Análise – Dragon Quest VII: Fragments of the Forgotten Past

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O mundo mudou quando Final Fantasy VII saiu. Os jogos passaram a ser mais bonitos, complexos e mais arrojados. É estranho começar esta análise a falar de um jogo rival, talvez até insultuoso, mas há uma razão de ser. As semelhanças entre este Dragon Quest VII (antes conhecido por Dragon Warrior VII) não se ficam pelo numeral romano, há mais a ligar estes dois jogos, apesar da diferença temporal. Ambos foram planeados para a Nintendo 64 e acabaram por sair na Playstation original, ambos foram pontos de viragem das suas séries, ambos deram o salto para o 3D, ambos tinham grandes ambições e os seus enredos continuam a ser aclamados pela crítica nos dias de hoje. Os fãs de ambos pediam um remake ou uma atualização para as novas gerações. Enquanto Final Fantasy VII promete sair na PS4, Dragon Quest VII sai agora na 3DS, muito tempo depois de ter saído no Japão, uma vez que a versão original nunca chegou à Europa. Quando a esperança era mesmo a última a morrer, eis que chega o anúncio com uma pompa e circunstância que mais parecia o tema de abertura do jogo.

DQVII saiu no ano 2000 no Japão e um ano depois nos Estados Unidos. Como era apanágio na altura, nem deu um ar da sua graça pelo velho continente. Foi uma produção conturbada com vários problemas, foi adiado várias vezes e levou ao final do nome Warrior, passando a ficar associado à série o nome Quest. Mas, no final de tudo, acabou por compensar. Dragon Quest foi um sucesso de vendas com milhões de unidades vendidas no seu lar nipónico, logo nas primeiras semanas. Aquele mito urbano de que o país para quando é lançado um Dragon Quest/Warrior é quase verdade, o país estava a jogá-lo e estava a gostar. Foi premiado várias vezes e saiu nos EUA um ano depois – com uma recepção mais tímida, ainda que algo calorosa, mas não o suficiente para justificar um lançamento por cá, até ao momento.

O cenário parecia repetir-se e alegava-se que era muito difícil localizar um jogo desta envergadura. Um jogo com um guião de mais de 70 mil páginas para localizar é obra, mas é sinal de que está cheio até às costuras de história, diálogos e conteúdo para entreter o jogador ao longo de mais de cem horas.

Quero um Slime só para mim. Ou dois. Ou três.

Quero um Slime só para mim. Ou dois. Ou três.

Por falar em localizar, devo dizer que adorei todo o trabalho que a Nintendo of America teve ao localizar DQVII. A NoA não se limitou a passar de uma língua para a outra, fez bem mais do que isso. Adaptaram tudo aos dias de hoje, criaram identidades, alteraram glossários, mudaram nomes de cidades e personagens e parece quase um jogo novo. A minha cara só podia ser de espanto quando chego a uma nova aldeia e as pessoas estão a falar com sotaque e expressões alemãs, para depois visitar outras onde falam francês, espanhol, italiano, e até russo! Estes detalhes enriquecem o mundo de tal maneira que é impossível não ter um sorriso enquanto falamos uma e outra vez com os NPC’s. Gosto daquela acessibilidade de usarem expressões dos respectivos países, mas com a tradução à frente para não baralhar os jogadores, dios mio! Até as personagens principais são tão diferentes umas das outras, menos o herói, que não fala. Esse é uma página em branco silenciosa que só escolhe Sim ou Não, onde o Não leva a um Sim porque não podemos recusar salvar uma aldeia. Se tivesse de dar uma nota com base no trabalho de localização, dava nota máxima. Mas nem tudo é perfeito.

O jogo demora imenso a começar e a primeira batalha só surge passadas algumas horas. A história começa com o herói e o príncipe Kiefer a tentarem sair da ilha de onde vivem para explorarem o mundo. Acontece que não existe mundo lá fora, apenas a sua ilha Eastard – o resto é um vasto e infinito oceano. Como é já usual nestas aventuras, claro que não estão sozinhos e, quando o pai do herói volta de uma viagem em alto mar com uma estranha placa, a curiosidade destes dois amigos é catapultada para níveis extraordinários. Seguidos por Maribel, uma rapariga com uma relação de amor-ódio com o herói, os três descobrem um templo misterioso. Colocam as placas num pedestal e são transportados para uma ilha desconhecida. Eles tinham razão, não estavam sozinhos, mas há algo de estranho com esta ilha.

Há que pagar ao troll se quiserem passar.

Há que pagar ao troll se quiserem passar.

E é aqui que o título começa a fazer sentido, Fragments of the Forgotten Past, em bom português, Fragmentos de um passado esquecido. Os nossos heróis não viajam até ilhas diferentes, mas sim ao passado de outras ilhas que deixaram de existir.

