O mundo da indústria dos videojogos é sem dúvida muito competitivo, e todos os anos vemos uma série de jogos de excelente qualidade a disputar pelas luzes da ribalta, nos mais variados géneros. Como tal, se já ter um lançamento de grande destaque se torna complicado, que dizer de fazer disso regra e conquistar prestígio mundial e, ainda mais difícil, ter-se-lhe associado todo um género.
Ao longo dos anos, a Square Enix, apesar de pontuais falhas que muitos prefeririam esquecer, como o caminho que a série Final Fantasy levava com Final Fantasy XIII, tem feito por merecer o lugar que ocupa: o de ser a primeira editora de que todos nos lembramos quando falamos de JRPGs. Séries como Dragon Quest, Final Fantasy, Kingdom Hearts ou Chrono Trigger, entre muitas outras, ajudaram, cada uma à sua maneira, a definir todo um género de jogos, marcando imensos jogadores no caminho.
Todas estas séries são bem diferentes umas das outras, e como um todo os JRPGs são jogos que, embora partilhando características comuns, se distinguem por vezes de forma bastante radical. Contudo, o estilo de RPG por turnos, tão popular nos anos 90, continua a ser um dos subgéneros de que mais facilmente nos lembramos quando falamos deste género tão adorado. Embora por muitos já considerado um estilo de jogo ultrapassado, a verdade é que este não está morto e ainda continuam a sair jogos que mantêm essa tradição – não fosse precisamente um RPG por turnos um dos candidatos a jogo do ano do ano passado, Persona 5.
Mas mesmo dentro deste subgénero a oferta é bastante variada, dado que muitos elementos novos têm vindo a ser adicionados ao estilo dos clássicos dos anos 90, de tal modo que entre Darkest Dungeon, Persona 5 e os primeiros Final Fantasy, não parece haver muito mais em comum do que a já referida estrutura base. Um jogo ser um RPG por turnos não é, por isso, hoje sinónimo de grandes semelhanças em relação aos grandes clássicos do género.
Apelando à nostalgia dos fãs, a Tokyo RPG Factory apresentou-nos em 2016 I am Setsuna, um jogo que em tudo apelava ao estilo mais clássico do subgénero a que pertence. A receção foi positiva, mas nada de espetacular, tendo o jogo conseguido captar alguns fãs, mas tendo falhado em voltar a trazer toda a glória dos clássicos. Mas a Tokyo RPG Factory não se ficou por I am Setsuna e, no ano passado, foi revelado Lost Sphear, um jogo com exatamente o mesmo estilo e ambição de I am Setsuna, embora com alguns novos elementos, uma narrativa totalmente nova, e, no geral, oferecendo uma experiência mais aprimorada.
E um dos pontos que me deixou com insatisfação em relação a este jogo foi exatamente como, apesar de os universos de Lost Sphear e I am Setsuna não estarem supostamente ligados, muitos dos itens e monstros, assim como o sistema de combate, serem praticamente idênticos. Dentre estes elementos, o sistema de combate é o ponto em que se fazem notar mais diferenças, tendo vários elementos da experiência sido melhorados, com a introdução de duas mecânicas essenciais: a movimentação durante o combate e os Vulcosuits.
Ao passo que em I am Setsuna simplesmente selecionavamos o que fazer com a personagem – o típico ataque normal, ataque de magia ou usar item -, que então, mediante a nossa escolha, se movimentava na “arena de combate” (não de facto uma arena, mas simplesmente o espaço onde se está a desenrolar o combate), em Lost Sphear, após selecionarmos quer o ataque simples, quer o ataque de magia, devemos movimentar uma figura azul que indica a posição em que a nossa personagem atacará, bem como o alcance do seu ataque. Em I am Setsuna era possível por vezes causar dano a mais do que um inimigo com um único ataque, mas em alguns casos era difícil de perceber se tal iria acontecer. Este problema foi resolvido em Lost Sphear, sendo que quando movimentamos a figura azul, uma área em vermelho indica o alcance do nosso ataque, pelo que podemos calmamente decidir para onde levar a nossa personagem, de maneira a conseguir atacar vários monstros em simultâneo ou de maneira a proteger uma personagem mais vulnerável. Este fator acrescenta um valor estratégico a um sistema que já por si continha um valor razoável neste quesito e, sinceramente, torna os combates mais dinâmicos e divertidos que os de I am Setsuna.
