Sendo um jogo que terá terminado, mesmo nos seus últimos momentos, com uma clarividente dica para uma sequela, o Prey original, lançado em 2006 para PC e Xbox 360 (pelas mãos da 2K Games), contou com críticas bastante positivas em geral, tanto a nível dos media como também dos jogadores. O jogo atingiu um sucesso comercial considerável e uma sequela era mais que esperada. Entretanto, a Bethesda adquiriu os direitos de Prey e finalmente lançou agora um reboot, não a sequela, pelas mãos da Arkane Studios, mais conhecidos pela série Dishonored. Não se trata, no entanto, de um reboot direto, como ficou desde logo muito óbvio pela sua primeira apresentação na E3 de 2016. Vamos então ver se este novo Prey faz justiça ao original, muito acarinhado pelos fãs.
Enquanto que no jogo original de 2006 seguimos os passos de Tommy quando este, acompanhado pela sua namorada e pela sua avô, é raptado por alienígenas para bordo da nave espacial The Sphere, uma estrutura que absorvia objetos, inanimados ou não, do planeta Terra para se suster a si própria. Esse jogo focava-se muito nas origens de Tommy, na medida em que este sendo um nativo Cherokee podia “soltar” o seu espírito e abandonar seu corpo para o ajudar a parar esta nave de consumir tudo na Terra. Este novo jogo trata-se de uma “re-imaginação” total com apenas alguns elementos chave a persistir.
Em Prey somos Morgan Yu, homem ou mulher (de acordo com a nossa escolha inicial) que, sofrendo de perdas de memória, tem de lutar contra os Typhon, uma raça alienígena que os governos da Terra andavam a estudar há vários anos, acabando por conseguir obter resultados e avanços na neurociência usando a fisiologia destes Typhons para reestruturar o cérebro humano, conferindo assim aos seus utilizadores capacidades sobrehumanas. Lamento ser um pouco vago sobre o motivo desta batalha pela qual Morgan terá de passar, pois Prey tem, no meu ver, um dos melhores e mais originais inícios de jogos dos últimos tempos. A forma como o jogo nos estranha e depois nos entranha está de facto genial, e só mesmo passando por esses minutos iniciais para poder melhor desfrutar.
Devo mencionar que o jogo parece ter muitos elementos de vários standards a nível de narrativa, jogabilidade e audiovisuais tais como Bioshock, Dead Space, o próprio Dishonored ou até System Shock. Inicialmente munidos apenas de uma chave inglesa, muito cedo descobrimos que os antagonistas do jogo conseguem dissimular-se e “imitar” quaisquer objetos do cenário. Isso aprende-se da maneira mais difícil quando estamos ainda a tentar descobrir onde estamos e de repente salta-nos em cima uma cadeira. O jogo inicialmente tem tons de suspense e algum terror, fiando-se nos sustos repentinos, algo que eventualmente se vai diluindo mais numa espécie de thriller de ação e aventura.
O jogo é, na sua essência, um jogo de tiros em primeira pessoa, um jogo em que é na imensidão de variedade com que podemos “desenhar” o nosso caminho até aos momentos finais que reside a sua beleza. Enquanto que inicialmente nos parece que estamos perante mais um atirador da Arkane Studios, em seu bom estilo, pouco depois este proporciona ao jogador uma multitude de possibilidades de interação e de sobrepor os obstáculos que o diferencia completamente do resto.
Isto torna-se bastante claro quando encontramos a primeira ferramenta, uma Gloo Gun, que se trata de uma arma que dispara uma substância que, ao atingir uma superfície, forma uma espuma que endurece. Isso fez, a exemplo pessoal, com que ao invés de andar à procura do caminho correto para chegar ao primeiro objetivo, simplesmente “construí” uma escada até conseguir chegar onde queria, eventualmente evitando alguns perigos, mas também perdendo a oportunidade de encontrar coisas úteis para a minha jornada.
É esta abrangência que o jogo nos proporciona desde o início, algo que se agradece, apesar de causar alguma confusão sobre para onde ir inicialmente. Os Typhon são extremamente versáteis e rapidíssimos e assim se mantêm até ao final do jogo. Mas isso não quer dizer que temos sempre de os enfrentar. Com alguns elementos leves de stealth, o jogo permite ao jogador poder escapulir-se para ir procurar mais material ou algo que o permita mais tarde ter mais hipóteses de lutar. Esta mecânica não chega ao mesmo nível de Dishonored, isso é certo, mas não deixa de ser mais um bom elemento implementado neste jogo. Muitas foram as vezes que consegui chegar a certas áreas de jogo que pareciam inatingíveis através de meios pouco convencionais, o que me provocou bastante satisfação.
Além do mundo de jogo (a estação espacial Talos I) ter sido desenhado de forma a que tal seja possível, temos sempre acesso ao mapa de jogo e aos marcadores de objetivos, sejam secundários ou primários. Nem sempre a melhor opção é a frontal ou a que parece mais óbvia, e por isso o jogo leva-nos muitas vezes à experimentação ou a trabalhar a massa cinzenta um pouco, mas não exageradamente. A nível de progressão de personagem temos os Neuromods, de origem Typhon, que nos permitem escolher entre várias habilidades de melhoria ou de aprendizagem, tais como fazer hack ou simplesmente correr mais depressa ou ter mais estamina, e até mais força para poder mover e atirar objetos pesados. Estes Neuromods primam pela escassez, por isso até ao final do jogo teremos muitas escolhas difíceis pois não conseguiremos ativar tudo. Fica um pequeno alerta: quantos mais Neuromods usamos, também mais a nossa humanidade fica abalada e as repercussões notam-se no fim do jogo.