Dragon Quest, ao contrário de muitos jogos do género, não se foca apenas num enredo global, mas em enredos episódicos. Este método é defendido pela equipa de forma a não aborrecer o jogador, recompensando-o pelo caminho para o motivar a jogar até ao fim. Cada ilha tem um micro-enredo que requer a nossa intervenção para a salvarmos, sendo que só assim a ilha regressa ao presente. As situações não variam muito do cliché dos RPG’s: um monstro aterroriza a aldeia, um vulcão que entra em erupção misteriosamente, o mar que engole o mundo, uma batalha entre humanos e máquinas, um ritual de nómadas para ressuscitar Deus, etc. E como somos viajantes alheios àquelas culturas, a responsabilidade de ajudar recai sobre nós. A solução é na sua maioria positiva e enternecedora, com a salvação da ilha e respetiva restauração no presente, mas há sempre um preço.

Como se trata de um jogo de viagens no tempo, temos de andar de um lado para o outro, neste caso entre o presente e o passado, e, quando visitamos os mesmos lugares anos ou séculos depois, não é estranho encontrarmos as campas das personagens que conhecemos no passado. Este é um detalhe triste e doloroso, mas, como na vida real, o tempo não perdoa. Há vários enredos de puxar à lágrima com despedidas, amores e oportunidades perdidas e arrependimentos. Dragon Quest VII pode parecer um jogo infantil, mas as mensagens não tão subliminares são bastante poderosas e adultas.

Apesar deste enredo poder parecer ser desenvolvido a «conta-gotas», o jogador mais atento vai reparar num fio condutor que liga todos estes acontecimentos. Algo que fez com que as ilhas desaparecessem do seu tempo. A mensagem torna-se bastante óbvia quando vão lendo os livros nas prateleiras e ouvindo as histórias de uma grande batalha entre Deus e o Demónio, com os seus respetivos exércitos. Penso que já devem imaginar até onde isto irá levar, mas não me irei alongar mais para não vos estragar a surpresa. É indispensável falar com todas as personagens e consultar os livros existentes, pois cada detalhe conta para o enredo.

A arte continua a cabo do desconhecido Akira Toriyama, cujos trabalhos incluem uma série chamada Dragon Ball, que dizem ser boa, Blue Dragon, entre outros. O resultado final vai do oito ao oitenta. As personagens principais estão desenhadas com um detalhe incrível e imediatamente se tornam memoráveis. E, com um sistema de classes tão vasto, estas personagens passam pelas cem horas de jogo com várias roupas, mas o nível de personalização fica por aí. O menos bom é que as restantes personagens são copy paste umas das outras. Basta verem uma para as terem visto a todas, o que quebra a imersão no mundo de jogo, mas não quero dizer que tenha sido por preguiça, mas um produto do tempo onde a equipa e recursos eram bastante reduzidos.

Os monstros são a marca da série, caricaturas engraçadas a tentar impedir os heróis. Melhor que a arte dos inimigos, são os nomes que a equipa de localização lhes deu, apostando em trocadilhos e piadinhas. Há inclusive uma habilidade de ataque que faz piadas com os nomes dos monstros. Não se deixem enganar pela aparência infantil do mundo, este é um jogo tudo menos infantil. Vá, menos o Slime, que é a coisa mais fofa de sempre.

Fujam! Ou não, isto se quiserem levar um enxerto de porrada.

Fujam! Ou não, isto se quiserem levar um enxerto de porrada.

A banda sonora foi remasterizada para este remake e complemente orquestrada. Infelizmente, a variedade não é muita, mas, de novo, é importante lembrar que é uma limitação do tempo e recursos, porque as que existem cumprem perfeitamente a sua função para transmitir a mensagem e os sentimentos da situação a decorrer. Koichi Sugiyama foi novamente o responsável pelo que ouvimos. O tema memorável da série irrompe bastante alto assim que ligamos o jogo e não nos deixa esquecer de que estamos perante uma aventura épica. O único ponto negativo é que no Ocidente, infelizmente, deixa de lado as composições orquestradas em detrimento de uma versão MIDI inferior. Ainda assim, é impossível negar a elevada qualidade da componente musical do jogo.

A nível de jogabilidade, esta é o mais simples que podem encontrar no género. As opiniões dividem-se, se por um lado há quem elogie Dragon Quest por manter uma mecânica básica, de maneira a não alienar os fãs, também há quem se queixe da falta de inovações e refira que o estilo já estagnou. Pessoalmente, não concordo com esta segunda visão e acredito que há espaço para tudo: títulos ambiciosos que arriscam mundos e fundos e outros como Dragon Quest, que mantém a sua fórmula de combate por turnos inalterada, mas com algumas adições modernas. Os combates já não são aleatórios. Os monstros surgem no ecrã e podemos escolher se os queremos atacar ou fugir, o que francamente me agrada imenso. Se nos primeiros jogos o combate era todo na primeira pessoa, aqui já conseguimos ver as nossas personagens. As animações de combate e de ataques estão melhorados e o combate está mais rápido. Existem laivos de estratégia onde cada feitiço/habilidade pode mudar o rumo do combate como habilidades passivas e de suporte que permitem às personagens acumular pontos de ataques para lançarem um golpe devastador capaz de despachar um boss em dois turnos.

