Quando foi anunciado, em abril de 2015 na Monster Hunter Fest (evento japonês), não acreditei que Monster Hunter Stories, que representa em traços gerais a resposta à pergunta “como seria um Monster Hunter ao estilo de Pokémon?”, fosse lançado fora do Japão. Para minha agradável surpresa, mais tarde confirmou-se que a Nintendo ia fazer chegar o jogo aos mercados ocidentais, o que em Portugal vai acontecer já amanhã, dia 8 de setembro, em exclusivo para a família de consolas Nintendo 3DS.
Se já jogaram Monster Hunter, saberão que começamos sempre a nossa aventura numa pequena vila, onde somos bem tratados pelos locais, podemos comprar e melhorar equipamento no ferreiro, comprar itens valiosos no mercado, entrar em contacto com os queridos felinos que nos acompanham na nossa jornada (e que não desistem de fazer jogos de palavras com “Meow” e “Paw”), receber missões e completá-las, ora dirigindo-nos a um quadro para o efeito, ou falando com os locais. Temos, finalmente, a nossa própria casa, onde podemos guardar o jogo e personalizar tanto a nossa aparência e equipamento, como os do gato que nos acompanha. Existe mais a explorar nestes vilarejos, mas o que acabei de descrever cobre o essencial.
Em Monster Hunter Stories a situação não é diferente, e todas estas características da série estão de volta. Mesmo no que toca à maneira como recolhemos recursos e exploramos o mundo selvagem dominado por estas conhecidas criaturas, não há grandes mudanças. As mecânicas de pescar, apanhar insetos, recolher minerais, entre outros, como mel e ervas de vários tipos, estão exatamente iguais às dos jogos da série principal.
São todas estas características (e claro, o partilhar do mesmo universo, com as mesmas criaturas) que fazem com que o jogo pertença a esta série. Tirando estas, talvez apenas a enorme quantidade de conteúdo, suficiente para nos prender por largas dezenas de horas, aproxime este jogo dos restantes da franquia. Tudo o mais se afasta do tronco comum e é uma novidade dentro deste universo, a começar pelo próprio título do jogo, que inclui a correspondente inglesa da palavra histórias. Logo através deste pormenor ficamos a perceber que, comparativamente aos Monster Hunter da série principal, a narrativa de Stories é mais elaborada e tem um peso muito maior.
Não esperem, no entanto, nada de muito complexo ou profundo. A história continua a servir quase exclusivamente como um fio condutor para as missões que vamos fazendo do que ser o principal atrativo, o que não invalida que seja de salutar esta melhoria. Trata-se do simples e já mais que explorado conceito de criança que tem de salvar o mundo, enquanto lida com alguns problemas com um dos seus grandes amigos, assim como alguma exclusão. Não traz nada de novo, mas desempenha bem o seu papel e é adequada ao público-alvo mais infantil a que se destina.
A grande mudança é talvez em quem detém o protagonismo, podendo todas as restantes ser concebidas como decorrendo desta. Se na série principal tudo gira em volta do nosso avatar – da sua armadura, dos itens e armas de que dispõe, da aproximação que deve ter em relação às suas presas e como as capturar eficazmente -, neste spin-off o destaque vai claramente para os conhecidos monstros deste universo. Em semelhança a jogos RPG como Pokémon ou Yo-kai Watch, também aqui temos de ir construindo uma party de criaturas prontas a lutar por nós.
Devido a se enquadrar neste sistema de RPG por turnos, a chave para o sucesso passa a ser equacionar os pontos fortes e fracos de cada membro da nossa equipa, como estes funcionam entre si, e como conseguir evoluir todos os membros de uma maneira equilibrada. O combate passa aqui a ser um elemento fundamental, que, devido à natureza do género em que Stories se encontra, se afasta obrigatoriamente daquele que marca a série principal.
Dada esta mudança, é normal que nos perguntemos se a Capcom conseguiu criar um sistema adequado a este género, e que seja ao mesmo tempo divertido. A resposta é afirmativa e o sistema apresenta um leque de opções bastante próximo do que já podemos encontrar noutros títulos, mantendo a qualidade dos mesmos, mas sem trazer grandes inovações.
