Blair Witch – Análise

The Blair Witch Project é um clássico do cinema de terror, um fenómeno que popularizou massivamente os filmes de found footage. Apesar de não ser o primeiro filme do género (Cannibal Holocaust tem essa dúbia honra), o seu sucesso motivou outros cineastas a criarem o seu próprio projecto de found footage, tentando replicar a experiência e sucesso de The Blair Witch Project, uns mais bem-sucedidos do que outros. Parte do seu sucesso deveu-se à tentativa de criar uma crença de que aquilo a que estávamos a assistir era real, através de uma estratégia de marketing que levou toda a gente a acreditar que os actores (que utilizaram os seus nomes verdadeiros no filme) estavam efectivamente desaparecidos e/ou mortos. É algo que nunca poderia ser replicado nos dias de hoje e mesmo com este conhecimento de antemão, The Blair Witch Project continua a ser uma experiência arrepiante, de tal forma que inspirou três videojogos e duas sequelas malfadadas.

A experiência e realismo do filme original, bem como a mitologia criada pelos cineastas, parecem ser o material ideal para criar um jogo de terror bem-sucedido. The Blair Witch Project colocava os espectadores no papel das personagens que filmavam sentindo as suas experiências aterrorizantes, e isso pode ser perfeitamente replicado, até com maior eficácia, atribuindo o papel activo de personagem principal ao jogador. As experiências deixam de ser das personagens que vemos no ecrã, para passarem a ser as nossas, bem como o horror associado. Existe sempre um nível de cepticismo quando temos o anúncio de um jogo deste género, principalmente associado a uma franchise cujos frutos não têm sido muito bem-sucedidos. Ainda assim, tinha muita curiosidade em ver o que a Bloober Team tinha aqui conseguido fazer, principalmente porque tinha gostado de Layers of Fear. O lançamento na Nintendo Switch tornou-se na oportunidade perfeita, mesmo com a recepção pouco calorosa que o jogo teve…, mas às vezes há problemas que um mero port não consegue resolver.

O Bullet merece todos os biscoitos em Burkittsville.

O jogo Blair Witch passa-se no ano de 1996, dois anos após os eventos do primeiro filme. O jogador assume o papel de Ellis Lynch que, acompanhado do seu cão Bullet, está a caminho da floresta de Black Hills para ajudar na busca de Peter – uma criança de nove anos que desapareceu na área. Ellis é uma personagem misteriosa e de início pouco nos é apresentado sobre ele. As chamadas com a sua ex-mulher Jess vão oferecendo alguns vislumbres da sua personalidade: um ex-polícia e ex-militar com um passado conturbado, que se refugia no seu melhor amigo Bullet para manter alguma sanidade. À sua chegada a Black Hills, Ellis não encontra a equipa de salvamento mas obtém um walkie-talkie através do qual consegue manter uma comunicação com o Xerife Lanning. Após vários desencontros e a descoberta de algumas pistas, Ellis encontra uma estranha câmara de vídeo e as coisas apenas se tornam mais esquisitas a partir daí.

A premissa é bastante simples e logo de início aparenta querer pegar na mitologia e apresentar a experiência de uma nova personagem, ao invés de simplesmente ir pelo caminho mais fácil e tentar fazer uma sequela directa (sim, filme de 2016, estou a olhar para ti). Sem vos dar spoilers, o mistério é revelado de forma gradual, tanto no que toca ao enredo principal, como no de quem Ellis é. O seu passado é-nos revelado a pouco e pouco, em momentos e set pieces que conseguem ser algo eficazes na sua apresentação, muito embora a resolução final seja demasiado previsível e consigamos adivinhar o que vai acontecer a pouco tempo do início do jogo. Vamos obtendo pequenas peças do puzzle à medida que vamos avançando e explorando, quer através das comunicações com Jess e o Xerife, quer em documentos e até objectos pessoais que encontramos perdidos na floresta que, claramente, não deveriam lá estar.

E é aqui que, para mim, Blair Witch acaba por falhar redondamente. Os fãs sabem bem o quanto a lenda foi desenvolvida e explorada, existindo uma linha temporal de eventos que acaba por levar ao sucedido no primeiro filme. A Bruxa de Blair é uma figura mítica e elusiva, sem relatos fidedignos da sua aparência. Existem vários elementos e locais fulcrais da lenda, como Coffin Rock e a casa do assassino Rustin Parr, uma figura proeminente da história e que foi o palco da horripilante sequência final do filme original. Toda esta lenda fictícia foi perpetuada e expandida não só através das sequelas, mas também dos jogos e alguns livros, adicionando vários detalhes que podem ser explorados e esmiuçados em vários meios de entretenimento. O problema é que o jogo Blair Witch acaba por não fazer grande coisa com todo este material original. Existem menções, objectos e momentos que remetem para a mitologia em que se inspira, mas acabam por parecer mais easter eggs do que propriamente uma utilização das personagens e lendas criadas originalmente. Toda a história trágica de Ellis, para além de cliché e previsível, parece algo mais apropriado para uma qualquer sequela manhosa de Silent Hill do que para uma peça do puzzle de Blair Witch. Todo o jogo dá seriamente a impressão de ter tido a sua origem completamente desconectada da franchise, com uma associação posterior de modo a ter um título mais sonante e reconhecível.

