Após uma longa pausa de cerca de doze anos, finalmente Fire Emblem regressou a uma consola (também) doméstica da Nintendo com Fire Emblem: Three Houses. Este retorno dá-se num momento em que esta série de jogos de estratégia goza de grande popularidade e amor por parte de fãs do género: o jogo mobile Fire Emblem: Heroes continua a dar bastantes lucros à Nintendo; e, após lançamentos bastante positivos de títulos da série principal na 3DS, o anúncio de Three Houses para a Switch – embora se desse como dado adquirido que a série iria eventualmente chegar à nova consola híbrida – gerou grande entusiasmo entre os fãs.
Dado este estado de graça, é difícil de imaginar que, se Awakening não tivesse sido o sucesso que foi, catapultando a série e alargando enormemente a sua base de fãs, o futuro da mesma poderia ter sido muito diferente ou mesmo inexistente. Tendo, no entanto, a História seguido este rumo, existe uma maior pressão sobre cada nova iteração na franquia para fazer mais e melhor. Com o regresso da série a uma consola doméstica, Three Houses veio com a difícil missão de cumprir com as altas expectativas dos novos seguidores e os de longa data. De facto, sendo também este o primeiro Fire Emblem em alta definição (excluindo, é claro, o spin-off Fire Emblem Warriors), a tarefa tornava-se ainda mais difícil.
Embora tivesse sido anunciado pouco após a revelação completa da Switch, também em janeiro de 2017, que um novo Fire Emblem estava em desenvolvimento, com data de lançamento prevista para 2018, Three Houses acabou por desaparecer do mapa durante um longo período de tempo. Apareceu mais tarde apenas na E3 2018, com uma qualidade visual que causou algumas reações mistas, e sendo também adiado para Primavera de 2019. Tendo posteriormente sofrido ainda um segundo adiamento, para julho de 2019, começava a surgir uma onda de preocupação em relação a se esta passagem de Fire Emblem para a alta definição correria assim tão bem. E eis que, chegados a 26 de julho de 2019, finalmente fomos brindados com a nova entrada nesta série de RPG’s de estratégia da Nintendo.
Aquando do lançamento deste jogo, muitas dúvidas se haviam dissipado e o entusiasmo em torno deste título fazia-se notar, embora algumas dúvidas ainda persistissem devido ao longo silêncio entre janeiro de 2017 e junho de 2018. Posto isto, como também fã da série, é um prazer poder afirmar à boca cheia que Fire Emblem: Three Houses é um excelente jogo, e deverá ser uma adição obrigatória ao catálogo de qualquer um que detenha uma Nintendo Switch. É realmente um jogo bastante bom e uma experiência única que apenas vivendo se compreende o quanto nos prende e como é verdadeiramente uma jornada. Aqui, no entanto, encontro-me na posição de crítica, e como tal, passarei a analisar os vários aspetos do mesmo e a justificar estas afirmações.
Antes de mais, há que notar que a passagem da série para uma consola de alta definição, como a Switch, não significa apenas uma melhoria substantiva na componente gráfica, mas também uma expansão a todos os níveis. Como tal, encontramos em Three Houses um jogo que arrisca muito mais que títulos passados da série, e que é feliz nas suas ambições.
O primeiro grande exemplo é o próprio contexto do jogo e todo o lore com que somos presenteados. Nesta entrada da série controlamos de novo uma personagem que se torna no nosso avatar, desta vez de nome Byleth (embora possam mudar o nome), surgindo tanto em versão feminina, como masculina. Escolhi a versão feminina do avatar, pelo que me irei referir a esta personagem no feminino durante o restante desta análise (exceto quando tal for relevante, por exemplo discutindo diferenças entre ambos), assim como pelo seu nome original, embora o tenha alterado.
Byleth faz parte de um grupo de mercenários, e a nossa jornada tem início num momento em que, Byleth preparando-se para partir com o seu pai, Jeralt, para completar um contrato, se depara com três nobres em fuga após terem sido abordados por bandidos que os perseguiam. Estes nobres não são simples lordes ou duques “comuns”, mas antes precisamente aqueles que estão destinados a ser os líderes das suas respetivas nações: Edelgard, que será a futura imperadora do Adrestian Empire; Dimitri, que será o próximo rei do Holy Kingdom of Faerghus; e Claude, que será o próximo líder da Leicester Alliance.
É aqui que nos deparamos com o primeiro combate do jogo, e em que podemos pela primeira vez ter um feel da personalidade e estilo de combate de cada um. Após serem salvos dos bandidos, estes três ficam impressionados com a astúcia e capacidades de Byleth e propõem que esta passe a ajudar a sua nação, dada a utilidade esperada do apoio da mesma. Acabamos assim por ser convidados a seguir com Edelgard, Dimitri e Claude até Garreg Mach, um mosteiro no centro de Fódlan (o país que unifica estas três nações) e também a sede da Church of Seiros, uma instituição religiosa e militar que venera a deusa Seiros e é soberana em todo o país.
