O Inferno ocupou o imaginário da raça humana durante séculos, com diversas interpretações e versões mas sempre com um tema em comum: o castigo e sofrimento eterno em virtude dos pecados terrenos. A curiosidade não diminuiu face ao medo que tal realidade impunha e ao longo dos séculos vimos diversas representações do Inferno tanto na literatura, como na música, cinema e até videojogos. Doom, Diablo 2 e, buscando inspiração a uma das fontes mais famosas, Dante’s Inferno são alguns dos títulos que pegaram na ideia de Inferno e a tornaram num cenário jogável, o maior desafio e o mais aterrador.
Foi por isso que Agony inicialmente me interessou. Um jogo financiado através do Kickstarter e que prometia aos seus apoiantes uma visão profunda e envolvente do Inferno, possibilitando explorar um mundo que nos aterroriza. Poderíamos pensar em diversas possibilidades, na exploração das histórias que tenham levado à queda das almas amaldiçoadas, na representação dos seus castigos… mas na verdade, e deixando-me já de rodeios, Agony apenas consegue ser o equivalente a um adolescente da década de 2000 que quer ser hardcore enquanto ouve Slipknot e escrevinha 666 no braço com um marcador – às escondidas dos pais, claro.
Na verdade, nunca esperei muito de Agony – a expectativa de ser mais um jogo que tenta ser controverso para vender cópias já existia mas a esperança de efetivamente ter aqui um produto interessante para os jogadores de terror não tinha morrido. Até finalmente pegar no jogo.
A premissa é simples – somos uma alma penada que foi lançada para o Inferno, sem memórias, sem nada. Como passar uma eternidade infernal não dá jeito, o jogador deverá perseguir a sua única esperança para a salvação – a Red Goddess, uma personagem misteriosa que poderá trazer a redenção mas cuja atriz claramente faz um part-time em linhas eróticas. Infelizmente, a pobre qualidade das vozes não se fica pela Red Goddess e rapidamente irão ver que a pobreza das atuações é uma constante.
Após uns tutoriais intrusivos para nos ensinar movimentos básicos, lá conseguimos avançar com o jogo – mas pouco, porque nada verdade Agony consegue ser tão escuro, ´que a orientação pelos mapas é para lá de frustrante, com as tochas que vão apanhando pelo caminho a ajudarem muito pouco. Frustração acaba por ser um tema constante. Em termos de jogabilidade, estamos a falar de algo muito simples. Peguem em tocha, usem tocha para queimar uns pauzinhos que bloqueiam alguns caminhos, resolvam alguns puzzles simples para abrir portas e pronto. É isto.
Como estamos a falar do Inferno, é óbvio que existem inimigos e é óbvio que estes serão demónios. E é aqui que entra a componente de stealth do jogo, que continua toda a temática de frustração, bem como aquilo que deveria ser a parte mais interessante. Não existem armas e a vossa única opção é fugirem ou esconderem-se, podendo até suster a respiração da vossa personagem, ao estilo de Alien: Isolation. Na teoria, ok, tudo bem, vamos lá fugir de demónios. Na prática, vão morrer umas quarenta vezes uma vez que a AI do jogo está tão bem conseguida que os demónios ou passam ao vosso lado e não vos vêem, ou apercebem-se de onde estão de super longe e vos matam de imediato. Ao morrerem (mas a personagem não deveria já estar morta?), têm uma segunda oportunidade, podendo possuir qualquer outro pobre coitado que se esteja a lamentar no Inferno – e eventualmente, até demónios poderão possuir.
No entanto, têm uma pequena janela para fazer isto, sendo que se não conseguirem, serão obrigados a recomeçar o jogo a partir de um checkpoint. Falando nestes, os checkpoints de Agony são através de espelhos apropriadamente grotescos, que deverão ser ativados e se encontram espalhados pelo cenário. No entanto, nada é de borla e após morrerem três vezes, o checkpoint desaparece, obrigando a regredir ainda mais em caso de falhanço. Isto consegue ainda ser mais frustrante na medida em que Agony considera que não é importante explicar como deve ser uma das mecânicas fulcrais do jogo, obrigando a tentativa e erro e criando de imediato uma barreira na curva de aprendizagem.
