[+18] Love, Death & Robots – Artigo de Opinião

Poderia passar a minha vida inteira a tentar elaborar uma introdução para este artigo, mas a grande verdade é que nem mesmo sei se isto será exatamente um artigo, e será um pouco assim que se vão sentir ao ver Love, Death & Robots, a série da Netflix que reúne Tim Miller (Deadpool) e David Fincher (Clube de Combate) e que definitivamente vos fará questionar o que acabaram de ver.

Love, Death & Robots fez a sua estreia no serviço de streaming no dia 15 de março de 2019, e segue uma receita até simples, consiste numa série de animação em formato de antologia especialmente indicada para um público adulto. Ao longo dos seus 18 episódios são explorados os mais variados temas, tendo todos em comum o facto de apresentarem alguma crítica social, abordarem temas sensíveis e por vezes deixarem quem está a assisitr mais confuso do que quando começou a ver o episódio.

Para além de ser creditado como produtor da série, Tim Miller também tem uma participação direta em cada episódio, já que a Blur Studio, empresa fundada pelo realizador, está a cargo da animação. Como cada episódio traz uma história fechada que explora temas específicos, seria impossível fazer uma análise geral da série sem perder elementos importantes ao mesmo tempo, dado que, pela quantidade de episódios, seria difícil entrar em detalhes sobre cada um deles. Tendo isto em mente, o propósito deste texto será apresentar cada episódio de maneira resumida e, sempre que se achar necessário, explorar um pouco do que tem a oferecer.

A Vantagem de Sonnie

Este episódio tem uma duração de 17 minutos e, como o título indica, segue a história de Sonnie, uma mulher que é imbatível no mundo das lutas clandestinas entre bestas. Contudo, estas lutas possuem um fator interessante já que as imponentes bestas não lutam exatamente de maneira descontrolada.

Talvez de entre os 18 episódios este tenha sido realmente a melhor escolha para apresentar a série ao público, uma vez que reúne muito daquilo que será apresentado em outros episódios: violência gráfica intensa, nudez, sexo, criaturas assustadoras, crítica social e especialmente um plot twist que, se não te der vontade de continuar, significa que esta série não é indicada para ti.

Três Robôs

Com aproximadamente 11 minutos, este episódio mostra três criaturas robóticas a visitar vestígios de uma cidade devastada, num mundo pós-apocalíptico em que decorreu muito tempo desde o desaparecimento da humanidade.

Procuram crítica social? Então este episódio será um verdadeiro banquete. Afinal, pouco importa o motivo pelo qual a sociedade foi extinta, motivos não faltam para isso, e estes robôs deixam bem claro como o ser humano é frágil e nocivo contra si mesmo. O episódio também flerta bastante com o conceito de que nós, como humanos, adoramos o desastre e a degradação, transformando-os frequentemente em entretenimento. Julgam que estou a exagerar? Lembrem-se, Love, Death & Robots traz como elementos dos seus episódios violência, sangue, nudez, sexo, morte e o quanto a sociedade consegue ser suja, e isto em formato de animação, num serviço de streaming a que recorremos para assistir a conteúdos para nos entretermos… Então sim, a série já mostra bem o quanto gostamos disso.

Sem dar spoilers, vale a pena destacar a clara semelhança entre um dos robôs e o HAL 9000, do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço produzido e realizado por Stanley Kubrick e inspirado na obra de Arthur C. Clarke. Também será evidente a influência narrativa das obras de Douglas Adams, e diria mesmo que foi a principal influência para o clima e os diálogos do episódio. De destacar ainda que esse episódio é inspirado por um conto de um dos maiores escritores de ficção científica da atualidade, John Scalzi.

Além disso, para aqueles que se estão a perguntar «O que tem a ver uma série de animação com um site de videojogos?». Além da nossa expansão de foco, este episódio traz uma referência a videojogos.

A Testemunha

Infelizmente, este é o primeiro episódio mais fraco da série. Com cerca de 12 minutos, o episódio, como o próprio sugere, segue a história de uma mulher que testemunha um homicídio brutal a partir da janela do seu apartamento. Contudo, esta testemunha foi vista pelo assassino e agora precisa de fugir para sobreviver.

A única coisa que há para dizer deste episódio é que nem tudo é o que parece e traz algumas semelhanças com um episódio de Black Mirror, ao lidar com o conceito do paradoxo do infinito.

Fatos

Depois de um episódio com qualidade narrativa mais fraca, temos um episódio que diria ser equilibrado na sua qualidade. Fatos segue a história de uma comunidade de agricultores que utiliza robôs especialmente desenhados por eles próprios para defender as suas famílias de uma invasão alienígena.

Como mencionado, não é um episódio extraordinário, mas também está longe de ser mau. Preparem-se para alguns momentos tensos, alienígenas ao estilo Starship Troopers e robôs equipados com uma boa variedade de armas.

