
Os videojogos cada vez mais servem como plataforma para experiências no que toca à apresentação de uma história ou até como forma de arte (ou pseudo, o que quiserem chamar). A utilização de um videojogo em que a interação é reduzida, sem um objetivo definido e que apenas serve como mote para desenvolver a narrativa, não é nada de novo, tendo já sido demonstrado em jogos como The Path e até Dear Esther, da mesma equipa de Everybody’s Gone To The Rapture.
Com Rapture, temos mais um exemplo de uma espécie de história interativa, em que o foco principal é a narrativa, tentando utilizar a envolvência do jogador como um fator que leve a uma maior imersão na história que nos é apresentada, na primeira pessoa.
Em Rapture, basicamente têm que seguir as luzes. E seguir as luzes. E seguir mais luzes.
Tal como Dear Esther, encontramo-nos completamente sozinhos, mas desta vez em Shropshire, Inglaterra. A explicação para não encontrarmos ninguém é porque todos desapareceram durante o evento de Rapture (essencialmente o Juízo Final) e cabe ao jogador descobrir o que realmente aconteceu. O que podia ser uma experiência misteriosa, arrepiante e interessante, infelizmente acaba por se tornar num exercício de frustração enquanto andamos, andamos e andamos pela cidade vazia no encalce de esferas de luz, rádios e telefones a tocar – mas já lá vamos. É em fatias que o enredo se desenvolve. Através dos telefones e rádios podemos ouvir as vozes dos habitantes de Shropshire, que nos vão dando pistas de como tudo aconteceu.
Estas situações tanto podem ser recentes como terem ocorridos há meses. É preciso prestarmos atenção ou repetirmos o jogo para criarmos um fio condutor e obter coerência. Mas o que interessa são as luzes que andam pela cidade. Quando nos aproximamos de uma, esta desfaz-se em vultos luminosos de determinadas personagens e desempenha as suas últimas ações. E isto até torna a história interessante, dá vontade de querer saber mais e chegar ao final, mas não é suficiente. O facto de haver vários caminhos e várias esferas significa que poderemos perder algumas e, assim, perder informações possivelmente vitais para o enredo.
A “rejogabilidade” aqui é um ponto fulcral, porque o jogador tem mesmo de revisitar Shropshire para conseguir apanhar tudo. Dois pontos sobre isto, tanto positivo como negativo. Por um lado, coloca-nos na posição de ter a possibilidade de escolhermos o nosso caminho e como vamos explorando todo o enredo, cujo final será sempre o mesmo mas com diferentes bocadinhos da vida dos habitantes. É bom, é diferente e obriga-nos a repetir a experiência se gostarmos. Por outro lado, isto podia funcionar muito bem e apelar a novas visitas se a personagem não fosse… tão… lenta…! Parte da frustração prende-se com o facto de terem programado a personagem para se mover como se fosse um caracol – sim, há uma opção (escondida) para correr que não ajuda em nada porque a velocidade pouco se altera. A desculpa da equipa para sermos lentos é porque queriam que absorvêssemos o cenário mas que acaba por quase desencorajar a exploração, porque a movimentação é tão entediante que às tantas mais vale tentar avançar com a história do que tentar explorar o que a rodeia.
Cenários bonitos e natureza detalhada permeiam o mundo de Rapture.
A nossa personagem é tão lenta, que podemos andar de duas maneiras, adormecer em cima do analógico ou prender o mesmo e ir jogar outra coisa. A personagem é tão lenta, que ao sermos confrontados com vários caminhos, optamos sempre por aquele que avança a história porque é doloroso percorrer outros percursos que podem ser becos sem saída.
Mas nem tudo é mau. O jogo apresenta-nos um ambiente bucólico criado ao detalhe, existem campos verdes, casas, igrejas e bares abandonados, mas com sinais de que alguém esteve lá até há pouco tempo. E é esse o mistério que nos motiva a continuar, Onde foram todos? Então percorremos as ruas, entramos em casas, passeamos pelos jardins em buscas das esferas de luz que nos vão contando a história. Mas falta algo. Os pequenos toques e detalhes, que de facto demonstram que havia ali vida que foi abrutamente interrompida não são tantos como gostaríamos e ao invés de criar um ambiente imersivo nesse sentido, o cenário acaba por servir apenas como isso mesmo, um cenário, ainda que bastante detalhado, ao invés da realidade a que aspira ser. Não me interpretem mal, os cenários são lindos e tudo está de facto criado ao detalhe mas no meio de tanta beleza acaba por parecer que falta algo.
Os detalhes de uma vida interrompida criam o ambiente do jogo
É refrescante haver um jogo onde não temos de andar de armas na mão como qualquer outro jogo, mas Rapture podia dar-nos mais poderes de interação, alguns puzzles; podia fazer-nos sentir como uma pessoa perdida, desprotegida e não apenas como uma câmara voadora que é obrigada a captar tudo à sua volta, a absorver o mundo como os produtores queriam. Uma das razões para sermos lentos é para não termos pressa, para podermos olhar e admirar o mundo. Esta ação é deveras presunçosa, digo. Se algo está bem feito e se sentirmos necessidade de parar um bocado para olhar, então fazemos isso. Não é incomum haver jogadores pasmados com enormes mundos abertos, ricos em detalhes e vida; não são obrigados a tal, mas fazem-nos nem que seja para dar valor ao esforço do estúdio.
A beleza é subjetiva e deve ser natural. Não queremos ninguém a dizer: olha ali, olha para ali, agora anda para veres aquilo. E considerando que o jogo não é assim tão longo (6h a 8h), é impossível não pensar que um dos propósitos da criação deste “entrave” à deslocação foi mais para criar uma maior longevidade do jogo do que propriamente para nos obrigar a ser turistas.
No meio de tanto negativismo da minha parte, tenho que destacar positivamente a banda-sonora. A música é fantástica com melodias calmas e serenas que nos embalam enquanto caminhamos. Não tenho nada a apontar, sou bem capaz de deixar o jogo a dar enquanto ouço a música… ou vou ouvir a banda-sonora e ignoro o resto.
Opinião final:
Apesar de aspirar a uma experiência de narrativa interativa, Everybody’s Gone To The Rapture apresenta uma experiência que rapidamente poderá levar à frustração e à sensação de que o próprio jogo em si é um fardo. Com uma premissa interessante, tanto ao nível de história como de jogabilidade, Everybody’s Gone To The Rapture acaba por falhar ao tornar toda a jogabilidade, já de si simplista – pesada. Com uma história e envolvência cujo ponto fulcral deveria ser a exploração de Shropshire, a experiência deixa de ser interessante para ser entediante, não trazendo nada de revolucionário à maneira como as narrativas são apresentadas com um “jogo”.
O que gostamos:
- Mundo relativamente detalhado, com cenários bonitos;
- Banda sonora agradável e serena.
O que não gostamos:
- Muito pouca interatividade e velocidade extremamente lenta da personagem.
Nota: 6/10