Em Garreg Mach, anexada ao mosteiro, situa-se ainda uma academia de oficiais, e estes três nobres estudam presentemente nela, de modo a se prepararem para os seus futuros encargos. Cada um deles comanda, dentro da academia, uma «casa» (house), isto é, uma espécie de turma que corresponde a cada uma das nações, com membros também originários das mesmas. Estes são como que delegados de turma, se bem que com claramente um muito maior destaque. As comparações com Harry Potter surgiram logo quando o jogo foi revelado em maior detalhe, e são, neste ponto, justas.
Inesperadamente, Byleth é convidada a dar aulas nesta academia, dada a saída recente de um dos seus professores. Somos então convidados a escolher qual das três casas queremos ensinar durante o resto do ano letivo, o que na verdade significa escolher entre uma de três campanhas (que, quem sabe, se podem até mesmo dividir em mais do que três finais), que acabam por ser substancialmente diferentes, tanto a nível do desenrolar do enredo, como a nível das personagens com que comunicamos mais frequentemente. Grande parte do jogo é assim passada em Garreg Mach, que pode ser explorado livremente e que inclui uma enorme variedade de atividades. Estas ocupações, que vão desde pescar a cozinhar ou partilhar refeições com alunos, passando pela participação em torneios e por convidar personagens para tomar chá, fazem com que Garreg Mach se torne de facto num espaço vivo, que nos apraz explorar e descobrir.
Várias novidades vão sendo introduzidas à medida que se progride no jogo, pelo que estas secções de exploração acabam por nunca se tornar demasiado repetitivas ou maçadoras. Pelo contrário, é entusiasmante ver os laços entre Byleth e os alunos (assim como as relações destes últimos entre si) a desenvolver-se. As personagens com que vamos lidando na nossa vida enquanto professores não são unilaterais nem fixas, mas sente-se que poderiam quase ser pessoas reais, que se vão desenvolvendo com o passar do tempo e influenciando-se mutuamente. Aqui um dos exemplos mais claros é o de Bernadetta, uma rapariga que, devido a certos factos sobre o seu passado, passa inicialmente a vida fechada no quarto, mas que, entretanto começa, com incentivos e um meio que lhe dá apoio, a superar as suas questões de extrema ansiedade e baixa autoestima.
Para além de este desenvolvimento em geral transmitir mensagens bastante positivas e extremamente enternecedoras, é também fascinante ver como esta dimensão é refletida em pequenos detalhes. Voltando a pegar no exemplo de Bernadetta, ao explorar Garreg Mach, vamos encontrando as personagens pelo mapa e é possível interagir com as mesmas. No início do jogo, Bernadetta encontra-se sempre fechada no seu quarto durante estes períodos fora de aulas, mas à medida que a narrativa progride, juntamente com os laços entre Bernadetta e os seus colegas, passa a ser possível encontrar Bernadetta em outras partes do mosteiro.
São pequenos detalhes como este que tornam o mundo de Three Houses credível e colocam um sorriso na nossa cara ao explorá-lo. Grande parte do desenvolvimento das relações entre as personagens é-nos apresentado sob o formato de diálogos entre as mesmas, que podemos ver na aba Support no menu de jogo. No total, acabam por ser bastantes os diálogos incluídos (especialmente tendo em consideração que existem, geralmente – embora com exceções -, pelo menos três diálogos entre cada duas personagens e que, dado o número elevado de personagens, a combinatória das mesmas resulte num valor bastante elevado). Embora alguns destes se sintam estranhos, a minha experiência ao jogar é de que tal não advém de uma falta de naturalidade no fluir dos mesmos, mas antes da própria personalidade das personagens em questão, e, portanto, este acaba por ser mesmo um mérito do jogo. Se duas personagens com personalidades bastante peculiares se encontram sozinhas a dialogar, não é surpreendente que os primeiros momentos de diálogo se sintam estranhos ou mesmo confrangedores – de facto, algumas das melhores evoluções em termos de laços provêm mesmo de relações que começam bastante esquisitas e desconfortáveis, mas evoluem de uma forma bastante positiva.
Nem todas as relações evoluem de uma forma tão notória. Um aspeto importante a notar é de que cada personagem tem, para além da sua personalidade única, também as suas preferências a nível sexual e romântico. Deste modo, certos laços podem estar limitados tanto por um choque entre personalidades (nos casos em que tal nem sequer permite que a relação se aprofunde de qualquer forma significativa), como, a um outro nível, devido à própria atração que as personagens sentem ou não por outras do mesmo sexo ou do sexo oposto. Assim, caso atribuam uma grande importância à componente quase que de dating sim de Fire Emblem, escolher entre a versão masculina ou feminina de Byleth fará a diferença mais tarde no que diz respeito às personagens com quem podem casar.
