Cyberpunk 2077 – Análise

O ano de 2020 foi um ano marcante para grande parte das indústrias, todavia, seguro será dizer que esta realidade não se verificou, pelo menos em termos absolutos, para a dos videojogos. Um ano em que tivemos lançamentos como The Last of Us Part II, Animal Crossing: New Horizons, DOOM Eternal, Final Fantasy VII Remake e até o fantástico Ori and the Will of the Wisps não se poderá dizer que foi um mau ano. Todavia, foi um ano cheio de problemas no desenvolvimento de alguns jogos, devido à pandemia que ainda estamos a atravessar. 

Um desses jogos foi o incrivelmente antecipado Cyberpunk 2077 do estúdio polaco CD PROJEKT RED, o estúdio responsável pela encarnação videojogável da obra de Sapkowski – The Witcher. Embora sem níveis de hype que o possam por a par de Death Stranding, a mais recente obra de Hideo Kojima, Cyberpunk 2077 foi, em bom rigor, um dos jogos mais esperados dos últimos 8 anos, com um orçamento que chegou a 1.2 mil milhões de dólares e vindo de uma das equipas mais celebradas da última década e meia. Assim, seria justo esperar que o que quer que saísse da última obra da CD PROJEKT RED fosse nada mais nada menos que uma obra prima. Ainda assim, que saísse daqui um RPG de mundo aberto baseado num jogo de tabuleiro de um género dos anos 80 cujo estilo foi por esse jogo  de tabuleiro influenciado e que, por sua vez, influenciou uma enorme quantidade de outras obras artísticas – desde o cinema à animação – seria algo de demasiado bom para acreditar?

Decidimos lançar esta análise tardiamente de forma propositada, isto devido à terrível receção que o jogo teve quando foi entregue à crítica. Certamente que o leitor já terá travado conhecimento através da ampla cobertura dos inúmeros bugs e problemas técnicos que o mesmo jogo tem, do terrível framerate nas consolas base da geração anterior, da sua remoção da PS Store nas plataformas PlayStation e, finalmente, do facto de que as versões next-gen, com a exceção do PC, apenas chegarão em meados de 2021. Neste sentido, devemos desde já indicar que a versão que recebemos para análise foi a versão da Xbox One, que analisamos em duas plataformas: Xbox One X e Xbox Series X. O jogo encontra-se atualmente na versão 1.0.6.0, que é a versão (embora com diferenças entre as plataformas) à qual nos iremos referir no decurso desta análise.

Antes de iniciarmos a análise, precisamos de clarificar mais um ponto: o facto de que não há uma verdadeira unanimidade na equipa editorial no que toca a este jogo, isto é, embora o autor não tenha encontrado uma sobreabundância de bugs, quer na Xbox One X, quer na mais recente Xbox Series X, houve quem, por exemplo, qualificasse o jogo como “unplayable” na Xbox Series X, embora esta mesma afirmação tenha sido no contexto de uma versão anterior do jogo.

Vamos então à análise. No mundo de Cyberpunk, a humanidade conseguiu com sucesso fundir matéria orgânica e sintética, permitindo a implantação de componentes cibernéticos no corpo humano. Por outro lado, os governos tradicionais perderam imenso poder para as corporações – grupos empresariais que na primeira metade do século XXI começaram a dominar o mundo. Em 2023 (mais ou menos por volta da cronologia do jogo de tabuleiro Cyberpunk V.3.0.) Johnny Silverhand (Keanu Reeves), o conhecido vocalista de uma banda punkrock e voz do movimento anti-corporações, detona uma bomba nuclear na sede de uma das corporações mais poderosas, mudando o decurso da história. No presente (2077), após o decorrer de uma missão de alta importância, V (a nossa personagem) vê-se envolvido/a num enredo que poderá bem destruir o status quo das corporações, além de também ter de lutar para salvar a sua própria psique. Implantado/a com um chip contendo a consciência de Johnny Silverhand, V terá de lutar para salvar a sua própria mente enquanto cumpre missões que o/a trarão cada vez mais perto dos poderosos de Night City.

É neste pano de fundo que somos inseridos no mundo de Cyberpunk e, bem, que belo mundo este. Night City é uma megacidade futurista cujo detalhe é do mais imersivo que alguma vez vimos. A forma como podemos passear ou viajar nas suas ruas e sentir a vida que a cidade emana é simplesmente estonteante. Falamos de uma cidade futurista, iluminada por luzes de néon, com uma população de quase sete milhões de habitantes, muitos deles em situação de pobreza extrema, mas cujo ritmo faz dela uma cidade que nunca dorme. Cheia de gangs, crime organizado, corrupção e onde quase toda a gente anda armada, é ao mesmo tempo uma metrópole cheia de vida, de cultura, de expressão. Uma cidade independente onde podemos ser aquilo que queremos.

As pessoas no mundo de Cyberpunk 2077 procederam a inúmeras alterações cibernéticas. Adapta-te para conseguir tomar melhor partido nos combates.

