Nos tempos que correm o sucesso de um videojogo depende muito da sua comunidade, do constante apoio dos desenvolvedores e distribuidores, para que se mantenha “à tona da água” o máximo de tempo possível. É por isso que não é de estranhar ver a maioria dos lançamentos hoje em dia serem baseados principalmente na vertente multijogador, incluindo as já infames “loot box”. E é por isso também que cada vez mais é quase estranho vermos o lançamento de um jogo baseado numa narrativa e apenas de um jogador, especialmente por parte de um estúdio e distribuidores, digamos, que não são de “primeira linha”. Porém, é mesmo isso que A Plague’s Tale: Innocence é. Estamos perante um jogo que com um certo risco apenas tem estória, emoção e elementos de alguma ação furtiva. Será que tem o suficiente para conseguir vingar?
O jogo passa-se em França, por altura dos anos 1300 – uma época marcada pela “Guerra dos 100 anos” e por uma doença que ficou para a história mundial: a Peste Negra. Encarnamos a pele de Amicia DeRune, uma jovem aristocrata que vive um pouco afastada de centros mais povoados (e consequentemente dos problemas correntes) na sua casa rural com seus Pais e irmão de 5 anos. Infelizmente seu irmão, Hugo, sofre de uma condição de saúde estranha o que cause que tenha de ficar sempre fechado em casa com sua Mãe (que passa o tempo todo a tentar descobrir a cura) e consequentemente quase sempre isolados do mundo exterior e até da sua irmã Amicia que mal o conhece.
Esta “doença” de Hugo faz com que atraia a Inquisição Inglesa e, após alguns infelizes eventos, Amicia e seu irmão acabam por conhecer-se quase pela primeira vez e são obrigados a fugir, já órfãos, de casa para não serem apanhados. Isto leva a que se inicie uma aventura cheia de momentos dramáticos, sombrios, mas também de bastante ternura e união entre irmãos e amigos. Digamos que observar a relação entre Amicia e Hugo desde o mal se conhecerem até ao Amor que os une é algo que torna este jogo realmente especial e definitivamente dos jogos mais bem produzidos deste ano.
O jogo essencialmente mistura narrativa com elementos de ação furtiva e toques de resolução de quebra-cabeças, separando os segmentos claramente em três principais. Isto quer dizer que em certas partes, ou capítulos, estaremos quase exclusivamente a progredir na estória, onde vamos explorando novos lugares e encontrando objetos de interesse. Outra em que temos de evitar os soldados da Inquisição ou eventualmente (em última instância) os defrontar com a nossa fisga. O último, mas não menos importante, elemento consiste nas secções onde temos de atravessar paisagens infestadas por uma enorme praga de ratos que devoram tudo o que encontram, sendo que o único elemento que os consegue manter afastados é o fogo, causando assim algumas fases em que temos de puxar um pouco mais pela massa cinzenta.
Durante a grande maioria do jogo controlamos Amicia, munida de um estilingue que usa para atirar pedras e mais tarde outros projéteis. Não sendo nenhuma guerreira apta em combates corpo-a-corpo nem conhecedora de qualquer tipo de combate, esta torna-se a única “arma” que temos contra os soldados da Inquisição e também contra os ratos. A nível das secções furtivas, temos de nos esgueirar por entre os soldados usando obstáculos, vegetação alta e o estilingue para lançar pedras a objetos metálicos para desviar a atenção. Mais tarde podemos tratar dos soldados de outras formas, mas a astúcia e furtividade serão sempre o mais seguro. Devo dizer, no entanto, que estas secções eram as mais aborrecidas, frustrantes e menos conseguidas de todo o jogo, sendo que, em partes, a margem de erro era quase inexistente, causando repetições desesperantes e em outras quase só faltava andar aos saltos á frente dos soldados para sermos detetados. Houve uma parte em que simplesmente desisti e corri e acabei por me safar porque ninguém me ligou nenhuma. Outras bastava mexer-me um pouco e lá vinham eles nos espetar com a espada. Alguma inconsistência e linearidade aqui. Outra nota digna de registo é que não podemos atirar pedras para tudo, tendo de escolher o que o jogo “quer”, tentei por exemplo atirar uma pedra a um cavalo que nem se mexeu no entanto o soldado “ouviu” e veio logo em meu encalce. Situações como estas fazem o jogo perder um pouco a imersão.