Em Three Houses, os casamentos acabam, apesar de tudo, por não ter um papel tão relevante como aquele que se verificava nos últimos jogos da 3DS. No entanto, de certo modo acabam por ter mais impacto a nível narrativo, no sentido de que resultam de um longo processo de maturação de sentimentos e de conhecimento mútuo. Sobre como estão os casamentos representados neste jogo, não posso dizer mais sem estragar a experiência, embora a vontade de vos contar mais seja muita.
Poderão estar a questionar-se como vão estes laços sendo fortalecidos ao longo do jogo. Tal como em outros jogos Fire Emblem, uma das formas é através das personagens combaterem lado-a-lado no campo de batalha. Há, no entanto, outras formas de o fazer. Por exemplo, se convidarem duas personagens para uma refeição, a relação entre cada uma das três ficará fortalecida. Enquanto Byleth, poderão ainda escolher uma personagem e cozinhar com a mesma, convidar para tomar chá, responder a cartas anónimas deixadas na catedral a pedir conselhos, oferecer presentes e encontrar objetos perdidos. Todas estas atividades (algumas delas, apenas se bem executadas) fazem aumentar a proximidade entre Byleth e a personagem em questão. Existem ainda outros momentos, como escolher as opções corretas em diálogo, ou elogiar o trabalho realizado por um aluno durante as fases de instrução (mais sobre isto mais à frente) que farão aumentar a intimidade entre Byleth e outros habitantes de Garreg Mach.
Os laços que as personagens vão criando entre si não são apenas bonitos de apreciar, nem apenas transmitem uma energia positiva, mas acabam mesmo por resultar em algumas vantagens no campo de batalha, por exemplo aumentando a resistência das personagens quando estas se encontram em tiles adjacentes. É também engraçado ver como alguns dos bónus em combate se alinham com a personalidade de cada um. Uma personagem masculina mais mulherenga poderá ter um bónus em específico quando se encontra numa tile adjacente a uma personagem feminina, assim como uma personagem que se apoia mais nos que lhe são próximos verá aumentos nas suas estatísticas se próxima de colegas com quem mantém relações íntimas. Como referido anteriormente, Fire Emblem: Three Houses está repleto de pequenos detalhes como este.
Existem mais atividades que se poderão realizar explorando o mosteiro, e todas elas acabam por trazer benefícios para a nossa jornada. Por exemplo, explorando o mosteiro e oferecendo presentes aos alunos, ou partilhando com eles uma refeição, (para além dos laços connosco) a sua motivação irá aumentar, o que por sua vez permite que estes aprendam mais durante as aulas e melhorem as suas habilidades.
Chegamos assim às aulas e como o jogo está organizado de uma forma mais geral. Three Houses encontra-se dividido por meses, os quais estão associados a luas específicas. No final de cada mês há uma missão da história principal por concluir. Já ao longo do mês, a ordem de trabalhos é dividida essencialmente entre planear aulas, assistir a seminários, explorar o mosteiro e batalhar.
No início de cada semana (Segunda-feira) devemos preparar as nossas aulas, escolhendo as habilidades em que cada um dos nossos alunos se deverá focar e instruindo-os potencialmente até que a sua motivação se esgote (também poderão instruí-los automaticamente, relegando o trabalho a um algoritmo baseado nas habilidades em que estes se estão a focar), assim como escolher um projeto de grupo que duas personagens deverão realizar. Ao longo da semana os alunos têm assim aulas e vão desenvolvendo as suas habilidades (fé (ou seja, magia branca, de cura); razão (magia negra, focada em ataque); equitação; habilidades com lança, espada, machado ou manoplas; voo; autoridade e armadura). Já no final da semana (Domingo) cabe-nos decidir entre quatro opções – explorar o mosteiro (a que nos temos referido maioritariamente até agora); participar em batalhas secundárias; dar-se a ocorrência de um seminário; ou um período de descanso.
A gestão das aulas é importante, uma vez que dependendo das habilidades que escolherem para os vossos alunos se focarem, acabarão com unidades bastante diferentes, e que por isso estarão especialmente aptas a lidar com situações bem distintas. Escolher instruir os alunos um a um manualmente também poderá ser uma mais valia, uma vez que é possível aumentar os laços que mantêm com os mesmos, elogiando o seu trabalho quando o fazem na perfeição. Por último, é também importante escolher a tarefa de grupo (só podem escolher uma de entre três), uma vez que tal irá fortalecer os laços entre as duas personagens que escolherem para a tarefa. Diferentes personagens terão apetências diferentes para certas habilidades e também para as tarefas de grupo a elas associadas. Assim, se por exemplo atribuírem a duas personagens com apetências para equitação a tarefa de cuidarem dos estábulos, estas ficarão não só mais motivadas, como farão ainda um melhor trabalho, o que resulta em maiores ganhos.