RPGs em primeira pessoa não são incomuns, pense-se em The Elder Scrolls por exemplo. Mas a forma como as mecânicas próprias são implementadas em Cyberpunk traz consigo uma certa frescura, quase como se estivéssemos a ver aquele mundo através dos olhos… quer dizer, implantes óticos, de V. É possível escolher três estórias de origem para o nosso herói, que correspondem a algumas das fações que era possível escolher nos jogos de tabuleiro. Ao todo temos presentes o Nomad, o Streetkid e o Corpo, todos com escolhas de diálogo próprias – com características exclusivas que poderão influenciar os diálogos e finalmente com uma introdução específica. Independentemente do tipo de personagem que a gente escolha, inclusive se V é homem ou mulher, o/a mesmo/a acaba por ir parar a Night City com Jacky Welles pronto/a para primeira missão da estória propriamente dita.

Como RPG, Cyberpunk contém algumas escolhas interessantes – é possível investir em cinco categorias de atributos: Body, Cool, Intelligence, Reflexes e Technical Ability. Cada um destes influencia a forma como a nossa personagem vai evoluindo: se esta é melhor no combate, se tem mais vida, se tem mais conhecimentos técnicos, ou mesmo se terá mais destreza. Investir na Technical Ability ou na Intelligence é importante, por exemplo, para passar alguns skill checks que nos irão surgir nas conversas. Investir no Body é importante para forçar algumas portas, por exemplo, e assim por diante. Todavia, isto não é tudo: cada atributo tem perks ligados com as suas várias facetas, nos quais podemos investir perk points. Estes perk points vão nos sendo conferidos quando realizamos alguma ação que se enquadre num determinado atributo. Usar stealth, que é uma característica do atributo Cool, melhora essa própria perk, mas também nos atribui perk points que podem ser usados não apenas nessas perks, mas noutras perks de outros atributos. É um bocado confuso, e alías, grande parte das perks são atributos passivos (influenciando a nossa personagem permitindo-lhe dar mais dano, conferindo-lhe mais resistência, etc.). Mas é com o investimento nas perks que conseguimos ter V preparado/a para os vários combates.  É, por isso, importante saber em que investir.

Dado que V consegue instalar material cibernético no seu corpo, é possível adquirir todo o tipo de equipamento que vai influenciar os stats deste/a, mas não só. Desde armadura a capacidades óticas,  passando por esqueleto reforçado, stats passivos que dão dano aos inimigos num check de 3% de hipóteses, e espadas que nos saem dos braços, tudo é possível no mundo de Cyberpunk. É aqui que conseguimos transformar V numa verdadeira máquina de guerra. Mas também é possível investir no cyberdeck de V, uma peça de hardware que está ligada ao seu cérebro e que lhe permite piratear não apenas as várias maquinas no mundo, mas também os seus inimigos. É possível equipar nas slots do cyberdeck vários chips que permitem a V fazer com que os inimigos sobreaqueçam, desligar-lhes os implantes óticos, fazer com que as suas armas deixem de funcionar, pirateá-los de modo a reduzir a resistência de todos os inimigos, etc. Também é possível controlar câmaras, desligar drones, fazer com que os mesmos drones lutem a nosso favor, ligar máquinas de forma a distrair os inimigos… a escolha é bastante vasta e incentiva o jogador a experimentar com o loadout de que mais gostar.

No que toca a missões, o jogo tem várias main quests, que levam a uma conclusão da estória principal, mas que é bastante curta, em toda a sinceridade – e depois existem as side quests (e as gigs) que explodem verdadeiramente com a exposição narrativa do mundo de Cyberpunk. Nos RPGs é bastante comum termos algumas side quests que explicam melhor uma ou outra faceta do universo e do lore do jogo, mas em Cyberpunk muitas das side quests são verdadeiras estórias principais dentro da estória principal, pelo que quase temos pena que seja possível passar ao lado das mesmas quase sem as ver. Aqui, as side quests são o que nos mostra Night City e os seus habitantes, as políticas e os enredos por detrás do pano da estória principal e aconselhamos todos os jogadores a investirem de um modo intensivo nas mesmas. Keanu Reeves faz um papelão ao acompanhar V em todas estas missões, dando sempre a sua opinião e tendo várias conversas sobre a situação atual com V. O estilo confrontacional da estrela de rock e a personalidade do/a protagonista criam, em certos momentos, uma dinâmica muito ao estilo de polícia bom e polícia mau. Além do mais, todas as escolhas, quer na main quest, quer nas side quests, poderão alterar massivamente o decorrer do jogo mais à frente, e a opinião que Silverhand terá de nós, pelo que aconselhamos a que este seja jogado várias vezes.

A rica exposição narrativa esconde-se, muitas das vezes, atrás de sidequests.

O combate é uma das facetas mais interessantes, dado que V possui um verdadeiro arsenal à sua disposição. Aliás, o jogo possuiu um sistema de crafting que permite melhorar uma determinada arma de que o jogador possa gostar, a mesma estando sempre atual. O jogo bombardeia-nos com tanto armamento que honestamente demos por nós a trocar as armas à medida que íamos fazendo as missões e derrotando inimigos. Mas nem tudo é combate. O jogo possui uma componente de stealth, que, embora não seja muito desenvolvida, permite dar resolução à maioria das missões sem matar um único inimigo (também é possível alterar as armas de modo a que as mesmas não sejam letais) e o jogo recompensa-nos por termos cumprido as missões de uma forma não violenta.