As zonas onde se tem de passar pelas centenas de ratos contêm alguns “puzzles” mais interessantes onde temos de usar a luz como única salvação e outros métodos um pouco menos convencionais para os manter longe de nós. Aqui puxamos um pouco mais pelo nosso cérebro, mas também é mais gratificante e menos aleatório. Muito poucas vezes senti que estava perante uma situação impossível, ao contrário das secções furtivas. Algumas partes misturam também um pouco das duas, ou seja, estaremos em áreas onde temos de levar com ratos e soldados munidos das suas tochas. Aí também misturam-se um pouco os elementos furtivos e de “puzzle”.
O que proporciona uma experiência ainda melhor é mesmo toda a ambientação do jogo e a forma com que nos conta (ou nos faz aperceber) várias estórias com o desenrolar dos acontecimentos. Esta não é apenas a estória de um casal de irmãos em fuga da Inquisição. A época é retratada de forma brilhantemente sombria com a “morte sempre à espreita”. Não são só os ratos quase sobrenaturais que dão um elemento mais terrorífico, ao longo de todo o jogo podemos ter uma ideia de como esta época era, com conotações religiosas inclusive, onde conseguimos nos aperceber sobre certas ideologias de quase fanatismo mas que como realmente não progredimos muito, a nível de humanidade, nessas questões.
De facto, os visuais do jogo conferem uma ambientação sombria e gótica, um espelho algo chocante sobre essa época, por isso mencionei que não é apenas os diálogos que progridem ou contam a narrativa. Por vezes o impacto visual também conta e aqui, felizmente, temos bastante disso. Naturalmente, sendo um jogo que depende muito da presença de luz, a entrega da mesma acaba por ser bastante satisfatória, principalmente de noite onde as chamas e a lua são as únicas fontes de luz. Estamos perante um quadro tenebroso com algum nível de explicitude mas nunca se tornando demasiado. São notórios os corpos, o sangue e todo o impacto visual direto, porém nunca atingindo os níveis literais de, por exemplo, um Mortal Kombat.
A nível sonoro devo dizer que gostei mesmo muito da banda sonora, que na grande maioria dos capítulos acompanha na perfeição os eventos dos mesmos. Mesmo em partes específicas em que um jogo acaba por ser um pouco linear – só tem um final e nada de escolhas morais – acaba por conseguir nos fazer sentir culpados ou chocados, sendo um grande exemplo disto é a primeira vez que matamos alguém, onde conseguimos perceber o choque de Amicia mas também a música que acompanha os momentos logo a seguir a esta situação. Os diálogos estão também muito bem tratados pelos atores na sua grande maioria estando com boa qualidade e sentimento conferido neles.
O jogo conta com um tempo médio de por volta de 10 a 12 horas para atingir o final desta estória emocionante e com segredos para encontrar e objetos (para melhorar a nossa estilingue, principalmente). Diria que após o ter jogado do início ao fim não há, de facto, muitos motivos para voltar a reviver a mesma estória (principalmente se nos lembrar-nos das secções algo frustrante e lineares) porém deduzo que os perfeccionistas de achievements principalmente vão querer com certeza repetir alguns níveis para obter alguns que com certeza ficarão para trás da primeira vez.
Opinião Final:
A Plague’s Tale: Innocence é um jogo se arrisca muito ao ser lançado numa altura complicada. No entanto, consegue ter charme e uma narrativa com estória o suficientemente interessantes para conseguir destacar-se pela positiva. Ao passar-se numa época muito negra da história da humanidade e lançar o jogador no papel de uma jovem surpreendida com todo aquele terror sem saber o que esperar e ainda por cima tendo com a responsabilidade repentina de cuidar do seu irmão mais novo, que mal conhece, o jogo lança-nos numa aventura de desenvolvimento emocionante de uma relação das mais genuínas que é o amor de irmãos. Apesar de alguns percalços pelo caminho, acaba por se tornar um jogo surpreendente, pois no meu ver muitas coisas podiam correr mal num jogo de “escolta de irmão”. Apesar de alguma linearidade “dissimulada” (as escolhas morais não existem ou não causam qualquer impacto) o jogo acaba por nos forçar um pouco a fazer o que quer e não o que queremos. Não são estes pequenos percalços, no entanto, que vão estragar o que é um jogo bonito, emocionante e uma boa surpresa.
Do que gostamos:
- Visuais muito bem conseguidos, especialmente em fases noturnas;
- História emocionante e interessante até ao fim;
- Trabalho de vozes com qualidade;
- Toca em certos temas subtilmente como religião, humanidade, etc.
Do que não gostamos:
- Aparente sistema de escolha moral sem qualquer efeito;
- Algo linear, percebe-se que o jogo muitas vezes guia-nos para onde quer;
- Fases furtivas contra Inquisição desequilibradas: tanto podem ser imperdoáveis como demasiado fáceis;
- Boa duração da estória no entanto poucos motivos para o jogar de novo.
Nota: 8/10