É, no entanto, na parte correspondente ao final da semana que recairá a maior parte do trabalho de gestão. Por exemplo, a missão principal do respetivo mês pode requerer um nível mais elevado do que o das vossas personagens, pelo que se terão de focar mais em batalhas. O mesmo poderá acontecer caso nesse mês haja uma paralogue mission, isto é, uma missão com uma pequena história secundária que permite conhecer melhor a origem de certas personagens; ou caso inimigos raros tenham surgido e que poderão trazer consigo também recompensas raras. Se, pelo contrário, se quiserem focar em evoluir mais as habilidades de certas personagens, poderão ao invés disso convidar professores (ou alunos com especial mérito, ou seja, nível elevado de uma determinada habilidade) para dar seminários em que ensinam certas personagens em específico mais sobre certas habilidades. Finalmente, caso não estejam com disposição para aumentar a motivação de cada aluno explorando o mosteiro, e ao mesmo tempo não tenham nada de urgente por fazer, poderão escolher descansar, o que restaurará a motivação dos vossos alunos e os deixará prontos para uma nova semana de trabalho. Devo confessar que explorar o mosteiro e aumentar manualmente a motivação de cada um, assim como os laços entre eles e Byleth, é tão divertido que nunca considerei sequer a hipótese de optar por descansar.
Em Three Houses poderão alterar a classe das vossas personagens através do seu sucesso em testes de aptidão específicos. Dependendo das habilidades que uma classe requer e do nível de cada habilidade que a personagem manifesta, a probabilidade de esta passar no teste vai também variando. Por exemplo, um cavaleiro necessitará de uma sólida habilidade de equitação, enquanto que um bispo necessitará essencialmente de um nível de fé elevado. Cada classe introduz bónus, que incluem um aumento de certos stats das personagens, mas também habilidades específicas (que não devem ser confundidas com as outras mais gerais), como a habilidade Canto, apenas possuída por classes que se movem em cima de cavalos, cavalos alados ou wyverns, de se movimentarem após o confronto com inimigos no campo de batalha, caso não se tenham movido até ao limite do que se podem mover num dado turno. Todos estes sistemas poderão parecer demasiado para absorver, mas nada temam, pois aquilo que escrito poderá parecer extremamente complicado, acaba por se tornar em algo bastante intuitivo, nomeadamente pela introdução faseada (a meu ver, a um ritmo perfeito) de todos estes elementos no decorrer da jogatina.
Aqui é relevante notar que a possibilidade de ter personagens a focar-se em capacidades escolhidas por nós permite uma enorme personalização. Cada uma delas está naturalmente mais inclinada para desenvolver certas capacidades em vez de outras (o que corresponde a mais facilmente evoluírem nas mesmas), mas é ainda assim possível decidir no que se devem focar. Aqui é importante, é claro, ter em atenção quais os níveis de capacidade necessários para que uma dada personagem passe o teste de aptidão e possa assim mudar para uma nova classe. Estes requisitos, no entanto, não precisam de ser totalmente cumpridos para que uma personagem consiga passar o teste e assim desbloquear uma nova classe. À medida que a mesma se aproxima dos níveis de habilidade necessários, a probabilidade (apresentada sob a forma de percentagem) de que esta seja bem sucedida no teste vai aumentando, sendo que simplesmente quando os requisitos tenham sido cumpridos, a percentagem é de 100% (ou seja, é garantido que a personagem vai passar no teste), ao passo que se não os cumprir exatamente, mas se aproximar deles, a percentagem passará a tomar um certo valor entre 0 e 100.
As diversas possibilidades de customização e a opção de escolher pela exploração do mosteiro (com a sua miríade de atividades por descobrir e momentos significativos para experienciar), pelas batalhas, descanso ou seminários no final da semana, trazem bastante diversidade ao jogo. Mas, ainda assim, poderão estar a questionar-se se a forma como Three Houses está estruturado, com um calendário dividido por meses, em que há sempre uma missão principal no final e semanas de aulas pelo meio, não tornará a experiência aborrecida ou pelo menos repetitiva.
Na minha experiência com o jogo, salvo em alguns momentos durante a parte intermédia do ano académico (e mesmo aqui de uma forma bastante leve), nunca senti que este sistema causasse qualquer tipo de estagnação, o que é dizer muito, uma vez que a minha (que será a primeira!) campanha me levou cerca de 47-48 horas a concluir. A verdade é que mesmo com toda a variedade de opções já exposta, um enredo mal construído ou desinteressante poderia ser suficiente para tornar esta experiência enfadonha: afinal, porquê dedicar-nos a todas estas atividades e a todo este trabalho de gestão se o seguimento da narrativa que dá o pano de fundo a tudo o que se acabou de referir não satisfaz?