Devorador de Almas

O único motivo para não rotular este episódio de nonsense é que mais adiante na série, a equipa técnica consegue superar-se e muito. Basicamente temos aqui uma adaptação da história clássica de vampiros que voltam à vida. Durante uma escavação arqueológica, um grupo de exploradores liberta criaturas sedentas por sangue e agora estes precisam de fazer uso de tudo o que estiver ao seu alcance para lidar com as criaturas, incluindo uma arma nada convencional.

Apesar de obviamente ter muito sangue e violência extrema, este é um dos poucos episódios que também traz alguns momentos de humor, principalmente humor negro.

Quando o Iogurte Conquistou o Mundo

É exatamente isso que leram. Este episódio, com uma duração de aproximadamente 6 minutos centra-se na história de um iogurte extremamente inteligente criado acidentalmente em laboratório e que em determinado momento lidera o mundo.

Este é o único episódio que ainda é possível ser visto com menores de 18 anos ao lado, uma vez que a mensagem aqui está na crítica social, sem qualquer elemento de violência, sexo ou nudez, metafórica ou explícita. Num momento em que vivemos uma realidade quase ficcional, onde os líderes mundiais estão cada vez mais insanos e extremos nas suas ações e opiniões. Pior ainda, nundo mundo em que esses mesmos líderes alcançaram esse poder com o apoio da sociedade, será realmente que estamos a fazer escolhas inteligentes, ou estamos só em busca de uma salvação que poderia vir até mesmo de um iogurte?

Para Lá de Aquila

Trouxeram uma criança, os vossos pais ou alguém mais sensível para assistirem convosco ao episódio anterior? Se sim, então arranjem uma desculpa para os expulsar da frente do ecrã agora, porque voltámos aos conteúdos +18. Neste episódio com 16 minutos acompanharemos a jornada da tripulação de uma nave, que desperta a anos-luz  de distância da sua rota prevista, completamente à deriva no espaço.

Qualquer tentativa de expandir a sinopse deste episódio pode acabar por estragar a experiência de quem for assistir, então vou evitar ir muito além, e apenas dizer que esta é uma das histórias com mais camadas e plot twists de toda a série.

Vale destacar ainda que o episódio é a primeira adaptação dos contos de Alastair Reynolds, que também escreveu Zima Blue, outro conto adaptado em Love, Death & Robots.

Boa Caça

Não vou mentir, há, mais adiante, episódios que vale muito a pena ver, mas sem dúvida alguma que este foi o meu episódio favorito de toda a série, e fiz questão de ver uma primeira vez para conhecer, uma segunda para escrever esta análise, e uma terceira… porque gostei mesmo.

Boa Caça segue a história do filho de um caçador de espíritos que acaba por criar uma ligação com uma hulijing com capacidade de alterar a sua forma. Este episódio é simplesmente incrível, mas se for uma pessoa sensível a violência, principalmente contra mulheres, é melhor ir preparado. Embora este seja um elemento explorado em outros episódios, torna-se especialmente tenso assistir a este Boa Caça pela agressividade de como esta violência é praticada.

O episódio ainda faz uma critica bem clara a maneira como o ser humano trata quem é diferente dele, muitas vezes até mesmo devido a diferenças supérfluas como do local em que a outra pessoa nasceu, algo ridículo na sociedade já que é uma das poucas coisas sobre as quais não temos controlo nenhum. Há ainda críticas bem visíveis à globalização, ao capitalismo e à maneira como a sociedade abandona o seu lado humano no decorrer de uma industrialização e a segregação social.

Vale destacar ainda que as hulijing, são entidades mitológicas da cultura chinesa, sendo esse inclusive um dos motivos pelos quais gostei bastante do episódio.

Lixeira

Este é um episódio que pode muito bem ser aplicado à realidade de muitas pessoas, principalmente pessoas mais velhas que cresceram e viveram durante boa parte da sua vida nas regiões mais antigas da cidade. No episódio, Dave Feioso, fará tudo o que estiver ao seu alcance para impedir que um Inspetor Municipal o expulse do seu domínio.

Outro episódio repleto de humor negro, alguma nudez e reflexões acerca da maneira como muitas vezes estamos a tratar não apenas as pessoas, mas o seu lar e as suas memórias, como objetos facilmente descartáveis em troca de dinheiro.

Mutantes

No geral, gostei da tradução ou adaptação do título de quase todos os episódios. O único que realmente poderia ter permanecido no original, é esge, já que em inglês o título é Shape-Shifters.

“Mas, porque é “Shape-Shifters” melhor?” Vão ter de ver para perceber. A história seguirá dois Marines com poderes sobrenaturais que estão numa missão no Afeganistão, onde terão de enfrentar uma ameaça inesperada, já que vem daqueles que são bem semelhantes a eles.