Finalmente temos os carros. V começa com um carro específico relativo à sua estória inicial, trocando depois de carro a partir do momento em que fica a viver em Night City. É possível não apenas roubar carros e motas, como comprar os mesmos, sendo que é possível chamar os veículos para nos virem buscar. Não estamos perante um GTA, até porque os veículos não são criados com a mesma complexidade técnica (disparem para os pneus e verão do que falamos), mas é possível viajar nos nossos bólides favoritos, e há muitos carros e motas para escolher.

Vamos só fazer referência, em primeiro lugar, e de uma forma pouco ortodoxa (porque costuma ser numa ordem diferente) ao acompanhamento sonoro do jogo. Foi impossível não ir ao iTunes comprar a banda sonora do jogo depois de o jogar durante um bom bocado. Os temas techno-pop misturam-se perfeitamente com a ação no ecrã – especialmente durante os combates, pelo que demos por nós a ouvir a banda sonora do jogo durante as horas mortas de uma viagem para casa – é assim tão boa a música!

Relativamente aos gráficos… ora bem, esta é a parte mais complexa de Cyberpunk 2077. Comecemos por um importante aviso à navegação: quem estiver a pensar em jogar este jogo numa PlayStation 4 (inclusive a Pro) ou numa Xbox One (à exceção da X), pense duas vezes em apenas jogar o mesmo quer na PlayStation 5, quer na Xbox Series X (ou, em alternativa, na Xbox One X ou até mesmo no PC, a melhor versão, que dependerá do vosso hardware). A framerate é absolutamente terrível nas consolas base da geração anterior e as patches lançadas até agora pouco fazem para melhorar a performance daquelas consolas. É um jogo que dificilmente irá correr bem, independentemente da quantidade de patches que sejam lançadas, principalmente por causa de todo o conteúdo no ecrã (mesmo com uma resolução mais baixa – e já é bem baixa nas consolas base da geração anterior). Este aviso à navegação não decorre da nossa experiência pessoal com o jogo, mas achamos importante falar nele. No que toca à Xbox One X, em primeiro lugar, a experiência é bastante sólida, embora sempre presa numa experiência abaixo dos 30fps. Claro que estes valores dependem da ação no ecrã, mas comparando com a Xbox Series X, apercebemo-nos do quão lenta é a One X na sua performance. Todavia, não encontrámos bugs na Xbox One X. Sabemos que eles existem, mas simplesmente não os encontrámos. Já na Xbox Series X, a experiência é bastante mais agradável a nível de performance. Aliás, é possível (embora a versão específica next-gen ainda não tenha sido lançada) mudar entre um modo qualidade e performance. Nesta versão, no entanto, já encontrámos vários bugs, inclusive um que “crashou” o jogo levando-nos para o menu principal da Xbox. Porém, com a patch 1.0.6.0 a experiência é mais sólida, com menos ocorrência de bugs, pelo que temos bastante esperança para as próximas patches.

Sem dúvida que a CD PROJECT RED conseguiu cumprir com a sua visão artística para Night City.

Sim, é verdade que o jogo não deveria ter sido lançado da forma que foi. Não diremos que se encontra inacabado, mas claramente não foi otimizado para correr em metade do hardware para o qual fora anunciado. Esperamos com ansiedade pelas versões next-gen da PlayStation 5 e da Xbox Series X, que venham substituir as versões adaptadas da geração anterior a correr em hardware mais poderoso, tomando partido do mesmo, o qual se tem tornado regra neste salto geracional.

Opinião Final:

Cyberpunk 2077 é um bom jogo. É muito bom, aliás – apenas necessita de ser mais polido. Possui elementos de RPG bastante interessantes e é fortíssimo na narrativa, o combate é divertido e a música é fantástica. Também é um jogo lindo de morrer, quando não vemos as personagens a atravessar portas, carros, o chão e também pessoas em cadeiras de rodas a levantarem-se para fugir quando damos um tiro para o ar. Apenas precisa de mais tempo.

Do que gostamos:

  • História é o ponto mais forte de Cyberpunk, todo o enredo de Night City puxa pela nossa imaginação de um modo que muitos poucos jogos o têm feito atualmente;
  • Um RPG bastante competente, com várias possibilidades de personalizarmos a nossa personagem;
  • Combate é muito divertido, e tão bem acompanhado pela banda sonora;
  • Bastante porreiro ver Keanu Reeves a acompanhar a nossa missão, comentando as atitudes do/a protagonista e tendo conversas bastante profundas com o/a mesmo/a.

Do que não gostamos:

  • Jogo necessitava de mais uns meses para otimização em todo o hardware para o qual foi lançado, pelo que existe a possibilidade de encontrar vários bugs ou problemas técnicos.

Nota: 8/10