Felizmente, esta é uma preocupação que não terão com este Fire Emblem. Depois de um enredo que dividiu os fãs em Fates, seria de temer que, tentando de novo seguir pelo caminho de levar o jogador a escolher por um dos lados de uma disputa, a Intelligent Systems voltasse a cair nos mesmos erros. Three Houses é, no entanto, um claro resultado da maturação da ideia na base de Fates, que agora surge muito mais bem pensada e executada. Escolher uma das casas tem realmente um grande impacto em todo o enredo, e não apenas no final a que irão chegar, mas também no que diz respeito às perguntas a que terão resposta no desenvolver do mesmo, entre muitas outras diferenças.
Como referido, o universo deste jogo tem um lore imenso. Através de diálogos, arquivos, paralogue missions, entre outros meios, poderão ficar a conhecer imensos detalhes tanto sobre a história (remota e próxima) de Fódlan, como dos países na sua vizinhança, como Brigid, Dagda ou Almyra. Mas não apenas em aspetos como este notam que o jogo dispõe de uma dimensão imensa. Um dos aspetos bastante positivos do enredo deste título é que serão confrontados desde muito cedo com vários eventos suspeitos, como parecenças entre personagens, nomeadamente entre figuras milenares e personagens com que se depararão ao longo da aventura. Não irei, é claro, entrar em detalhes, mas os mistérios são de facto muitos, e a promessa de que serão desvendados está sempre presente, realizando-se ao longo da estória. No entanto, não se revela completamente.
Jogando com uma das casas (no meu caso, Black Eagles), a sensação de que se está a testemunhar apenas uma fração da história, de um ponto de vista bastante específico e nada neutro é constante. Desde conversas entre outras personagens (ou monólogos e suspiros para o ar) que indicam toda uma sucessão de eventos e relações que desconhecemos, a questões que são simplesmente tocadas ao de leve na nossa narrativa, há vários elementos que mostram de uma forma clara que para uma total compreensão dos eventos que transpiram durante o período em que o jogo se desenrola, teremos de experienciá-los sob a perspetiva de cada uma das três casas. Tal significará uma aventura de cerca de 150 horas. É de facto bastante tempo, e poderá não ser realista dedicarem a este jogo tantas horas da vossa vida, dependendo do tempo livre de que dispõem. No entanto, caso disponham de tempo suficiente, estas são 150 horas que passam num piscar de olhos e que valem bem a pena. Com um sistema tão divertido e com um enredo tão envolvente, Three Houses resulta numa experiência altamente viciante em que, quando dão por vós, já uma tarde se passou.
É claro que, sendo este essencialmente um jogo de estratégia por turnos, importa aqui dar especial atenção às batalhas em si; a que novidades e modificações este Fire Emblem introduz; assim como ao que mantém, e a se esta entrada na série consegue manter o combate tão divertido que a caracteriza.
Começando por esta última questão, uma vez que deverá ser óbvio por tudo o que foi até agora dito: sim, Three Houses apresenta um combate bastante divertido, e, apesar de algumas modificações em sistemas nucleares da franquia, continua a sentir-se essencialmente um Fire Emblem – a série não perdeu a sua identidade.
No que toca às novidades, aquelas que porventura saltam mais à vista são: o abandono do sistema, clássico da série, conhecido por Weapon Triangle; a introdução dos Battalions (batalhões); e a introdução de durabilidade nas armas. Vejamos cada uma destas por ordem.
O Weapon Triangle consiste num esquema idêntico ao do jogo pedra-papel-tesoura, mas com as armas machado, lança e espada. Este está estruturado da seguinte forma: espadas são fracas contra lanças, mas fortes contra machados; machados são fracos contra espadas, mas fortes contra lanças; e lanças são fracas contra machados, mas fortes contra espadas. Em vez de manter este esquema, Three Houses aposta num sistema mais complexo e versátil, de tal modo que colocar uma personagem de um tipo errado contra outra não significa quase que morte imediata.
Embora ainda existam casos como arqueiros a ser especialmente vorazes contra adversários montados em cavalos alados ou wyverns, geralmente neste jogo tudo depende de Weapon Arts (uma espécie de ataque especial que reduz mais do que o normal a durabilidade de uma arma), e de armas específicas dentro de um certo tipo. Por exemplo, caso uma unidade de uma classe focada em ataques rápidos com espada se defronte com uma unidade de uma classe de armadura pesada, os seus ataques podem variar imenso em termos de dano. Por um lado, espadas como a Iron ou Steel Sword não irão causar grande dano, mas por outro a arma Armorslayer (como o nome sugere) e certas habilidades equipáveis poderão aniquilar a unidade num só turno.
