Análise – Tokyo Mirage Sessions #FE

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Já faz quase três anos e meio que a Nintendo revelou, numa transmissão Nintendo Direct, que a ATLUS e a Intelligent Systems estavam a trabalhar em conjunto num crossover entre as aclamadas séries de JRPG Persona e Fire Emblem, mesmo estas sendo muito distintas. Enquanto que em Fire Emblem o jogador é transportado para um mundo de fantasia em épocas distantes, envolvendo combates de grandes proporções entre numerosas forças opostas, em Persona o mundo de fantasia situa-se no Presente, ou a ele associado, onde são narradas as peripécias de um grupo de adolescentes, focando-se a narrativa nos dramas típicos do secundário, associados ao facto de os protagonistas viverem uma realidade alternativa como heróis.

Em Tokyo Mirage Sessions #FE é apresentada uma junção destes dois estilos e, ao contrário do que poderia parecer mais óbvio ou, pelo menos, mais fácil de conjugar, não são as personagens do Presente que se vêm presos na realidade alternativa de Fire Emblem e a ter de participar nos seus combates, mas é o próprio universo da Intelligent Systems que se «desloca» para a atualidade, mais precisamente para Tóquio, onde decorre a ação. Aqui, quando me refiro a universo, não falo exclusivamente das caras conhecidas da série, como Chrom, mas também aos próprios cenários que a caracterizam, que assim se vêm transportados para o mundo real, como se de um anexo se tratassem.

A ação decorre em Shibuya, uma das zonas mais movimentadas de Tóquio.

A ação decorre em vários locais de Shibuya, uma das zonas mais movimentadas de Tóquio.

De maneira a explicar como tudo isto funciona, é melhor começar por esclarecer que Tokyo Mirage Sessions #FE é, essencialmente, um tributo à cultura pop japonesa e uma visão original do mundo dos grandes artistas deste estilo, com muito surrealismo e fantasia à mistura. Devido a este ser o tema principal do jogo, somos levados para o «coração» deste movimento cultural, em Shibuya, a parte mais movimentada e mais moderna da capital japonesa, onde encontramos um pequeno grupo de três amigos: Itsuki, Tsubasa e Touma.

Todos estes estudam no ensino secundário e é possível, através do Topic, um género de aplicação a que podemos aceder diretamente a partir do ecrã do Wii U GamePad, ver as curiosas mensagens que estes trocam, como por exemplo a conversa entre Tsubasa e Itsuki, em que a primeira se esqueceu de que tinha um teste de Matemática no dia seguinte. Esta aplicação serve, ainda, para ler mensagens urgentes e que estão relacionadas com a história e ainda consultar o mapa e objetivos atuais.

Para além de estudar no secundário, Touma faz parte ainda do mundo artístico e embora não seja considerado um ídolo, também realiza espetáculos, ou pelo menos existe essa referência. Como tal, tem uma grande Performa, definida com uma força que permite a expressão das almas, sendo os artistas, uma vez que passam uma mensagem para os seus fãs, os que a possuem em maior quantidade.

 A par da descrição do que é a Performa, é explicado que esta terá surgido com os rituais em que o artista tentava atrair a atenção divina através dos seus movimentos e expressões. Desta origem resulta que aqueles que se conseguem expressar com facilidade – que têm uma grande Performa – têm também uma maior afinidade com espíritos.

Voltando ao grupo de amigos, também Itsuki e Tsubasa têm uma grande Performa, mesmo sem qualquer experiência no mundo das artes. Estes dois personagens têm, por isso, também um grande poder espiritual. Mas qual a importância deste lado mais espiritual da arte e desta relação com o oculto?

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Em Tokyo Mirage Sessions #FE até os combates são resolvidos em frente a uma audiência.

A resposta a esta questão é o que conecta Shibuya ao mundo de Fire Emblem. No momento em que decorre a ação, vários incidentes têm levado ao desaparecimento de inúmeras pessoas, sem deixar qualquer rastro. Como ficamos a saber nos instantes iniciais, tal deve-se a uns espíritos malignos, que o comum ser humano não consegue observar e que se querem apoderar das suas Performas, levando-as para uma realidade alternativa – a Idolasphere a verdadeira face do mundo em que está patente a sua própria Performa, sim, o próprio mundo também é um artista e também se expressa. É dentro desta realidade alternativa que encontramos mais elementos da série da Intelligent Systems, como os cenários ou os personagens. No entanto, mesmo nestes segmentos de jogo encontramos muitos elementos de Persona, como a própria estrutura dos combates.

