilo já bem conhecido dos anteriores jogos, com inspirações nas bandas desenhadas que dão origem a toda a franquia The Walking Dead.

Felizmente para aqueles que enfrentaram problemas técnicos constantes no Batman, The Walking Dead: A New Frontier é um jogo que funciona muito melhor tecnicamente, embora ainda existam situações pontuais com quedas do FPS, mas bem menos recorrentes, assim como alguns bugs gráficos.

Os jogos mais recentes da Telltale já traziam legendas em português (PT-BR), mas este é o primeiro jogo da série The Walking Dead que traz essa opção. É algo extremamente positivo para os jogadores que não têm grande familiaridade com a língua inglesa e que tinham de recorrer a outros métodos nas temporadas anteriores, porém, apesar de ser finalmente uma legenda oficial, há alguns erros de tradução, com especial destaque para um momento importante para Clementine, em que é aconselhado a ter muita atenção ao que é dito, pois, a legenda tem algumas falhas gramaticais que mudam por completo o sentido da frase e pode levar a uma decisão oposta àquela que gostariam que fosse tomada..

No entanto, para aqueles que dominam bem o inglês, os atores que dão voz aos personagens fizeram de novo um excelente trabalho com vozes que combinam na perfeição com as respetivas personagens, com Melissa Hutchison novamente a emprestar a sua voz a Clementine, mas num tom que marca bem o amadurecimento da personagem.

Opinião final:

Em resumo, a Telltale Games conseguiu novamente manter-se fiel ao seu estilo, com uma história de qualidade, apesar da decisão de colocar Javier como personagem central não ter sido a melhor, já que tudo é apresentado de maneira muito rápida, não permitindo ao jogador criar uma ligação com a personagem. A New Frontier deu-me a sensação de ser muito um jogo direcionado a novos públicos, e, ao mesmo tempo, procurando segurar os fãs mais antigos pela mão, apresentando algo já familiar quando Clementine aparece, que novamente merece todos os destaques, agora como uma personagem mais madura.

The Walking Dead: A New Frontier oferece uma história que pode ser definida com quatro palavras, “Família, Lealdade, Amor e Perda” sendo esses os temas centrais dos cinco episódios que formam a temporada. Sendo um jogo, que vai agradar aos jogadores recém-chegados do começo ao fim, e causar sentimentos mistos aos jogadores mais antigos, mas que ainda assim vale a experiência e o final deixa claro que não vai ser a última que vamos ver  estas personagens.

Do que gostamos:

  • Apesar de utilizar o mesmo motor de Batman: The Telltale Series, o jogo é tecnicamente superior;
  • Traz legendas oficiais em português;
  • Graficamente superior aos anteriores, mas a manter o estilo já bem conhecido;
  • Adição do recurso de flashback que funcionou na perfeição na história do jogo e que deveria ter sido adicionado desde a primeira temporada, com a possibilidade de ver o passado de Lee.

Do que não gostamos:

  • Apesar de ter momentos de qualidade, a história claramente sofreu com escolhas erradas por parte da Telltale;
  • Clementine não tem a mesma atenção que Javier, sendo colocada em segundo plano;
  • Algumas decisões acabam por levar a uma direção que não foi exactamente a escolha do jogador;
  • Inconsciência na mentalidade de algumas personagens.

Nota: 7/10