O episódio brinca de certa maneira com uma metáfora interessante de como os soldados muitas vezes são tratados como animais que foram selecionados e destruídos psicologicamente para se tornarem criaturas totalmente desprovidas das suas essências.

Dar uma Mão

Este é o momento em que percebemos quanto um título pode resumir a história e, ao mesmo tempo, estar carregado de humor negro. Com cerca de 10 minutos, este décimo episódio mostra a tensa história de uma astronauta que, após um acidente, fica à deriva no espaço e precisa de fazer um grande sacrifício se quiser sobreviver antes que a sua reserva de oxigénio se esgote.

É meio óbvio qual é o sacrifício, contudo vale a pena ver este episódio tanto pela sua qualidade artística – sendo um dos episódios mais visualmente deslumbrantes da série -, como por todos os momentos de grande tensão. Ah, e se forem uma pessoa mais sensível, talvez fiquem bem incomodados com o grande momento do episódio.

A Noite dos Peixes

Este é o primeiro episódio que vai basicamente flertar do início ao fim com o lado mais artístico e de animação, mostrando todo o potencial da equipa que trabalha na Blur Studio.

Quando o seu carro se avaria no meio do deserto, dois vendedores (que também são pai e filho) embarcam numa viagem surreal e completamente hipnotizante.

Não esperem um episódio com grande qualidade narrativa. A história aqui é o menos importante: é realmente um episódio para a equipa técnica e pessoas apaixonadas por animação olharem e ficarem completamente sem palavras. Isto não significa que não existam camadas de interpretação, muito pelo contrário, existem muitas camadas a serem exploradas nesta historia, sendo uma delas inclusive a arrogância e o excesso de confiança do ser humano.

13, O Número da Sorte

Com aproximadamente 14 minutos, este episódio explora a suposta maldição que existe na Nave 13, que perdeu duas tripulações que lhe foram atribuídas, pelo que agora ninguém a quer pilotar. Porém, existe uma regra que ninguém pode quebrar: os novatos não têm direito a escolha.

Sem críticas sociais, violência explicita, sexo ou temas sensíveis, este é simplesmente um episódio para se sentarem à frente do ecrã e desfrutarem de uma boa história que traz consigo um mistério sobre o que realmente acontece na Nave 13, enquanto explora o conceito da relação entre a máquina e o ser humano.

Zima Blue

Se pensaram que o episódio 12 era demasiado artístico, preparem-se para elevar alguns níveis esse conceito.

Zima é um artista que ganhou fama e reconhecimento mundial graças às suas artes. Um dia convida uma jornalista para acompanhar a sua maior criação, enquanto recorda o seu passado misterioso e a sua ascensão à fama.

A grande maioria de nós já olhou para aqueles quadros que são expostos nas mais icónicas galerias de arte e vendidos por milhões de euros e pensou «Mas é só um monte de tinta numa tela, como é possível ser vendido por 50 milhões?». Esse é o conceito por detrás de Zima Blue, porém, nesse caso a compreensão é bem mais fácil apesar das suas inúmeras camadas.

Como mencionado anteriormente, este episódio é uma adaptação de um dos contos de Alastair Reynolds e explora bastante o conceito de evolução e as suas consequências.

Ângulo Morto

Mais um episódio curto, com apenas 8 minutos, e que desta vez acompanha a história de uma gangue de ciborgues que estão prestes a realizar um assalto a um camião repleto de soldados e extremamente bem equipado com equipamentos defensivos de ponta.

Novamente um episódio sem metáforas ou críticas sociais. Trata-se apenas de uma história interessante e que até poderia estar no catálogo de canais de animação para crianças e jovens, como muitas animações criadas nos anos 80-90 que tinham uma temática semelhante.

Idade do Gelo

Até então todos os episódios eram 100% feitos em animação, uns com traços mais realistas, como é o caso do primeiro e sétimo episódios, e outros mais estilizados de forma a que o estilo se adapte à narrativa. Já este é o primeiro e único episódio live-action.

Com aproximadamente 10 minutos, o episódio mostra a vida de um jovem casal que se muda para um apartamento, onde o antigo dono deixou um frigorífico extremamente velho e estranho. Ao abrirem o congelador, descobrem literalmente uma civilização perdida.

Se é uma daquelas pessoas que acredita que a origem do mundo e das pessoas teve influência divina, é provável que não ache muita piada a este episódio, já que iremos realmente acompanhar uma visão mais cientifica da história humana e, sem muita surpresas… veremos o seu declínio também.

Histórias Alternativas

Lembram-se quando eu disse na secção destinada ao episódio dos vampiros que haveria algo mais adiante que realmente mereceria o rótulo de nonsense? Bem-vindos então ao episódio onde, definitivamente, a equipa responsável pela história ingeriu substancias ilícitas, porque não é possível que este tenha sido idealizado por mentes num estado normal.