Ainda assim, todas estas mecânicas conseguem parecer interessantes mas foram tão mal implementadas que fazem com que o jogador não queira descobrir a história (já de si escassa e que poderá facilmente ser perdida caso o jogador não queria explorar o mundo até à exaustão) e os itens colecionáveis. A adicionar insulto à injúria, Agony conta com sete finais diferentes – e não consigo imaginar o corajoso que tenha a paciência para os obter a todos. O jogo obriga-nos invariavelmente a repetir as mesmas sequências uma e outra vez, sendo que uma boa implementação dos checkpoints ajudaria a minimizar a sensação de repetição. No entanto, sendo que provavelmente andarão muitas vezes feitos baratas tontas, não vão encontrar os espelhos com a frequência que gostariam. Deus vos ajude se morrerem três vezes no mesmo checkpoint…
Podemos até alegar que o foco de Agony nunca foi a jogabilidade, mas sim a criação de uma representação do Inferno que se aproxime o mais possível do imaginário grotesco popular. Não me interpretem mal, Agony consegue criar todo um mundo que pulsa com vida, paredes feitas de carne disforme e elementos familiares mas repulsivos. Para além dos cenários repletos de sangue, Agony teima também em enfiar-nos pela boca abaixo cenas de sexo, nudez e violência gráfica. Todo o sexo, cadáveres e entranhas podem ser chocantes ao início, mas chega a um ponto em que o exagero é tal, que já nada nos faz impressão. Poderíamos entrar aqui numa enorme discussão sobre se existe algum mérito artístico na representação de violência e sexo, mas independentemente da vossa opinião, o que é certo é que em Agony aparenta tudo ser muito gratuito e não existe qualquer propósito, para além de chocar o jogador.
Sim, estamos a falar de uma visão do Inferno, de tudo o que pecaminoso para a realidade ocidental e por conseguinte, da religião judaico-cristã (cujo Inferno foi claramente escolhido para Agony), mas chega a um ponto em que é impossível não revirar os olhos. O horror vive também da subtileza e Agony não sabe o que isso é. Por exemplo, deixei de conseguir levar o jogo a sério logo nos primeiros minutos. Ao encontrar a árvore do fruto proibido, o jogo incitou-me a apanhar a maçã – que na verdade reflete-se em pontos para melhorar algumas skills – não consegui conter uma gargalhada quando a personagem vira a maçã para mostrar que a mesma tem nada mais mais nada menos… que uma vagina. A sério jogo? A sério? Não queres ser mais óbvio, pegar nisso e dares-me com isso na cara?
Apesar de esteticamente Agony conseguir alguns pontos positivos no que toca à sua temática, graficamente não irá decerto ganhar nenhuns prémios. As texturas são fraquitas, o design dos demónios passável e existem claros problemas de iluminação, incluíndo bugs em que o próprio cenário aparenta estar a brilhar – sem quaisquer melhorias ao mexer com alguns dos parâmetros gráficos do jogo.
Agony faz jus ao seu nome e é mesmo uma verdadeira agonia, fazendo-me crer que a Madmind Studios queria que os jogadores passassem por uma experiência verdadeiramente infernal. Infelizmente Agony cometeu, para mim um dos piores pecados ao pegar no enorme potencial que tinha e deitá-lo para o lixo, apenas para tentar ser um dos miúdos fixes, para que falassem dele pelas razões erradas. E por isso, merece uma eternidade no mesmo Inferno que quis representar, com má jogabilidade e tudo.
Opinião Final:
Agony é um jogo interessante em teoria mas que na prática conseguiu falhar em quase tudo. Desde gráficos fracos, a mecânicas mal explicadas e implementadas, Agony é um exercício em frustração que se deixou perder na sua ânsia de ser chocante.
Do que gostamos:
- Estética infernal bem conseguida… até chegar ao ponto em que enjoa.
Do que não gostamos:
- Gráficos fracos;
- Má atuação dos atores de voz;
- Mecânicas de jogo mal implementadas;
- Falta de enredo com substância.
Nota: 3/10