Assassin’s Creed é um franchise divisivo, tanto no meio dos seus fãs, como daqueles (como eu) que volta e meia voltam à série para ver o que tem de novo para oferecer. Já se passaram largos anos desde o lançamento do primeiro título e muito já se passou nas várias iterações. Desde a saga de Ezio que é, sem dúvida alguma, icónica; a Black Flag que trouxe as batalhas de navios e a vontade de ter um grande jogo de piratas (Skull and Bones já perdeu o comboio) e a trilogia de jogos mais focada em open worlds gigantes e mecânicas mais de RPG, que acabaram por não ser do agrado dos mais puristas.
Assassin’s Creed Mirage apresentou-se com a promessa de um retorno às origens, às mecânicas de furtividade que ficaram pelo caminho, mas voltou tão atrás nas origens, que se esqueceu de que para a frente também é o caminho. É certo que a nostalgia vende, mas por vezes não é suficiente para carregar um jogo que deveria ser um AAA, mas que não passa de uma miragem.
Quem jogou Valhalla lembra-se de Basim, uma personagem que pareceu ser ali enfiada apenas para forçar a ligação à ordem dos assassinos. Uma personagem já de si desinteressante e que é, no mínimo, uma escolha estranha para liderar um jogo passado numa época muito mais interessante que o enredo que a acompanha. O jogador acompanhará Basim em Baghdad, na sua ascensão de mero ladrão de meia tigela a assassino, 10 anos antes dos eventos de Valhalla. Parece uma premissa interessante, é certo, mas o interesse cai por terra quando a história é apresentada com a mestria de uma fanfiction mal enjorcada. Não parece existir respeito pela história, com personagens e até conteúdo secundário pouco cativante (com a excepção sendo as Tales of Baghdad, side quests com um pouco mais de história e interação para além das típicas fetch quests dos variados contratos que podemos completar), aliando a isto modelos pouco expressivos e reminiscentes da robô Sophia da Meo e atuações dos atores que vão de desinteressadas a roçar o amador. Momentos que deveriam ser sérios e mais pesados são desacreditados por estas “atuações” e nem Shohreh Aghdashloo (no papel de Roshan) consegue salvar a narrativa tosca.
O que é uma pena porque, como é usual, um dos pontos fortes do jogo é efetivamente a recriação das cidades e ambientes históricos onde decidem desenrolar o jogo. A atenção ao detalhe na arquitectura, nos bairros, nos becos é deslumbrante. Facilmente me perco em Baghdad, absorvendo cada característica que faz a cidade parecer vivida e fico com pena de não ter sido melhor aproveitada, com histórias mais interessantes, mesmo dos seus habitantes. O mapa é bem mais pequeno que em títulos anteriores, muito mais focado mas ainda assim com bastantes pontos para descobrir, como tesouros e outro loot. Os vários distritos têm identidades muito próprias, distintas. Desde azulejos quebrados à água suja de tinta devido ao tingir de tecidos, há aqui um carinho que não é refletido no resto do jogo, até quando falamos de NPCs fora das já mencionadas Tales of Baghdad. As interações com estes são estéreis e isso é refletido até em algo tão simples como falar com um merchant. Não precisamos de toda uma back story, é certo, mas quebra um pouco a imersão quando vamos comprar algo e parece que estamos no meio da cena da florista no The Room.
A jogabilidade é um pau de dois bicos, colocando de lado os elementos mais RPG dos títulos anteriores mas basicamente indo beber um pouco dos clássicos e dos mais recentes. O combate, por exemplo, é reminiscente dos jogos mais recentes, mas pior. Se em Valhalla existia peso e o combate, ainda que simplista, era satisfatório, aqui é só tosco. Temos um ataque leve, um pesado, podemos fazer parry quando a personagem brilha e quando fica vermelha, desviem-se. É uma dança com pouca substância e a escolha de armas disponíveis não altera a experiência de combate significativamente.
O mesmo não posso dizer da abordagem furtiva, que admito que consegue ser bem divertida. Limpar uma área crítica de inimigos sem sermos detectados continua a ser das coisas mais divertidas num Assassin’s Creed, ainda que tivesse potencial para ser muito mais do que aquilo que é. São muitos anos a escondermos-nos em bancos, montes de feno, multidões… havia tanta coisa que podia ser feita, mas a Ubisoft parece mais do que contente em seguir o mesmo blueprint sem mexer em nada – ainda que exista uma ou outra novidade.