Brincadeiras à parte, um dos responsáveis pelo guião foi o próprio Tim Miller, então está perdoado e já é mais fácil compreender. Existe uma tecnologia chamada Multiversidade que permite reimaginar a história do mundo e nesse episódio iremos imaginar como seria se Hitler tivesse morrido de outras maneiras.

É nonsense mesmo, é loucura, é grosseiro, tem cenas de sexo explícito e humor negro no seu nível máximo. Então se for uma pessoa minimamente sensível, fuja, mas fuja completamente desse episódio, pois é certeza que ficará ofendido. O episódio também faz uma clara referência à clássica questão de que, mesmo se pudéssemos voltar atrás no tempo e matar Hitler quando ainda era uma criança, será que mesmo assim teríamos evitado o nazismo?

Guerra Secreta

Último episódio da série e o segundo após os episódios dos três robôs que faz referência aos videojogos, neste caso específico, toda a animação, movimentação de câmera e construção de ambiente faz lembrar shooters, principalmente os jogos da franquia Metro.

A história leva-nos às entranhas das antigas florestas da Sibéria, onde o Exército Vermelho combate um mal profanado.

Aqui temos críticas sociais mais escondidas, mas, em contrapartida, a violência e o conteúdo sexual é bem explícito, com inclusive uma mulher a ser utilizada num ritual de magia negra. Vale destacar que toda a história decorre historicamente durante Batalha de Estalinegrado, que fez parte da Segunda Guerra Mundial.

Opinião Final:

Em resumo, Love, Death & Robots pode ser definido da seguinte maneira: Animatrix um dia saiu à noite, ficou completamente bêbada, snifou cocaína no órgão sexual de Adolf Hitler, sacou uma caçadeira e disparou contra todos no bar e foi para casa ouvir Slipknot! Acho que não precisava de avisar que este texto também seria + 18, pois não?

Esta é sem dúvida uma das grandes surpresas de 2019 dentro do catálogo da Netflix, sendo claramente uma série pouco indicada para o grande público, menores de idade ou pessoas sensíveis. Se, no entanto, forem apaixonados por séries com temas pesados e questionamentos sociais, esta aqui é sem dúvida a vossa casa. Mas cuidado, há sérios riscos de precisarem de ver canais infantis pelos 2 meses a seguir a terem concluído os 18 episódios desta série.

Graficamente, é uma série para aplaudir de pé também, com animações em 3D, animações em 3D num estilo muito próprio, assim como animações em 2D que incrivelmente não deixam a desejar em momento algum, a serem perfeitas para a história que está a ser contada. E é este tipo de coisas que faz toda a diferença na hora de assistirem a Love, Death & Robots. Não estamos a falar só de beleza visual, a escolha da animação e arte dá a cada episódio uma identidade própria, com alguns episódios a parecerem algo que a Disney faria, enquanto o episódio seguinte é claramente inspirado num anime.

Um detalhe muito específico que me sentiria mal se não se mencionasse mesmo sendo um site destinado ao público português, é que caso tenham nascido no Brasil, principalmente nos anos 80-90, mesmo que prefiram assistir a todos os episódios legendados, voltem ao episódio 3 em algum momento e alterem o áudio para PT-BR. Encontrarão uma surpresa bem agradável à vossa espera.

Algo extremamente importante também a mencionar é que Love, Death & Robots não é uma série para assistir uma vez e achar que entendeu tudo, ou ler este artigo e concordar com o que eu disse em cada episódio. É uma série para assistir alguns episódios 2, 3, 4, 5 vezes e absorver a experiência e aquilo que a série tem a entregar como um todo, mas também a ti individualmente. Então não há certo ou errado, ou a minha opinião é a certa, é uma série que pode gerar interpretações diferentes e todas corretas, porque se trata de uma questão que concerne apenas a realidade e a experiência de cada pessoa.

E agora, para finalizar mesmo o texto, pois já ficou bastante extenso e mesmo assim ainda teria muita coisa para explorar, para aqueles que estão ansiosos por uma segunda temporada, as notícias são boas, apesar de nada estar confirmado. Até ao momento em que este artigo foi escrito, a Netflix não confirmou uma segunda temporada. Contudo, em entrevistas, tanto Tim Miller, como David Fincher demonstraram interesse em continuar a série.

Não apenas continuar numa eventual segunda temporada, mas também deixaram em aberto a possibilidade de, caso algum episódio ou personagem receba um destaque especial por parte do público, estes poderem ganhar mesmo temporadas inteiras dedicadas exclusivamente a si e ao seu universo. Então podemos estar sim diante de um conteúdo que ainda receberá muita atenção por parte da Netflix nos próximos tempos.

Love, Death & Robots já está disponível na Netflix.