Em 2016 a série The Legend of Zelda celebra 30 anos de existência, estando todas as atenções viradas para o próximo grande jogo, que chegará no final do ano à Nintendo Wii U. Desde a apresentação de uma Tech-Demo, na E3 de 2011, que demonstrava os efeitos de iluminação capazes de obter na Wii U, em que nos era mostrado um cenário de combate entre Link e um boss aracnídeo, que os fãs da série (grupo em que me insiro) vêm sonhando com o jogo da franquia que será lançado para a mais recente consola da Nintendo. Através de um Nintendo Direct no mês de janeiro de 2013, finalmente a bomba foi libertada, foi revelado que The Legend of Zelda Wii U estava efetivamente em produção e que, com este novo título, pretendiam quebrar uma série de convenções estabelecidas da série e que eram dadas como certa pelos fãs e pelas próprias equipas de produção.
Aquando da revelação deste projeto de grande envergadura, a Nintendo aproveitou para anunciar que, de maneira a tornar a espera pelo novo The Legend of Zelda menos sofrível, iria ser lançado ainda nesse mesmo ano, para a Wii U, uma versão remasterizada de Wind Waker, título que fora lançado 10 anos antes para a Nintendo GameCube. Entretanto foi anunciado, para grande pena dos fãs, que The Legend of Zelda Wii U demoraria um pouco mais a chegar, deixando de ter lançamento previsto para finais de 2015, mas sim para 2016, ano em que se celebram 30 anos de aventuras do famoso herói de túnica verde.
Aproveitando este adiamento, a Nintendo anunciou uma versão remasterizada de Twilight Princess, jogo lançado no final de vida da GameCube para essa mesma plataforma e para a sua sucessora, a Wii, em 2006. Esta mesma versão estará já disponível nas lojas e na Nintendo eShop na próxima quinta-feira (juntamente com uma figura amiibo (não vendida em separado) representativa de Link Lobo) para a Wii U, e, tirando uma ou outra funcionalidade e algumas melhorias gráficas, o jogo é exatamente igual àquele que nos chegou há 10 anos. Assim, esta análise, tirando certos comentários esporádicos sobre as diferenças entre as duas versões, serve também como uma análise à versão original do jogo.
Na altura em que foi revelado, The Legend of Zelda: Twilight Princess levou o público presente na E3 ao delírio, sendo, até hoje, um dos momentos mais altos desta concentração. No entanto, após o furor inicial, começaram a surgir algumas críticas ao jogo, nomeadamente ao seu tom mais maduro- exatamente o oposto do que anteriormente Wind Waker tinha oferecido e que tanta polémica tinha originado. Esta mudança repentina de um extremo para o outro em poucos anos deixou os seguidores da franquia um pouco perplexos, tendo originado vários tópicos de discussão sobre qual o melhor rumo para a série. De facto, as diferenças são tão abissais que Wind Waker é tido como um dos jogos Zelda mais coloridos e calmos ao passo que Twilight Princess é, a par de Majora’s Mask (embora por motivos distintos), considerado um dos jogos mais maturos e negros da série.
Nesta aventura, Link começa por ser um simples pastor na pequeníssima aldeia de Ordon, onde nutre de uma forte admiração por parte de todas as pessoas da aldeia, que lhe estão inteiramente gratas por todas as boas ações que pratica e pela sua simpatia e bravura. Após uma série de missões, que nos ajudam a perceber o esquema de combate e a maneira como podemos controlar o nosso equipamento de maneira mais eficiente, protagonizadas pelas algazarras criadas pelas crianças, eis que o ambiente pacífico desta aldeia campestre sofre alterações trágicas.
Enquanto cuidavam de Epona junto às cataratas situadas nos arredores de Ordon, sem que tivessem tempo de se defender, Link, Ilia, filha do líder da aldeia (e por quem Link sente uma forte paixão), e Collin, filho do espadachim da aldeia, foram assaltados por bestas desconhecidas, que deixam o herói inconsciente e raptam os seus dois amigos. Horas mais tarde, agora recuperado da pancada que levara na cabeça, Link tenta encontrar os seus amigos, dirigindo-se rapidamente na direção para onde pensa ter-se dirigido o grupo. A meio do caminho, no entanto, depara-se com uma enorme parede, como se uma névoa tivesse cobrido todo o reino de Hyrule, exceto Ordon e as suas redondezas, e o impedisse de penetrar nela.