Opções comuns como “Flee” (tentar fugir da batalha), “Items” (em que podemos escolher objetos já pré-selecionados tanto para recuperar vida, como para curar certos efeitos, danificar o nosso adversário, entre outras opções), “Switch” (o comum modo “party”, em que gerimos a nossa equipa e que monstro nos ajudará na batalha) estão presentes, assim como, é claro, o essencial “Fight”.
Em Monster Hunter Stories, as mecânicas de combate giram em volta desta opção que, no fundo, tem um sistema idêntico ao de séries como Fire Emblem, num esquema tripartido baseado no clássico pedra-papel-tesouro. Tanto o nosso avatar, como os nossos «monsties» (jogo de palavras com “Monster” e “besties”) e os nossos opositores têm três tipos de ataque: “Tech”, “Power” e “Speed”. Os ataques “Tech” são bons contra os “Speed”, os “Speed” contra os “Power” e os “Power”… contra os “Tech”. Alguns inimigos escolhem sempre o mesmo tipo de ataque, mas vamos encontrando adversários em que isto já não acontece e em que muitas vezes passa a ser um caso de sorte e probabilidade escolher o tipo de ataque acertado.
Para além dos modos referidos, temos ainda as opções “Monsties” e “Rider” que nos permitem escolher, respetivamente que habilidades os nossos monstros ou o nosso avatar devem usar, habilidades essas que vão sendo desbloqueadas à medida que se vai progredindo no jogo.
A ligação que vamos criando com os monstros é, como poderão imaginar, um dos pontos mais recorrentemente explorados em toda a aventura. Os nossos “Monsties” não servem como meros lacaios, mas batalham ao nosso lado e, em momentos específicos (que já explicamos quais são) podem ser montados, unindo forças com a nossa personagem e trazendo um novo conjunto de mecânicas para o combate.
Ao contrário dos títulos da série principal Monster Hunter, a vila que nos é apresentada não trata os monstros de uma maneira hostil. Estabelece, invés disso, uma ligação com os mesmos através de certos artefactos – as Kinstones. Os que se dedicam a esta união com os monstros e partem à descoberta do mundo designam-se por Riders e começam a carreira bastante cedo, através de um ritual que faz lembrar os reais rituais de passagem (da infância para a vida adulta) tribais.
À medida que vamos derrotando inimigos, vamos recebendo experiência e a nossa Kinstone vai ganhando poder. Uma vez enchida, podemos carregar no botão Y e montar o nosso “Monstie” de eleição. Fazê-lo faz com que passem a partilhar a mesma barra de vida, mas também com que os ataques fiquem mais poderosos. Simultaneamente, muitas das opções ficam bloqueadas e apenas podemos lutar ou fugir. Caso sejamos perspicazes e consigamos uma série de ataques bem-sucedidos, a nossa Kinstone vai subindo de nível. Quanto mais elevado o nível da Kinstone, mais poderoso é o ataque especial que podemos realizar, mas também mais arriscada se torna a situação, pois caso tenhamos algumas rondas mal sucedidas, caímos da zona lombar do nosso monstro, sem usufruir dos bónus que esta situação nos permitia. Fora destes momentos de combate, podemos ainda fazer uso desta mecânica, sem quaisquer restrições, enquanto exploramos os vários cenários. De facto, podemos até fazê-lo num movimento ininterrupto enquanto corremos, bastando manter premido o botão Y.
Embora apenas possamos, durante os momentos de exploração, montar o “Monstie” que tivermos marcado como nosso favorito, este não é o único que nos irá acompanhar e será fundamental irmos alargando o nosso leque de monstros. Para aumentarmos a nossa equipa temos de recorrer a uma mecânica já presente nos últimos jogos da série principal (embora com outro objetivo), que é o de ir até ninhos de monstros, roubar os seus ovos e zarpar o mais rápido possível.