Além destes aumentos baseados nos estudos da fisionomia alienígena, temos novo equipamento ou chips que podem ser instalados nos nossos fatos. Estes permitem eventualmente ganhar mais resistência a certos ataques ou fazer scan aos Typhon para ficarmos a conhecer melhor os seus pontos fracos. O jogo abre-se ainda mais, contudo, quando se desbloqueiam os “poderes” dos extraterrestres, tais como telepatia ou até a possibilidades de também nos transformarmos em objetos. Esta última é quase mais para divertimento do que propriamente útil, apesar de em certas ocasiões se ter revelado como tal. Todas estas possibilidades de ativar novas habilidades acabam por tornar o jogo um pouco mais justo aquando de lutas diretas contra os inimigos.
Graficamente temos uma estação cheia de elementos bastante bem desenhados, mesmo que em partes algo simplificados. Podemos estar a certas alturas a passear por halls de beleza imponente, como de repente passar a estar num corredor pouco detalhado e aborrecedor. A nível artístico faz lembrar, de facto, os jogos anteriores da Arkane Studios, como Dishonored. Aqui estamos perante um jogo passado numa realidade alternativa, onde a corrida ao espaço dos anos 60 e 70 começou a luta contra os Typhon e a captura dos mesmo pelos EUA e União Soviética. Consequentemente, devido à criação desta estação espacial de aprisionamento e estudo, desde essa altura e até por volta de 2030 temos várias zonas da estação com temáticas seja das décadas mencionadas, seja dos países envolvidos. Toda uma ambientação bem conseguida. Uma pequena palavra menos positiva vai para a variedade dos inimigos, que é um pouco escassa.
Menos positivo também é o facto de que, apesar de uma grande liberdade a nível de exploração, isto acaba por também se tratar de algo que contribui negativamente para a experiência de jogo. Muitas das passagens estão bloqueadas e isso quer dizer que se não encontramos uma forma de as transpor, temos de voltar vezes sem conta a sítios que já visitámos anteriormente. Isso não quer dizer necessáriamente que seja algo muito negativo, pois até introduz alguns elementos de Metroidvania ao jogo, mas às vezes para passar para outra área temos de levar com os indesejados tempos de loading para carregar uma outra área pela qual já passámos. Estes tempos “mortos” acabam por estragar um pouco a imersão, especialmente nas alturas mais entusiasmantes. Outra nota é sobre os inimigos que por vezes parecem ser demasiado rápidos para os controlos da nossa personagem. Mesmo com alguns ajustes, a natureza rapidíssima dos inimigos leva a que andemos por vezes à sua procura enquanto estes nos causam danos.
Ao longo da nossa aventura temos muitas missões secundárias para completar. Estas missões estão, de alguma forma, escondidas e o jogo não faz muito por nos informar sobre as mesmas. Daí ser importante, especialmente para os mais puristas ou exploradores, explorar o máximo possível que temos ao nosso dispor, pois a qualquer momento podemos deparar-nos com uma missão interessante simplesmente através de lermos um e-mail num computador ou seguirmos em frente ignorantes da existência da mesma. Através dos e-mails também podemos encontrar não só pistas sobre a localização de cartões que abrem portas como também de simplesmente aprendermos um pouco mais sobre a história ou até do controlo de certas máquinas que nos ajudam em várias situações.
Opinião final:
Temos então um jogo envolvente que emana qualidade, apesar de alguns factores técnicos menos bem conseguidos. Um jogo consideravelmente extenso, dependendo da forma como o jogamos, mas que se abre ao jogador e que o permite “jogar à sua maneira”. Um jogo que faz lembrar Bioshock e Dishonored e que beneficia de uma grande longevidade, pois numa segunda ou terceira vez que o joguemos podemos sempre tentar outras aproximações ou formas de progredir. Uma lástima os tempos de loading quando atravessamos certas áreas, que acaba por matar um pouco a imersão e também o jogo só beneficiaria com um pouco de mais variedade de inimigos. Prey não nos dá a mão, e isso com certeza causa com que muito acabe por ficar por descobrir numa primeira aventura pelo jogo. Os bons visuais são bem complementados por uma jogabilidade complexa mas algo intuitiva, aliada à variedade de customização de personagem. Tudo isto acaba por criar uma experiência bem coesa com apenas algumas (poucas) arestas por limar.
Do que gostamos:
- A apresentação inicial surpreendente prende-nos;
- História de ficção científica muito interessante;
- Liberdade de progressão viciante proporciona variedade e pouca linearidade ao jogo;
- Visualmente e auditivamente agradável;
- Muitos segredos e genialidade na forma como os descobrimos.
Do que não gostamos:
- Os combates são um pouco lentos e confusos devido à rapidez dos inimigos;
- Natureza livre do jogo causa repetição por vezes desnecessária na exploração;
- Tempos de loading entre áreas quebram o ritmo do jogo;
- O extenso mapa pode ser algo labiríntico para alguns.
Nota: 8,5/10