O segundo ponto referirdo – os Vulcosuits – é introduzido no desenrolar da estória, embora não numa fase muito tardia, e estão diretamente relacionados com a narrativa de Lost Sphear. De uma forma resumida, são mechs e podem ser equipados tanto quando exploramos o mundo, como em pleno combate. Em pleno combate, contudo, gasta-se um turno por cada vez que se equipa ou se desiquipa um Vulcosuit, pelo que se recomenda que personalizem bem a equipa antes de combates que adivinham ser mais difíceis. Estes mechs permitem-nos realizar ataques bem mais fortes e mesmo alguns combinados com outros Vulcosuits, no entanto gastam VP (Vulcosuit Points), pelo que será necessário fazer uma boa gestão desses pontos, de modo a não ficarmos “de pé descalço” em batalhas contra bosses.
De novo voltando a I am Setsuna, neste jogo um dos problemas mais incomodativos era o de como o jogo era bastante acessível, mas, de repente, eramos apanhados por um pico de dificuldade numa batalha contra um boss. Infelizmente, a curva de dificuldade de Lost Sphear é idêntica à de I am Setsuna, e teria sido sem dúvida preferível que o jogo se fosse tornando progressivamente mais difícil e desafiante, ao invés de ser simplesmente um “passeio no parque” interrompido por uns quantos momentos frustrantes.
Tal como o primeiro jogo da Tokyo RPG Factory, Lost Sphear apresenta-nos cenários bastante aprazíveis e que nos imergem no mundo de fantasia proposto, com temas comuns como o recuperar de memórias perdidas, a união da equipa, o confronto contra a tirania e o abuso de poder, apenas para nomear alguns. Mas penso que a apresentação deste jogo supera a do seu antecessor, especialmente por, já não existindo como grande destaque os cenários nevados acompanhados de um tom sempre dramático, tal proporciona tanto uma maior variedade em termos de cor e de cenários, como de música.
Por fim, esta quebra de monotonia nota-se ainda na história, em que a interação entre as personagens (quer entre a própria equipa, quer entre as personagens desta e as que vamos encontrando) não mais tem sempre um contorno mais sombrio e sério, mas muitas vezes assume um tom mais humorístico, o que entrega ao jogo um bom equilíbrio entre os momentos mais emocionais e dramáticos (que também tem) e os que não são para ser levados a sério.
A história do jogo começa bastante interessante e consegue prender-nos, deixando-nos com vontade de seguir a vida destas personagens enquanto vão recuperando memórias do mundo (o que no jogo corresponde a recuperar literalmente objetos, pessoas e mesmo locais completos como aldeias). Contudo sofre de alguns precalços e alguns dos seus elementos não parecem satisfatoriamente justificados, quer em termos da própria coerência da narrativa, quer em termos de o que se segue. O sistema por arcos não está tão evidente como em I am Setsuna, mas persiste, e exatamente por agora não ser tão óbvio, torna a narrativa mais satisfatória, porque mais contínua, digamos, em que há (em geral) um seguimento mais natural dos vários eventos do que no seu antecessor.
Em termos de banda sonora, Lost Sphear não se destaca por aí além e não há nenhuma peça que realmente fique na memória. Contudo, esta também não é um ponto negativo no jogo, mas simplesmente algo que nem aquece nem arrefece. Não é má, nem completamente negligenciável, mas também não é nada de especial, limitando-se a cumprir o seu papel de não deixar o jogo cair num silêncio mudo.
Opinião final:
Apesar de não ser perfeito e ainda não conseguir cumprir completamente o designío da Tokyo RPG Factory de reviver o estilo clássico dos RPGs por turnos, Lost Sphear representa, em todos os sentidos, uma evolução num bom sentido face à primeira tentativa desta equipa. Apesar dos picos de dificuldade, de alguns sulavancos na narrativa e de se manter demasiadamente preso a I am Setsuna em alguns pontos, o seu sistema de combate, a própria estrutura interna do enredo, a interação entre as personagens e a apresentação representam melhorias que não poderiamos deixar de lado e que tornam este jogo bastante atrativo para os fãs do género. Se gostaram de I am Setsuna, vão gostar ainda mais de Lost Sphear.
Do que gostamos:
- Sistema de combate mais complexo, interativo e divertido;
- Narrativa com um seguimento mais natural que a do seu antecessor;
- Variedade de cenários bem desenhados e chamativos;
- Interação entre as personagens.
Do que não gostamos:
- Algumas falhas na narrativa em pontos mais avançados do jogo;
- Demasiadamente preso a I am Setsuna;
- Experiência acessível, com picos de dificuldade em batalhas contra bosses.
Nota: 7,5/10
Agradecimentos à Ecoplay pela cópia cedida para análise deste jogo (versão PlayStation 4)