A introdução destas nuances acaba por tornar o jogo mais satisfatório. Ao passo que antes se sentia que grande parte do desafio de Fire Emblem consistia apenas em colocar as unidades certas nos locais certos, agora o principal desafio é manter em mente não só quais das nossas unidades podem derrotar imediatamente outras, como o contrário. A dificuldade do jogo poderá minar o potencial deste sistema, mas mais sobre essa questão será discutido posteriormente.
Como mencionado, as Weapon Arts podem ser decisivas em combate, mas retiram mais durabilidade à vossa arma. A durabilidade, a segunda das novidades introduzidas, de cada arma é dada por um número. Por exemplo uma Steel Sword+ tem uma durabilidade de 35, pelo que poderão usá-la 35 vezes em ataques normais durante a batalha (tenham no entanto em atenção que se a vossa personagem atacar duas vezes num mesmo turno, tal reduz a durabilidade em dois), sendo que Weapon Arts gastarão mais do que um valor de durabilidade (até 5 pontos de durabilidade, no caso das Arts mais poderosas). Gerir entre o ganho que terão com algumas Weapon Arts (por exemplo a Deadeye, que permite a arqueiros atingir inimigos a maiores distâncias ainda), e a durabilidade das armas é assim uma parte importante da estratégia que terão de ter em combate.
Caso, como eu, falar em durabilidade de armas vos faça ter flashbacks de Breath of the Wild, e se, tal como eu, não gostaram particularmente da forma como esta mecânica esteve presente no jogo, poderão ficar aqui algo reticentes. Devo confessar que em Breath of the Wild o sistema de durabilidade de armas tornou a experiência mais irritante para mim – era aborrecido andar sempre a ver que inimigos andava a matar e com que arma para não ficar com um arsenal mais fraco de um momento para o outro. Felizmente, o sistema de Three Houses está desenhado de uma forma muito menos intrusiva: as armas duram em geral bastante mais; e podem ser reparadas, na maior parte dos casos, com facilidade entre os combates. De facto, mesmo que usem e abusem de uma mesma arma, deverá ser sempre possível usá-la em pelo menos dois combates. E mesmo no caso de a arma se tornar completamente inutilizável, poderão continuar a usá-la, embora esta fique mais fraca, por exemplo com menos poder de ataque ou menor precisão (accuracy).
Entre os combates, basta recorrerem ao Blacksmith (ferreiro) para reparar as mesmas. Armas mais fortes e/ou especiais requererão materiais mais difíceis de encontrar para que possam ser reparadas, como Umbral Steel. Por outro lado, armas mais comuns podem ser reparadas com algumas Smithing Stones, que podem tanto ganhar através dos já referidos trabalhos de grupo desenvolvidos pelos vossos estudantes, como comprar no Marketplace. No Blacksmith podem ainda melhorar armas (é daí que vem o “+” na anteriormente referida Steel Sword+, trata-se de uma Steel Sword que foi melhorada). Estas melhorias podem tanto aumentar o poder de ataque, como o alcance de algumas armas, ou ainda a sua durabilidade.
Aqui as relíquias são uma importante exceção. São armas mais fortes, com importância na narrativa do jogo e ligadas à mítica história de Seiros, têm uma durabilidade mais limitada, o que compensa o seu maior poder de ataque, e são ainda mais difíceis de reparar (embora em certos momentos da narrativa tal aconteça por definição). São, assim, armas que devem ser utilizadas com peso e medida – mais especificamente, que devem ser guardadas para momentos de confronto com inimigos especialmente duros de roer. De igual forma, as relíquias não podem ser melhoradas.
Um ponto a notar a respeito do combate é ainda que se terminarem um turno com uma determinada arma/feitiço equipada/o, e se inimigos vos atacarem no seu turno logo a seguir, a vossa personagem irá ripostar com o/a feitiço/arma com que atacaram na vossa última jogada. Este é mais um elemento a que terão de prestar atenção. Usar uma relíquia contra um inimigo poderoso poderá não ser a melhor ideia se logo de seguida forem atacados por cinco outros oponentes mais fracos.
Julgo que, este que é um sistema que dividiu opiniões em Breath of the Wild, acaba por em Three Houses ser essencial para tornar todo o jogo e a relação entre elementos da narrativa e do combate mais coesos. Sendo que as relíquias têm significância para o enredo, é positivo que tenham também influência nas próprias mecânicas do jogo. No entanto, se estas não fossem limitadas de alguma forma, seriam demasiado poderosas e tornariam esta jornada num passeio pelo parque, sem qualquer obstáculo.