Esta bruxa tem péssimo gosto em decoração.

Apesar de um enredo mais fraco, a experiência de um jogo de terror pode ser muito influenciada pela sua jogabilidade, e Blair Witch consegue introduzir alguns elementos interessantes. Na sua essência, estamos a falar de um walking simulator bem básico, em que temos de procurar elementos no cenário que nos permitam progredir no jogo. Isto pode ser um local, um objecto para Bullet cheirar e seguir o seu rasto ou até uma cassete de vídeo. Os puzzles são poucos e francamente fracos, pelo que agradeço a sua escassez sendo como são, mas seria bom ter visto mais algum cuidado nesta componente. As suas mecânicas principais e que efectivamente adicionam algum interesse e fazem o jogo avançar são a câmara de vídeo e Bullet.

Começando pela câmara, como já referi, Ellis encontra uma estranha camcorder, com a qual pode ver o conteúdo de cassetes que irá encontrar em vários pontos do jogo. Tendo em conta que estamos a ver um vídeo, podemos não só voltar a ver as cassetes anteriores, mas também andar para a frente ou para trás para diversos momentos de cada vídeo. Os acontecimentos nestes vídeos têm lugar em determinados locais na floresta e o elemento diferenciador é o facto de a utilização da câmara permitir manipular o ambiente, simplesmente andando para trás ou para a frente nos vídeos. Por exemplo, se estiverem em frente a uma porta trancada mas que no vídeo é aberta, basta moverem o vídeo para o momento em que a porta é aberta e voilá, o vosso caminho é desimpedido. Esta mecânica acaba por ir de encontro à temática de loops temporais que fazem parte do filme de 2016. É um elemento bastante intrigante do jogo, não só pelo facto de permitir um tipo diferente de interacção com o mundo, mas também pela forma como vai revelando elementos do enredo e do mistério, mostrando acontecimentos que ocorreram nos locais onde o jogador se encontra naquele preciso momento.

Bullet é sem dúvida um dos pontos de destaque do jogo e é sem dúvida um dos cães mais realistas que já vi em videojogos. Bullet comporta-se como um cão, quer seja a explorar o cenário, a rebolar-se na terra ou a deitar-se se estivermos muito tempo parados. Podemos interagir com ele, chamando-o para o pé de nós, dando biscoitos e festas, indicando para se manter junto de nós ou para procurar no cenário a ver se encontra algo. Também podem ralhar com ele, mas sinceramente, porque raio haveriam de fazer isso? Bullet é um cão realista, rosnando face ao perigo ou até encolhendo-se e ganindo quando encontram os pequenos totems feitos de galhos, tão característicos da Bruxa de Blair. Bullet não é um simples NPC e a sua AI está bem conseguida, apesar de alguns bugs ocasionais que poderão encontrar. Geralmente a interacção com Bullet corria sempre bem, mas numa instância tive de reiniciar uma porção do jogo porque o cão decidiu ficar preso numa parte do cenário. Felizmente, Bullet nunca se apresentou como um obstáculo à exploração, tornando-se numa parte orgânica do jogo.

A floresta é das melhores personagens do jogo.

Bullet é não só usado como um elemento para quebrar a tensão – permitindo uma pausa enquanto lhe fazemos festas e interagimos com ele – mas também é um elemento fulcral do sistema de “combate”… se é que lhe posso chamar isso. Um dos elementos que ajuda a criar tensão e medo num jogo é a introdução de uma ameaça. A Bloober Team achou que tal era também necessário em Blair Witch e assim são-nos introduzidos inimigos com uma aparência animalesca mas fantasmagórica, que se movem rapidamente por entre as árvores, atacando-nos sem dó nem piedade. O “combate” resume-se a acompanhar a direcção para onde Bullet se vira e ladra, usando a nossa lanterna para iluminar o monstro e assim derrotando-o, após repetirmos a mesma sequência algumas vezes. O único momento em que esta mecânica cumpre o seu objetivo é logo no primeiro encontro, quando o jogador não sabe bem o que fazer e se vê a braços com uma ameaça desconhecida. Mas esta tensão desvanece-se completamente e francamente é uma mecânica tão superficial e tão afastada da temática do jogo que se a mesma fosse removida, o jogo não ficaria mais pobre por isso.