Ao contrário do que se passa com os protagonistas, os personagens de Fire Emblem não têm existência física, tratando-se precisamente dos já referidos espíritos, espíritos estes a que se dá o nome de Mirages e que podem ajudar e fundir-se com seres humanos ou, pelo contrário, opor-se a eles. Aos que possuem uma grande Performa (como é o caso dos protagonistas) e por isso conseguem fundir-se com uma Mirage, num processo em que o espírito se transforma numa arma pronta a usar, dá-se o nome de Mirage Masters. Assim, o objetivo deste grupo de amigos, em conjunto com outros personagens que vão sendo progressivamente apresentados é travar os planos misteriosos, mas evidentemente malignos, de outros espíritos.

As Idolaspheres correspondem às tradicionais dungeons da série da ATLUS e é nestas que iremos enfrentar os nossos inimigos, correspondendo o mundo real à parte mais focada na narrativa e tomada de decisões. Assim, mesmo na realidade paralela encontramos uma enorme influência da série Persona, que é esmagadora no mundo real, pelo que considero que a distribuição de atenção dada a ambas as séries foi bastante desigual, o que, mesmo não diminuindo a qualidade do jogo, considero ser um ponto negativo.

Sendo um RPG, Tokyo Mirage Sessions #FE é um jogo em que é absolutamente necessário pensar cuidadosamente em como prosseguir na aventura, existindo uma grande variedade de variáveis a ter em consideração, como a fraqueza e resistência tanto dos Mirage Masters como dos inimigos (e que são baseadas nas classes de Fire Emblem) ou quais as combinações de ataques que funcionam melhor, existindo vários mecanismos de extrema importância e sem os quais se torna impossível triunfar.

Esquemas como os Session Combos são fulcrais para se avançar no jogo.

Esquemas como os Session Combos são fulcrais para se avançar no jogo.

Tal como em muitos RPGs por turno, neste jogo temos várias opções dentro do menu de batalha, desde escolher Items para nos curarem ou defenderem até um ataque simples, passando pelas habilidades e pela tentativa de escapar da batalha. Para além destas opções, à medida que se vai evoluindo determinada Mirage é possível aprender novas habilidades, que estão divididas em três grupos: Command, Session e Passive.

As habilidades do tipo Command são as que podemos escolher arbitrariamente e que correspondem a ataques especiais, que consomem EP, que podemos associar à vulgarmente chamada «mana». Dentro destas, existem ainda habilidades especiais que gastam SP (Special Points, pontos partilhados por toda a equipa) e que são muito mais fortes mas que demoram também muito tempo até estarem de novo disponíveis.  Por outro lado, as habilidades Session são ativadas caso um dos outros personagens que tenhamos na nossa equipa realize um ataque Command ao qual esta habilidade esteja associada, por exemplo, um ataque de trovão de Itsuki pode levar a uma investida rápida de Tsubasa que, por sua vez, poderá levar a um outro ataque de Touma. Finalmente, as habilidades Passive tratam-se de habilidades que estão sempre ativas desde que o personagem que a possua esteja em combate.

À medida que vamos avançando no jogo, as habilidades desbloqueadas vão-se acumulando e surge um dilema idêntico ao de jogos como Pokémon, em que se tem de escolher que habilidades escolher em detrimento de outras, sendo este processo bastante importante uma vez que será necessário no late-game ter estratégias muito bem definidas, pelo que não será sempre ótimo ter todos os personagens focados na parte ofensiva.

