Degrees of Separation – Análise

O grande padrão atual da indústria, quando se trata de jogos cooperativos, é inserir suporte online para que os jogadores possam interagir sem estar limitados pela distância e normalmente para tornar o jogo ainda mais atrativo, com cada jogador a ter uma visão isolada da sua personagem. É, por isso, de certa forma impressionante quando um estúdio resolve optar por mecânicas mais clássicas, e foi justamente isso que a Moondrop, em parceria com a Modus Games, decidiu fazer com Degrees of Separation.

Degrees of Separation é um jogo de aventura com elementos de puzzle que coloca os jogadores a acompanhar uma história que desde logo traz um conceito interessante, já que temos dois seres que vivem em mundos paralelos e sempre sonharam um com o mundo do outro. Um dia, estes mundos colidem e estas duas personagens “juntas” têm de superar diversos desafios e obstáculos pelo caminho para salvar os seus mundos e, quem sabe, realizar o grande sonho de verem os seus mundos diretamente conectados.

As aspas na palavra ‘juntas’ faz todo o sentido, já que Rime é totalmente guiado pelo elemento de gelo, enquanto Amber é literalmente o fogo. Sendo assim cada um tem completa noção da existência do outro, porém, estão predestinados a nunca interagir diretamente, já que se anulariam, numa clara referência a histórias de amor proíbido, como o clássico de Shakespeare, Romeu e Julieta. De forma a representar esta separação, o ecrã encontra-se durante todo o jogo separado por uma barra, onde de um lado vemos o mundo de Rime, notavelmente mais sombrio e com cores frias, e do outro o mundo de Amber completamente vivo e com cores fortes.

Além disso, de maneira a ampliar ainda mais esse elemento de separação, a história é contada por uma voz misteriosa que narra os acontecimentos enquanto estes ocorrem. Isso funciona para aumentar ainda mais a imersão do jogador, trazendo uma clara sensação de estar a vivenciar no seu ecrã uma grande fábula narrada por essa voz.

É, no entanto, a nível gráfico e da dinâmica entre os mundos que a Moondrop conseguiu fazer um trabalho notável com Degrees of Separation. Conforme as personagens se movimentam e interagem com o cenário, as cores sobrepõem-se, o que automaticamente traz um efeito completamente fluido de transformação do que antes era vivo e quente, para uma aparência gélida e morta, e vice-versa. Esta dicotomia dinâmica dá ao jogador uma noção completa de como aqueles dois mundos sofrem influências diferentes dos protagonistas, já que estamos diante de cenários que, na sua estrutura, são idênticos, mas que se alteram visualmente dependendo de qual personagem está em qual parte

A jogabilidade não foge muito do estilo habitual dos jogos de plataforma 2D, com o jogador a saltar obstáculos, empurrar ou puxar objetos e resolver puzzles para progredir. Mas é justamente na maneira como Amber e Rime interagem com esse mundo que Degrees of Separation mostra que tem a sua própria personalidade. As diferenças e influências das personagens nos seus respetivos mundos não estão limitadas apenas a características visuais. Em determinados momentos, o jogador terá que saber lidar com essas diferenças para progredir, ou seja, haverá momentos em que o jogador terá que utilizar Amber para atravessar, por exemplo, uma zona de água ao mergulhar e sair do outro lado, enquanto que Rime, ao interagir com essa mesma água não poderá mergulhar, já que a sua presença a congela de imediato. Será por isso essencial que o jogador seja capaz de pensar estrategicamente em como utilizar cada personagem e analisar o que é necessário em cada situação para que ambos possam ultrapassar os obstáculos com que se deparam.

Ao abdicar do online, a Moondrop quase que indiretamente quis flertar com a ideia de distância e proximidade, já que o cooperativo do jogo é totalmente local e, naturalmente, split-screen, com cada um dos jogadores a controlar um dos protagonistas, o que permite uma interação ainda mais natural e ágil entre as personagens com as suas peculiaridades. Não estamos, contudo, diante de um jogo que obriga o jogador a estar limitado ao cooperativo, pelo que aqueles que optarem por usufruir desta “fábula interativa” sozinhos, também serão capazes de encontrar um conteúdo interessante, embora com algumas limitações que já são de certa maneira evidentes antes mesmo de se iniciar o jogo.

Ao optar por jogar sozinho, o jogador terá que alternar entre Rime e Amber para conseguir superar os puzzles e obstáculos no caminho, ou seja,  apenas um deles estará em movimento, sendo necessário utilizar um dos gatilhos para chamar o outro ou voltar a alternar para movimentá-lo. Embora em teoria até possa parecer interessante, já que elimina de imediato o fator de preocupação com ações erróneas da IA, na prática reflete-se em algumas dores de cabeça.

Não estamos diante de nenhum bug que irá comprometer isoladamente a experiência do jogador que escolhe jogar sozinho, mas é óbvio que todo o conceito por detrás de Degrees of Separation foi pensado para que esta seja uma experiência partilhada com outra pessoa. No decorrer do jogo haverá momentos em que a personagem que não estiver a ser controlada ficará presa em algum lugar, impedindo a progressão naquele cenário, não sendo sequer a opção de chamar pela personagem suficiente para avançar. Para além disso, há momentos em que a interação entre as personagens é muito ténue, pelo que convém que o jogador avance muito com uma delas, pois poderá comprometer por completo o puzzle e ser forçado a voltar a completá-lo desde o início.