Podem utilizar a vossa águia como forma de reconhecimento das áreas (uma herança de jogos anteriores), fazendo tag aos inimigos e assim facilitar a vossa vida no que toca a despachar inimigos. Mas se forem detetados, torna-se num jogo de gato e rato um bocadinho insatisfatório. Se em jogos anteriores, os guardas eram implacáveis na perseguição da nossa personagem, aqui ficam um bocado batatas e basta fugirem para os telhados para os despacharem e voltarem a tentar o mesmo. A utilização de elementos do cenário como forma de matarem inimigos furtivamente continua a ser um elemento chave, bem como habilidades que vão desbloqueando através de pontos que obtém após completarem momentos chave do jogo. Não se enganem, aqui há skill trees mas não existem pontos de experiência nem níveis, simplificando a personalização da personagem, face às skill trees absurdas que tínhamos títulos anteriores (sim Valhalla, estou a olhar para ti). Os inimigos têm rotas bem definidas mas são burros que dói, às vezes não vendo a personagem bem quando estamos à frente deles, só porque nos enfiámos no feno antes de a barrinha de alerta encher. Nunca senti muita tensão em necessitar de esconder os corpos e passei mais tempo do que o que gostaria de admitir a assobiar e atrair inimigos um a um, para o meio dos arbustos.
Existiu uma tentativa de aprofundar a abordagem às missões, ao levar o jogador a procurar maneiras diferentes de infiltrar áreas inimigas ao invés de simplesmente entrarem e esconderem-se. Podem contar com a ajuda de NPCs para, por exemplo, criar uma distração para poderem passar pelos pingos da chuva – mas numa das ocasiões em que fiz isso, os NPCs tiveram um bug e ficaram à espera de um sinal de deus sem se mexerem, obrigando-me a carregar um jogo salvo anterior. Ainda assim, apesar de esta variedade ser bem vinda, não me parece suficiente quando tudo o resto é igual, gasto e francamente, com cheiro a mofo. É ainda de notar que estas interações com NPCs requerem itens especiais, que podem ser adquiridos de várias maneiras (como por exemplo, roubarem-nos do bolso de um qualquer transeunte).
O movimento da personagem também sofre do mesmo mal, principalmente na escalagem de edfícios e subsequente parkour. Valhalla pecava pelo rídiculo que era ter Eivor a subir a quase qualquer superfície que nem um macaco, mas em Mirage temos de ser mais calculados e perceber se cada parede tem algo onde nos agarrarmos. No entanto, o jogo parece que quer obrigar sempre a um caminho específico, com certos pontos arquitéctonicos que por vezes aparentam serem viáveis a simplesmente levarem a que Basim se esbardalhe no chão. A isto aliam-se controlos que em determinadas situações eram pouco responsivos, resultando em corridas desajeitadas com Basim a ir pelo caminho contrário ao desejado, completamente o oposto daquilo que se quer de um Assassin’s Creed.
É um título pouco polido, encontrei vários bugs, desde inimigos a ficarem presos em plataformas, burros (sim, o animal) que ficavam constantemente presos em NPCs, até à situação acima mencionada que – após uma breve pesquisa – parece ser uma situação comum a muitos dos jogadores. Isto aliado a cutscenes mal conseguidas e pouco cinemáticas, modelos de personagens pouco expressivos e uma narrativa que faz pouco por cativar o jogador, Assassin’s Creed Mirage é sem dúvida alguma um jogo que não teve o carinho que merecia. Não me interpretem mal, consegue ser um título divertido mas também por vezes igualmente frustrante. É extremamente dissonante o cuidado que foi tido com os cenários e ambiente versus aquilo que efetivamente faz o jogo, deixando sempre pairando no ar a pergunta “e se”.
Tem muita coisa boa e o regresso às origens e à furtividade como foco principal do jogo é mais do que bem vindo. No entanto, é difícil importarmos-nos com o jogo e com a história de Basim quando a própria Ubisoft parece ela mesma desinteressada. Esperemos que este seja o ponto de partida para coisa melhores ao invés de um título lançado só para picar o ponto.
Opinião Final:
Assassin’s Creed Mirage é um retorno às origens do franchise mas que acaba por tropeçar em demasiados aspetos para se tornar um clássico da série. Casando mecânicas dos jogos originais e da mais recente trilogia, é um título deslumbrante no ambiente que recria mas que precisava de mais tempo e cuidado a desenvolver as suas mecânicas e história. Basim era o protagonista que ninguém esperava mas que mais valia ter ficado como personagem secundária.
Do que gostamos:
- Atenção ao detalhe na recriação de Baghdad;
- Regresso à jogabilidade mais focada na furtividade;
- Reutilização de elementos introduzidos nos jogos mais RPG.
Do que não gostamos:
- Narrativa insípida, com atores que soam a que preferiam estar noutro sítio qualquer;
- Modelos de personagens rígidos e sem expressão;
- Elementos de jogabilidade sem grande evolução face a títulos anteriores, resultando numa experiência familiar mas a roçar o estagnado.
Nota: 7,5/10
Análise efetuada com um código Xbox cedido gentilmente pela distribuidora.