De facto, Tokyo Mirage Sessions #FE é um jogo bastante profundo em relação a estas e outras mecânicas, tendo sido aqui apenas dado um pequeno vislumbre do que o jogo tem a oferecer neste quesito, ficando por explicar, entre outras, mecânicas como a Unity, a maneira de começar os combates em primeiro lugar ou como identificar os inimigos antes de iniciar o combate. No entanto, explicar como cada um destes pormenores, entre outros, volto a dizê-lo, funciona iria não só resultar num texto muito denso, mas também em algo muito específico e que tiraria a piada aos que estão interessados neste crossover, mas posso garantir que Tokyo Mirage Sessions #FE tem tudo o que um JRPG de gema tem para oferecer, ao mais alto nível.

As animações de Tokyo Mirage Sessions #FE são do melhor que podemos encontrar.

As animações de Tokyo Mirage Sessions #FE, são, como em outros jogos da ATLUS, do melhor que há.

Em contraste com a atenção e a profundidade dadas ao combate e às mecânicas de Tokyo Mirage Sessions #FE encontra-se a atenção dada ao aspeto geral do jogo. Embora muitas vezes tenha um aspeto interessante, especialmente durante os cinemáticos lindíssimos idênticos ao estilo tradicional dos animes, neste jogo também encontramos várias vezes cenários e objetos com texturas muito pobres, especialmente quando a uma grande distância. Assim, é notório um grande contraste entre certas partes do jogo em que foi dada muito mais atenção a este ponto do que noutras, criando uma experiência geral não-uniforme e que por vezes se apresenta como bastante medíocre, uns bons pontos abaixo do que estamos habituados a ver na Wii U, já desde o seu lançamento.

Outro ponto em que tive um particular problema com o jogo e com o qual fiquei bastante descontente foram alguns erros cometidos na localização do jogo, em dois níveis principais. O primeiro, e que considero ser o mais importante, é a falta de qualquer tipo de legendas durante os combates, isto é, as falas dos personagens, como por exemplo de celebração, ou até mesmo algumas específicas de um certo combate ficam sem qualquer tipo de tradução. O segundo tem a ver com a censura aplicada ao jogo, que não só me pareceu exagerada, como também penso que retira um pouco do espírito patente à cultura pop japonesa. Sim, a Tsubasa ou a Kiria (uma Mirage Master) por vezes aparecem em palco com um pouco de roupa a menos na versão japonesa, mas não é nada de especial comparando com o que os fãs estão habituados a ver em animes, mesmo os mais conhecidos e transmitidos mundialmente, como One Piece ou Naruto em personagens como Nami ou Tsunade.

A censura chega a tornar-se ridícula em certos momentos do jogo.

A censura chega a tornar-se ridícula em certos momentos do jogo.

Mas descontando estes erros em termos de visuais e o trabalho feito na localização de Tokyo Mirage Sessions #FE, este título chega-nos como uma grande escolha para os fãs do género, apresentando um combate muito profundo e bem executado, cinemáticos incríveis e uma banda sonora muito agradável para os que gostam de ouvir os openings dos animes ou J-Pop no geral. A música mais facilmente reconhecível do jogo talvez seja «Reincarnation», que aparece em vários trailers do mesmo, e por isso mesmo gostaria de acabar a análise deixando-vos com uma outra música que achei igualmente bem executada e que mostra como tão bem Tokyo Mirage Sessions #FE consegue captar o espírito da cultura pop japonesa:

Opinião final:

Embora a espera tenha sido longa, valeu a pena. Tokyo Mirage Sessions #FE é talvez o maior lançamento da Wii U para este ano e certamente um dos, se não o melhor, RPG lançado para a consola, trazendo o melhor que a série Persona tem para oferecer em termos de dungeons combate e profundidade e diversidade de mecânicas. Perde-se, no entanto, um pouco deste momento quando se passa a falar sobre a localização do jogo ou sobre o nível dos visuais, bem como a atenção dada à série da Intelligent Systems.

Do que gostamos:

  • Representação criativa e fiel da cultura pop japonesa;
  • Personagens carismáticos e as suas relações;
  • Profundidade e qualidade do combate;
  • Dungeons muito bem concebidas;
  • Cinemáticos em forma de anime.

Do que não gostamos:

  • Censura e falta de legendas durante o combate;
  • Efeitos visuais abaixo do padrão atual;
  • Atenção desigual dada a cada uma das séries.

Nota: 7.5/10