As três novidades referidas estão intimamente ligadas entre si. Se as Weapon Arts jogam perfeitamente com a durabilidade das armas, sendo ataques que nos conferem vantagens em troca de gastar mais durabilidade das nossas armas, a terceira novidade relaciona-se com a durabilidade das armas de um modo exatamente inverso.
Neste novo Fire Emblem, as nossas personagens são acompanhas por soldados (os seus batalhões). Esta novidade não apenas torna o jogo mais realista (afinal de contas, se estes estão numa academia de oficiais, e se a narrativa refere confrontos entre exércitos, estes não deverão de facto estar presentes, ao invés de apenas uma meia dúzia de personagens?), como introduz ainda novas mecânicas interessantes que, por sua vez, se enquadram bem com outros elementos do jogo.
Estes Battalions podem também ser recrutados no referido Marketplace, sendo que mais opções de recrutamento vão ficando disponíveis à medida que se vai avançando no jogo. Trata-se de tropas de vários tipos e de várias origens. Podem tanto ser membros dos Knights of Seiros (a ordem militar pertencente à ordem religiosa que venera e a deusa que lhes dá nome), como mercenários, membros do exército imperial (se escolherem as Black Eagles, como eu), etc.
Dentro destas várias fações, encontramos batalhões compostos por membros especializados numa determinada classe: estes tanto podem ser arqueiros, como espadachins, clérigos, entre outros. Dependendo do Battalion que escolherem, estes terão ataques diferentes, com alcances diferentes, ou poderão nem sequer atacar, mas antes dar um boost de velocidade e alcance (no sentido de maior capacidade de movimentação num turno) a outros membros da vossa party.
De nota, e aqui se liga com a durabilidade das armas, é o facto de que os Battalions têm o seu próprio limite de uso, pelo que são uma boa forma de atacar inimigos sem se gastar durabilidade de nenhuma arma. No Marketplace são facilmente repostos gastando-se uma quantidade ínfima de Gold (a moeda do jogo). Um ataque com um Battalion, a que se dá o nome de Gambit, no entanto, é no geral menos preciso que um ataque com uma arma, a menos que várias personagens se situem lado a lado, o que gera um Gambit Boost, tornando o ataque mais poderoso e menos provável de falhar o alvo.
O nome Gambit (gambito) é perfeitamente ajustado. Gambito é a estratégia de Xadrez em que uma peça é sacrificada, mais recorrentemente um peão, em prol de um determinado objetivo ulterior. Aqui, em certo sentido, sacrificamos os nossos «peões» de forma a que toda a unidade saia vitoriosa. Repor os nossos Battalions nada mais é, no fundo, do que contratar novos membros para os mesmos, no lugar daqueles cujas vidas se perderam anonimamente no campo de batalha. Sim, é algo negro, mas muito em Fire Emblem acaba por o ser se ficarmos a pensar tempo suficiente, afinal de contas, é um jogo de confrontos bélicos. Num pequeno aparte, é importante referir como o jogo não tenta esconder esta dimensão e nos mostra o quão uma realidade cruel subjaz a este título de apresentação um tanto colorida e leve. Por exemplo, quando partem na sua primeira missão contra pessoas verdadeiras, é recorrente os alunos expressarem o seu horror nas linhas de “mas o que acabei de fazer eu?! Matei uma pessoa!”. Há muitos outros casos que poderiam ser dados como exemplo, entre os quais as histórias de origem das personagens, com temas, em algumas delas, bastante pesados.
Aqui volto a chamar a atenção para Bernadetta, e de facto o exemplo anterior também não foi escolhido aleatoriamente. A personagem, como referido, lida com baixa autoestima e bastante ansiedade, e ficamos a compreender porquê devido à sua história de vida, que é uma das mais deprimentes (pelo menos na casa que escolhi). No entanto, se forem agora jogar Fire Emblem: Three Houses (e esta é a razão pela qual dei o exemplo de Bernadetta), e após terem desenvolvido laços com Bernadetta, façam uma breve pesquisa na internet pela censura de um dos diálogos da personagem. Pode parecer um pequeno detalhe, mas uma das falas da personagem foi alterada numa atualização após o lançamento, e exatamente aquela que se dá no momento em que o jogo nos transmite, de uma forma bastante crua e direta, informação crucial sobre como o passado de Bernadetta moldou a sua personalidade atual.
