É conhecido que muitos jogos de “terror” mais atuais têm se apoiado muito nos sustos inesperados e, principalmente, violência gratuita ou extrema. Não é preciso ir muito longe para desde logo nomear alguns. Outlast, The Evil Within, Resident Evil 7, são exemplos de bons jogos do género, que além do psicológico jogam um pouco com o terror visual. The Town of Light desvia-se claramente do impacto visual e tenta incutir algo mais psicológico justamente pelo uso de uma localização que existe na vida real e baseando-se com alguma vagueza em eventos passados nesse mesmo local. O foco é a psique humana e até onde a espiral da demência nos pode levar. Demência esta provocada por certas situações que podem acontecer a qualquer pessoa. Mas será que esta aposta algo diferente obtém os seus frutos?
Como mencionado, o jogo passa-se em grande parte no asilo psiquiátrico de Voltera, localizado em Itália. Um local abandonado, decrépito, real e sem vida. As paredes estão a cair e a tinta a “descascar”. O chão está sujo e rachado, os quartos cheios de mobília podre e equipamentos médicos deixados à mercê do tempo. Curiosamente, e com alguma desilusão, ao analisar mais de perto os objetos presentes nos cenários, reparei que estes demonstram uma notória perda de qualidade a nível de texturas. Não que seja algo demasiado influente na experiência, em algumas partes até ajuda, contudo não deixa de ser algo desapontante. Podemos, mesmo assim, deduzir que eventualmente este aspecto sombrio em tudo adiciona ao tema do jogo, daí possivelmente propositado.
Encarnamos o papel de Renée (personagem fictícia), uma mulher que aos 16 anos terá sido encarcerada neste asilo por volta da década de 1940. Numa perspectiva em primeira pessoa, Renée volta então, anos mais tarde, a este asilo para descobrir os segredos que ali permaneceram. Especialmente nos primeiros momentos do jogo são-nos dadas (mesmo que escassas) pistas sobre o que fazer ou para onde ir. O jogo pretende mesmo que exploremos o asilo à procura de novas informações ou revelações sobre o hospital e sobre a história da protagonista. Basicamente temos um botão para andar e outro para agarrar/usar objetos à nossa volta, e é tudo. Não há lutas, nem escapadelas frenéticas cheias de adrenalina. É tudo sobre o desenrolar da história e o revelar dos segredos que esta esconde.
Curiosamente é onde o jogo mais brilha que surge o seu ponto mais negativo. À medida que vamos deambulando pelo edifício vamos encontrando documentos, items que podemos examinar, fotos antigas, entre outros objetos examináveis, que, regra geral, “ativam” a porção seguinte da estória, permitindo o nosso progresso. Muita da ambientação obscura é conseguida através desses objetos ou outros, como fichas médicas ou de admissão de internamento de pessoas, quadros ou esquemas elucidativos de o quão arcaica, ou distorcida, a medicina era na altura. Este edifício esconde muitos fantasmas do passado e isso é evidente, porém estejam descansados se pensam que vamos ter encontros com estas entidades. Em termos de sustos, temos apenas um ou dois momentos no máximo, que vai de acordo ao que eu já tinha mencionado: que o jogo é mais de terror psicológico do que propriamente assustador.
O jogo fia-se muito na exploração, dando apenas esporadicamente alguma dica sobre o que temos de fazer se andamos algo perdidos. Mesmo assim, não foram poucas as vezes que dei por mim a vaguear pelos corredores vazios sem saber o que fazer para desencadear o progresso na estória, o que acabou por aborrecer um pouco tornando-o, em boa parte, algo monótono. Existem também alguns puzzles que, apesar de simples, são algo irritantes, e em que a maior parte não são motivo suficiente para importunar o jogador. Por vezes, também, o simples abrir de uma porta pode tornar-se algo de frustrante. Notei isso logo de início, trecho em que temos de levar uma cadeira de rodas para um elevador. Digamos que entrar com a cadeira já foi uma luta em si, então sair… foi uma batalha.
A estória é contada através da própria voz da personagem, ou então por cenas intermédias através de desenhos. E é nestas alturas que são abordados mais diretamente os temas perturbadores com os quais nos vamos deparando no asilo. Nestas cenas vemos, por meio de desenhos, temas como exploração sexual, práticas medicinais bastante questionáveis (nos dias de hoje), tais como terapia de choque, entre outros, que têm de facto um impacto algo deprimente, triste e pertubador. Na maior parte está tudo bem escrito, porém nota-se uma certa perda de qualidade na tradução para o inglês, o idioma em que o joguei. Além do mais, o trabalho de voz vai desde o bom ao medíocre, e em certas alturas nota-se especialmente uma necessidade de mais emoção, dependendo dos momentos em que nos encontramos.
Opinião final:
No seu todo, nota-se um trabalho feito de coração pela produtora. A conotação mais psicológica e perturbadora do que essencialmente de terror gratuito é bastante interessante, devido ao temas tocados no jogo, que poucos ousam fazer, no entanto, como jogo em si, acaba por ser uma experiência monótona de andar e andar por corredores na esperança de desencadear a secção seguinte. É uma pena pois este é um jogo que deixou-me querendo saber mais sobre estes horrores, sobre a realidade que foi, não só nesta, mas em muitas instituições deste género. Uma experiência que acaba por ser curta e insuficiente para fazer justiça aos temas abordados, acabando por marcar o jogo como um merecedor de apenas ser jogado uma só vez.Algo que me dá alguma pena pois esperava, no mínimo, um pouco mais de um jogo que promete nas suas fases iniciais.
Do que gostamos:
- Boa ambientação atmosférica;
- Estória e conteúdo;
- Baseado em certos factos reais em numa localização existente;
- Toca em temas raramente abordados por videojogos.
Do que não gostamos:
- Toda a ação constantemente com passividade algo lenta;
- Jogabilidade deixa a desejar com certas situações incompreensíveis;
- O trabalho de voz por vezes peca por alguma ausência de personalidade ou sentimentos;
- Acaba por ser uma experiência interessante mas curta e fornece poucos incentivos para repetir.
Nota: 6/10