Outro ponto negativo que se tornará rapidamente evidente para aqueles que jogarem sozinhos, é de que o jogo inevitavelmente se tornará repetitivo tanto nas ações que irão realizar, como naquilo que esconde. Na prática, tal reflete-se numa jornada simples em que o jogador irá começar em um de cinco mundos existentes, alternar entre as personagens que devem superar algum obstáculo, e enquanto tudo isto, terá de encontrar cachecóis que funcionam como colecionáveis e como itens essenciais para avançar na história. É óbvio que haverão pequenas alterações entre cada mundo e puzzles, mas chega-se a um momento em que se sente realmente que se está apenas a progredir sem algo que incentive a continuar, o que provavelmente levará a que o jogo fique abandonado por uns tempos, até que volte a vontade de explorar este universo.

Ao lerem este último parágrafo devem ter ficado a questionar-se “Está bem, mas a história e a relação entre Rime e Amber não é um dos principais incentivos do jogo?”. E a resposta é que… não necessariamente. A ideia da Moondrop é basicamente apresentar uma história de romance proibido em que de alguma maneira o amor ultrapassa literalmente todos os obstáculos. Ora, este pano de fundo traz a óbvia sensação de que teremos uma narrativa dramática. Mas não é isso que é entregue. Todo aquele sentimento trazido nos primeiros minutos de jogo através da introdução infelizmente vai-se perdendo à medida que os vários puzzles são superados e a interação entre Rime e Amber fica realmente restrita aos puzzles. Não há sequer comunicação verbal entre eles, estando a apresentação deste elemento emocional a cargo da narradora, não existindo sequer um correlato em movimentos corporais daquilo que ocorre na narrativa.

Já em relação à longevidade, o jogo instancia o padrão do género, que se nota principalmente na indústria independente, de entregar uma experiência que poderá ser desfrutada com uma duração média de 5-6 horas, sendo que esse tempo poderá ser reduzido caso optem por jogar cooperativamente com um amigo.

A banda sonora é um elemento que, felizmente, vale a pena destacar antes de acabar a análise. Trazendo uma sensação bastante suave e aprazível para a jogabilidade, e combinando na perfeição com o jogo, a banda sonora é bastante satisfatória. Sendo a única voz presente no jogo a da narradora, a banda sonora funciona realmente como um complemento com notas bem marcadas de um piano que envolve este universo de extremos. Outro ponto positivo é que o jogo traz legendas em PT-BR, permitindo assim uma maior imersão com a narração por aqueles que não dominam tão bem a língua inglesa.

Opinião Final:

Em resumo, Degrees of Separation, é um jogo que traz um conceito narrativo digno de grandes obras literárias, com uma direção artística inspirada em pinturas que poderiam ser expostas em galerias de arte e uma banda sonora que muitas vezes irá abraçar o jogador e representar Amber ao trazer um calor agradável para a experiência auditiva do jogador. Mas tudo isto é prejudicado por uma execução narrativa muito fraca que basicamente promete muito na sua introdução, mas que ao longo do jogo se perde naquilo que pretendia entregar. Além disso, preparem-se para uma busca massiva por colecionáveis obrigatórios para avançar pelo mundo e puzzles que se tornaram repetitivos muito rapidamente, sensação de repetição constante essa que apenas é reduzida ao jogarem numa experiência cooperativa, uma vez que ter uma pessoa a jogar ao nosso lado faz com que não tenhamos de ter tanta atenção.

Sendo assim, estamos diante de um jogo com um gigantesco potencial, mas que devido a algumas más escolhas acabou por resultar em algo que deixa muito a desejar. No entanto, sendo este o primeiro grande projeto do estúdio norueguês, é possível que muitos erros cometidos neste jogo sejam tidos em consideração para futuros projetos.

Do que gostamos:

  • A vertente cooperativa local aumenta a imersão no universo do jogo;
  • Apresentação visual primorosa, com cenários que parecem pinturas dignas de um museu;
  • Uma boa escolha de banda sonora, que em momento algum se sobrepõe aos outros elementos narrativos;
  • Aplicação do elemento de gelo e fogo nos puzzles resulta em algo bastante original, conseguindo assim entregar uma jogabilidade única.

Do que não gostamos: 

  • Pouca variedade de puzzles e mecânicas de jogo, o que infelizmente se reflete num jogo que rapidamente se torna repetitivo;
  • Jogar sozinho pode não ser uma experiência tão divertida, principalmente na hora de controlar os protagonistas;
  • Apesar de uma introdução que prometia entregar uma história bastante emocional, a sua execução deixa muito a desejar;
  • O ritmo de jogo por vezes mostra-se bastante irregular;
  • Por vezes o próprio level-design irá prejudicar bastante o jogador que optar por uma experiência single-player.

Nota: 7/10

Jogo analisado através de uma cópia da versão PlayStation 4 gentilmente cedida pela Modus Games.