Sem tempo para saber quaisquer pormenores, Link vê-se puxado para dentro desta realidade negra e, sem poder resistir, é arrastado por duas bestas. Quando volta aos seus sentidos repara que está preso e… que foi transformado em lobo. Através de uma figura misteriosa de nome Midna, que será a nossa companheira ao longo de todo o jogo (um pouco em semelhança a Navi, de Ocarina of Time, mas que, neste caso, apresenta um papel muito mais importante), ficamos a saber que o reino foi invadido por bestas desconhecidas, que obrigaram a princesa Zelda a permitir que o Twilight (esta tal realidade negra) envolvesse todo o reino.
Ansioso por voltar à sua forma humana, Link aceita a proposta de Midna: esta ajuda-o a voltar à sua forma humana (ao expulsar o Twilight da província em que ele entrou para esta realidade) e a restaurar a luz a todo o reino de Hyrule, em troca de Link lhe conseguir obter três artefactos que juntos formam um poder há muito selado pelos espíritos da luz. No total, o reino está dividido em três províncias, cada uma correspondente a um espírito da luz, e em todas elas temos de fazer o mesmo para as libertarmos: em modo Link Lobo coletamos as Tears of Light, pedaços de poder dos espíritos que outrora protegiam as respetivas províncias, que agora se encontram escondidas dentro de pequenos insetos negros e elétricos. Depois de as conseguirmos apanhar a todas (o que é relativamente rápido) a área fica liberta do Twilight e voltamos à nossa forma humana (transformamo-nos sempre em lobo quando entramos numa nova zona de Twilight), tendo agora que ir atrás do poder secreto que Midna ambiciona (e que nos levam às tão famosas dungeons da série).
O principal objetivo do jogo é, portanto, com a ajuda de Midna, recuperar o poder dos espíritos da luz que guardam as várias províncias de Hyrule e assim trazer de novo vida para este reino envolto em escuridão, ao mesmo tempo que a ajudamos a recuperar os poderes secretos selados por estes mesmos espíritos. No entanto, numa fase posterior do jogo várias reviravoltas se dão no enredo, passando a existir novos objetivos que, devido a estarem diretamente ligados a estas surpresas na narrativa, não posso descrever aqui. Gostaria, no entanto, de referir que a história, já por si bastante coesa e agradável até ao momento, ganha outra dimensão a partir do ponto referido e que dão origem, talvez, às melhores sequências finais de qualquer Zelda já lançado.
Ao longo de toda a aventura estabelece-se uma dicotomia bastante clara entre as missões e o ambiente dentro do Twilight e no mundo real. Enquanto no primeiro tudo é mais negro, desde os espíritos atormentados pelo medo que sentem das bestas que vagueiam nesta dimensão horripilante, até às próprias cores e iluminação aplicadas no ambiente, passando pela forma de Link e pelo género de missões (também elas de cariz mais obsceno) , no segundo, pelo contrário, encontramos um jogo que se aproxima em vários aspetos de Ocarina of Time e em que nos são apresentados cenários muito mais coloridos e, no geral, muito mais calmos, proporcionando vistas verdadeiramente magníficas. Na verdade, esta distinção faz-se sentir tão claramente que, não fosse o facto de existir uma forte conexão entre ambas as partes do jogo, e poderíamos, inclusive, cair no erro de pensarmos tratar-se de dois jogos The Legend of Zelda distintos.
Mesmo através da banda sonora de Twilight Princess conseguimos notar esta distinção entre os dois mundos, o que, juntamente com os detalhes anteriormente referidos, mostra o espantoso nível de atenção que os Nintendo EAD deram ao mais ínfimo pormenor, de maneira a conseguirem criar dois mundos tão diferentes e igualmente brilhantes. Neste jogo temos, tal como nos outros lançamentos da franquia, uma grande variedade de músicas de orquestra com melodias bem concebidas e que ficam no ouvido, não sendo por acaso que ainda este ano a orquestra Symphony of the Goddesses (que nos traz músicas dos vários jogos Zelda ao longo dos seus 30 anos) continue a dar concertos e que venha trazer o seu espetáculo a Portugal. Tirando certas peças que se repetem em todos os jogos, embora sempre com variações, como a Zelda’s Lullaby, Twilight Princess apresenta vários temas originais muito bem concebidos e que estão perfeitamente adequados ao que se passa no grande ecrã.