Este leque de várias/os habilidades/feitiços está imediatamente ligado ao sistema de classes proveniente de Dragon Quest VI. A certa altura do jogo, quase a meio, podemos escolher a nossa classe e partir daí. O bom (ou mau) é que não estamos presos a só uma, podemos escolher todas as que quisermos, treiná-las, combinar duas ou mais e continuar sempre a evoluir. Se optarmos pela classe Marinheiro e depois Ladrão, podemos aceder à classe intermédia de Pirata, por exemplo. Depois, cada uma tem as suas próprias habilidades que combinadas tornam-se ainda mais eficazes. Por exemplo, escolher Mage e Warrior permite aprender ataques com elementos, ao passo que escolher Dancer e Warrior dá-nos a habilidade poderosa Sword Dance. De novo, apenas uma pequena amostra. Em relação à versão original, a evolução nas classes foi simplificada para dar oportunidade ao jogador de aprender várias ou todas. Agora, o ponto negativo em relação a este sistema é que surge muito tarde no jogo – quase a meio – e até lá jogamos com as personagens básicas. E, como vamos ter personagens a sair e outras a entrar, estas acabam por começar do zero e acaba por se tornar chato ter de aprender tudo de novo.

Slimes, Slimes de tudo e mais alguma coisa!

Slimes, Slimes de tudo e mais alguma coisa!

É um jogo enorme com uma história – constituída por vários episódios mais pequenos – que nos ocupa durante dias a fio. E, quando pensamos que não há espaço para mais, ainda temos missões secundárias como a colecção de medalhões dourados, que podemos trocar por itens. A certa altura do jogo alguém nos pede para ajudar a formar uma colónia de ex-monstros e temos de andar pelo mundo à procura dos mesmos, que agora são pessoas. À medida que a colónia cresce, vemos casas e estabelecimentos a abrir e podemos indiretamente construir a nossa cidade, tornando-a mais comercial, com itens raros à venda, ou numa aldeia normal. Há ainda monstros que se arrependem de lutar e pedem para vir connosco, e, se aceitarmos a sua oferta, estes vão para uma quinta que também poderão construir.

Existem ainda algumas distrações engraçadas que nos tiram o sono e algumas que forçam o online ao jogador. Podemos recrutar e formar uma equipa de monstros para procurarem fragmentos de outras placas, formando assim masmorras opcionais. Estas placas podem ser trocadas online ou se nos cruzarmos com outros jogadores na rua, através do Street Pass. Não é nada obrigatório, a menos que queiram aceder a duas masmorras especiais no final do jogo.

Apesar de Dragon Quest VIII ter sido o primeiro de muitos jogadores europeus e grande parte do que disse aqui não ser novidade, há que ter em conta que este jogo é o seu antecessor e qualquer coisa que DQVIII faça de bom, apenas expandiu do VII. A narrativa épica e episódica, o sistema de combate, o humor e a simplicidade começaram antes, muito antes, mas, se tivermos sorte e tudo correr bem, continuará a agraciar as nossas consolas durante anos.

Opinião final:

Agora que temos quase todos os títulos da série Dragon Quest no mercado europeu, só nos resta jogar tudo e esperar pelo XI, que será lançado para Nintendo 3DS, NX e PS4, que promete ser ainda melhor, mas, até lá, não podemos pedir mais porque já temos o suficiente para esgotarmos a bateria da 3DS duas vezes por dia e, com a vantagem de gravarmos em qualquer lado, podemos fazer exatamente isso: jogar onde quisermos e viver aventuras com as nossas personagens. Dragon Quest VII é o maior Dragon Quest até à data, é gigantesco, mas a sua sorte é que é tão bom que nem damos pelo tempo a passar. Se nunca tiveram a oportunidade de pegar num título DQ, têm aqui uma de aproveitar, e garanto-vos que será uma experiência absolutamente fantástica.

Do que gostamos:

  • Gráficos coloridos;
  • Música excelente, ainda que seja em versão MIDI;
  • Sistema de jogo acessível a novos jogadores;
  • Excelente trabalho de localização.

Do que não gostamos:

  • Repetição de personagens que quebra a imersão;
  • Sistema de classes começa tarde no jogo;
  • Fórmula episódica poderá ser monótona para muitos.

Nota: 10/10