A floresta é sem dúvida o elemento principal que contribui para a atmosfera aterrorizante. É escura, confusa e opressiva. Mas a imersão é rapidamente quebrada quando nos apercebemos que os caminhos são lineares, existindo uma abundância absurda de paredes invisíveis tão óbvias, que acabam por ser prejudiciais à experiência. Isto é piorado quando não nos conseguimos abstrair do facto de que os gráficos são absolutamente horríveis na Nintendo Switch. Texturas fracas, elementos do cenário a aparecerem do nada a uma distância curtíssima da personagem, coisas que nem a escuridão da noite consegue disfarçar e que são completamente imperdoáveis num port de um jogo que saiu em 2019. Ao início, Blair Witch ainda me enganou: assim que anoiteceu, perdi-me na floresta e senti-me de imediato entusiasmada, ao experienciar a mesma confusão e a sensação de desespero das personagens do primeiro filme, andando perdida em círculos e passando pelos mesmos locais várias vezes. Mas quando continuamos a jogar e começamos a tentar explorar mais a fundo, conseguimos ver todas as costuras mal feitas do jogo e a frustração instala-se. A imersão e sensação de terror não é ajudada quando a voz da personagem principal falha em transmitir ao jogador o horror sentido em diversos momentos. Em alturas que a nossa personagem deveria estar aterrorizada, principalmente considerando o seu historial e questões psicológicas, Ellis acaba por soar descontraído, o que é apenas mais um prego no caixão.

Mesmo com diversas falhas, existem jogos que se conseguem elevar através de uma experiência que ultrapassa erros ou problemas técnicos. Não quero de todo desculpar as questões técnicas óbvias de Blair Witch, mas sendo fraco nestes aspectos, acaba por ser ainda mais indesculpável o facto de toda a experiência acabar por ser tão derivativa e cheia de lugares comuns, sem fazer uso pleno do material original em que se inspira. Uma das ameaças que encontramos são montes de folhas ameaçadores (não, não estou a gozar) e é-me impossível perceber qual a lógica do estúdio em ter feito esta opção, face ao terror psicológico que poderia ter sido utilizado para criar uma experiência bem-sucedida. Apresenta sequências que testam a resiliência do jogador e até a parte final, que serve como demonstração daquilo que o jogo efectivamente poderia ter sido, acaba por em certo ponto cansar e deixar o jogador a querer que aquilo acabe, como se fosse um filme com trinta minutos a mais que poderiam ter sido cortados.

O pior crime de Blair Witch não é ser um walking simulator de terror, mas muito leve nos sustos, com jump scares fracos e atmosfera constantemente deitada para o lixo. O seu crime não é estar repleto de problemas técnicos que poderiam e deveriam ter sido resolvidos antes de se ter considerado qualquer tipo de port e que revelam falta de brio. O seu pior crime é valer-se do nome de uma franchise de terror conhecida (ainda que com sequelas de qualidade dúbia) e não ter feito absolutamente nada com isso, assemelhando-se mais a um cash grab do que a uma experiência plena de terror. É apresentar uma história que já foi feita milhentas vezes, sem qualquer laivo de originalidade e com uma execução medíocre, cheia de clichés e ferramentas de argumento, resultando num enredo que parece ter sido montado através de um tutorial de histórias de terror para totós. Apesar de ter elementos interessantes, Blair Witch dá a sensação de ter sido pouco desenvolvido e acaba por, infelizmente, ser muito inferior à soma das suas partes.

Opinião Final:

Blair Witch poderia ter sido a próxima grande experiência de terror, aliando a perspectiva na primeira pessoa ao mundo de um filme cujo terror era eficaz por ser tão próximo do espectador. Infelizmente, o resultado final é um produto que parece ter sido criado antes de qualquer associação ao nome de Blair Witch, repleto de problemas técnicos e com um enredo que é facilmente esquecido, como o de tantos outros no género de terror, sem nada que o destaque realmente.

Do que gostamos:

  • A interacção com Bullet é das melhores coisas no jogo;
  • Parte final com uma pequena amostra do horror que poderia ter sido atingido no jogo;
  • Utilização da câmara de vídeo.

Do que não gostamos:

  • Gráficos hediondos, com elementos do cenário a renderizar a cada passo;
  • Enredo pouco original e pouco ligado à mitologia;
  • O material em que se inspira é mal aproveitado.

Nota: 6/10