Em praticamente todos os jogos The Legend of Zelda, Link possui um instrumento musical, ou algo que de alguma maneira esteja relacionado com música (como a batuta em Wind Waker), com o qual provoca alterações no mundo em seu redor, como passar automaticamente da noite para o dia (e vice-versa) ou chamar Epona. Tal não acontece em Twilight Princess, em que existe um sistema diferente para cada um dos mundos. No real encontramos ervas ocasionais com as quais chamamos Epona ou outros animais que nos poderão auxiliar, por exemplo, na obtenção de itens de difícil (ou impossível) acesso. No mundo de Twilight, com Link Lobo, usamos o seu próprio uivar, com o único intuito de comunicar com um espírito em forma de lobo que (após libertarmos essa mesma área das forças das trevas), se o contactarmos em forma humana, nos ajudará a descobrir novos ataques que nos darão muito jeito ao longo da nossa aventura. Infelizmente, nenhum destes efeitos ou mesmo a sua execução (especialmente nas partes em que uivamos, devido ao facto de os grunhidos ficarem sempre aquém da música que tentam imitar) estão ao nível do que encontramos em outros jogos da série, o que acaba por tirar a Twilight Princess um pouco da magia característica da série quando tocamos um instrumento.
De facto, apenas neste quesito Twilight Princess fica aquém do que nos é apresentado em outros jogos da franquia e, juntamente com a dualidade mundo real\Twilight e a mudança de forma de Link, é um dos únicos pontos em que a Nintendo alterou o esquema-base da série. Assim, e embora esta mesma base seja excelente, a falta de novidades gritantes faz-se notar e ficamos sempre à espera que Twilight Princess negue um pouco mais a fórmula estabelecida em lançamentos anteriores.
Pela descrição feita da progressão no jogo, em que devemos fazer exatamente o mesmo para libertar cada província, poder-se-á ficar com a ideia de que Twilight Princess acaba por se tornar monótono e, quiçá, aborrecido, o que, de todo, não corresponde ao que o jogo é. Efetivamente, de maneira muito resumida, para todas as áreas libertadas temos de repetir esse padrão, no entanto acontecem tantos eventos inesperados e, por vezes, até épicos, pelo meio, que, mesmo tendo consciência desta repetição, é fácil deixarmo-nos levar pelo jogo e ficarmos agarrados ao comando durante horas a fio para saber o que vem a seguir e não perder mais momentos memoráveis.
É possível, também, que tenham ficado com a ideia de que existe uma certa linearidade e, de facto, existe, na medida em que temos de percorrer as dungeons numa certa ordem. No entanto, Twilight Princess tem tanto por explorar que é bastante provável que a dado ponto se percam com tanto que há para fazer e, mesmo assim, que fiquem com a impressão de que vos faltou explorar algum ponto ou falar com um certo personagem. Tal como Miyamoto referiu por várias vezes, Zelda tem como objetivo levar até aos jogadores o mesmo sentimento de exploração que este sentiu enquanto criança, a explorar as grutas desconhecidas na sua terra natal, e Twilight Princess consegue cumpri-lo categoricamente, sendo um belo exemplo de como criar um mundo rico em pormenores e que dá prazer explorar.
The Legend of Zelda: Twilight Princess HD, apresenta-se exatamente igual ao título que nos chegou há 10 anos para a Wii e para a GameCube, com as únicas diferenças sendo uma maior resolução, a utilização do giroscópio do Wii U GamePad e o suporte para figuras amiibo. Estas funcionalidades não são razões suficientes para se comprar novamente Twilight Princess, no entanto quem nunca o jogou e espera incessantemente pelo novo jogo para a Wii U, tem aqui uma ótima oportunidade de experimentar este que é dos melhores jogos The Legend of Zelda alguma vez feitos.
Opinião final:
No fundo, Twilight Princess é um The Legend of Zelda tradicional, não apresentando alterações fundamentais na base da série e aproximando-se da experiência que tiramos de Ocarina of Time, sendo extraordinariamente bem-sucedido no que se propõe, tanto a nível de história, banda sonora, mundo por explorar e em termos artísticos. Há, no entanto, um ou dois pormenores que o impedem de chegar à perfeição, nomeadamente a falta de um instrumento musical e a falta de novidades em relação ao que anteriormente é feito.
A versão HD, que é aqui analisada, mantém tudo o que o anterior apresentava, excetuando algumas funcionalidades novas como o apontar o arco e flecha ou a fisga utilizando o giroscópio do Wii U GamePad e o suporte para figuras amiibo, agora apenas com melhor aspeto, o que, nos cenários mais arrojados se consegue facilmente notar.
O que gostamos:
- Mundo com muito por explorar;
- Pormenores muito bem trabalhados;
- Criação de 2 «mundos» distintos e igualmente fascinantes;
- Personagens carismáticas;
- História cativante;
- Vários momentos épicos e inesperados.
O que não gostamos:
- Falta de instrumento musical;
- Poucas novidades nesta nova versão;
- Esforço insuficiente em trazer novidades para o esquema-base da série.
Nota: 9/10