Enquanto fugimos com os ovos, ficamos mais lentos e tornamo-nos alvos mais fáceis para os outros monstros. Felizmente, ao contrário dos últimos Monster Hunter, em Stories caso sejamos abordados durante este processo, não temos de voltar a tentar desde o início, mas temos uma hipótese de defender o ovo pelo qual tanto lutámos.
Estando o ovo já na vila, fica guardado nos estábulos e para finalmente ficarmos a saber que monstro é que nos saiu da rifa, temos de o chocar, o que é representado por um pequeno “minijogo” em que, batendo em certas partes do ovo, e com um pouco de sorte, o monstro que dele sair vem com estatísticas mais favoráveis, como mais pontos de ataque ou defesa.
Para além do modo a solo, em que partimos nestas expedições e vamos realizando várias missões, temos ainda a possibilidade de lutar contra outros jogadores e provar que a nossa equipa é a melhor, tanto localmente, como através de uma ligação à internet. O jogo faz ainda uso do StreetPass, pelo que se passarem por outros “Riders”, irão trocar “Rider Cards” – cartões que indicam informações sobre o vosso percurso e a vossa equipa. Estas opções estão bem construídas, e embora não sejam muito profundas, permitem que tenhamos ainda mais horas de jogo pela frente.
Finalmente, e de maneira a fechar com chave de ouro esta análise, temos de louvar a qualidade da apresentação do jogo. O estilo artístico assenta que nem uma luva neste estilo de jogo e permite visuais absolutamente espantosos, dos melhores que a Nintendo 3DS recebeu até à data. Até mesmo o efeito 3D – funcionalidade muitas vezes negligenciada – foi bem adaptado, não se notando muitos problemas (em outros jogos, bastante comuns) de desfocagem.
Infelizmente, Monster Hunter Stories é vítima do sistema em que é lançado e mostra como a Nintendo 3DS, embora seja uma grande consola e ainda esteja bem viva, está no limite do seu poder. As quedas no rácio de fotogramas são mais comuns do que deviam e algumas cinemáticas apresentam um desfasamento entre o som e a aparição das legendas (assim como situações em que as legendas são manifestamente maiores do que as falas). Caso joguem numa consola new3DS, estas falhas deverão ser mais atenuadas, mas não completamente resolvidas.
Para além deste ponto, existe ainda a limitação técnica de o mapa que podemos navegar muitas vezes não corresponder aos limites que percebemos visualmente, isto é, embora possamos estar numa zona fechada, muitas vezes não podemos sequer embater contra as paredes, sendo impedidos por uma parede invisível. Este pormenor não afeta muito a experiência, mas não deixa de ser incomodativo e de estragar alguns momentos satisfatórios, como o já referido montar o “Monstie” enquanto corremos.
Opinião final:
Se são fãs de Monster Hunter e de RPGs por turno ao estilo de Pokémon ou Yo-kai Watch, não pensem duas vezes, este é o jogo perfeito para vocês. Com uma apresentação soberba e que leva a Nintendo 3DS aos limites, várias horas de aventura e exploração, e um sistema de combate que não se fica nada atrás de outros títulos do género, Monster Hunter Stories com certeza que não vos irá desapontar.
Como todos os jogos, tem algumas falhas, sendo as causadas pelo hardware em que é lançado e por explorar ao máximo as potencialidades do mesmo, como algumas quedas no rácio de fotogramas. Tirando estas, talvez apenas se pedisse que o jogo se afastasse um pouco mais das ofertas do género já disponíveis no mercado, nomeadamente no sistema de combate.
Do que gostamos:
- Apresentação irrepreensível;
- Várias horas de aventura e exploração;
- Combate divertido e bem adaptado;
- Possibilidade de ter um contacto mais íntimo com alguns dos monstros mais icónicos da série.
Do que não gostamos:
- Alguns problemas técnicos de menor envergadura, devido aos limites da Nintendo 3DS;
- Sistema de combate afasta-se pouco de outras ofertas já disponíveis no mercado.
Nota: 8/10