Fechando este breve parêntesis e voltando a tratar dos Gambit, menciono agora um dos elementos com os quais estes movimentos melhor se relacionam: as demonic beasts, que são literalmente bestas demoníacas. Não é a primeira vez que nos defrontamos com bestas num Fire Emblem – por exemplo, em Path of Radiance e Radiant Dawn confrontos contra quimeras eram recorrentes -, mas em Three Houses estes são verdadeiramente únicos. Embora os Laguz se transformassem em animais de grande porte mais poderosos, tal geralmente significava apenas que devíamos ter cuidados especiais com os mesmos, ou não permitir que se transformassem. Tal implicava adaptar a nossa estratégia, mas não um adotar de uma forma de pensar e de atacar radicalmente diferentes. Tal, no entanto, é exatamente o que ocorre com as demonic beasts em Three Houses.
Não irei especificar exatamente o que está por detrás do surgimento destas, mas em Fire Emblem: Three Houses irão defrontar bestas de grande magnitude (ocupam 4 tiles no terreno, que perfazem sempre um quadrado 2×2). De forma a que possamos sair vitoriosos (e sem grandes estragos) de um confronto com as mesmas, teremos de dominar um conjunto totalmente diverso de estratégias. Mencionando estas, chegamos à relevância especial dos Battalion: os seus ataques são tais que os nossos inimigos não podem ripostar. As demonic beasts são bastante poderosas, mas com um Gambit não poderão causar-nos dano no nosso próprio turno (o mesmo acontece se atingirem inimigos humanos). Com ataques normais e Weapon Arts, qualquer inimigo atingido pode sempre ripostar, desde que estejamos no seu alcance de ataque e, é claro, não sejam mortos com apenas um ataque. Estas condições igualmente se aplicam a estas bestas enormes.
Mas para além de não poderem ripostar, as demonic beasts ficam atordoadas após serem atingidas por um Gambit, o que permite a outras unidades atacá-las durante esse turno sem sofrerem qualquer tipo de dano em resposta. Os Battalions são por isso essenciais para defrontar este tipo de inimigos, ademais porque são difíceis de abater. Cada demonic beast tem pelo menos duas barras de vida (com frequência mais), assim como um escudo protetor que reduz de forma significativa o dano que sofre – e que pode ser quebrado justamente com um Gambit (embora dois ataques também possam fazer esse trabalho).
Penso que ficam assim esgotadas as grandes novidades de Three Houses no que toca ao sistema de combate. Já falando no que se mantém, se descrevesse tudo, nunca terminaria de os listar, a começar pela própria divisão do campo de batalha em diferentes quadrados ou tiles. Se já tiveram qualquer contacto com esta série, e tiverem em mente as novidades que referi em cima, irão ter uma noção já muito aproximada de como este último título na mesma se joga. Irei, por isso, apenas referir que uma das novidades introduzidas em Shadows of Valentia (referidas, aliás, na nossa análise ao mesmo, pela minha colega Carla Gonçalves) passou para este jogo, de forma praticamente inalterada. Falo de Mila’s Turnwheel, uma funcionalidade que permitia, neste último Fire Emblem da 3DS, recuar no tempo e evitar decisões que levaram à morte dos nossos combatentes, ou outro efeito indesejado. Neste novo jogo não estamos perante Mila’s Turnwheel, mas sim perante Divine Pulse. Funcionalmente, estas mecânicas são idênticas, simplesmente recebendo nomes diferentes por terem explicações diferentes no universo de cada jogo e desempenhando em cada um deles também uma função diferente.
Como prometido, agora passo a uma breve nota sobre a dificuldade de jogo. Embora, como tenha referido, o resultado final de todas estas adições e modificações seja bastante positivo e viciante, a verdade é que poderá ser um pouco fácil de mais, dependendo da dificuldade escolhida. O jogo conta, no momento em que escrevo esta análise, com três modos de dificuldade: Normal, Hard e Maddening (este último não estava incluído aquando do lançamento do jogo). Comecei a minha aventura na dificuldade Normal por já não jogar há algum tempo um Fire Emblem, e embora inicialmente tenha havido algum desafio por me estar a readaptar, rapidamente o jogo se transformou numa experiência nada desafiante, especialmente havendo sempre a possibilidade de recuar no tempo. De facto, esta mecânica acaba por ser especialmente tentadora se escolherem, como eu, jogar em modo Classic, isto é, o modo em que se mantém uma das características mais peculiares desta série: a de que as vossas personagens são permanentemente perdidas se morrerem em campo de batalha.
De facto, a baixa dificuldade deste jogo é um dos pontos mais frequentemente criticados no mesmo. No entanto, parece-me que, oferecendo agora três opções diferentes (na verdade, o próprio jogo indica-nos que a opção Hard é especialmente indicada para pessoas experientes no género), incluindo uma mais injusta e “enlouquecedora”, Three Houses não pode justamente estar sujeito a crítica neste ponto. Se forem novos no género ou apenas estiverem interessados no enredo, escolham o modo Normal; se forem fãs da série, comecem pelo modo Hard; e se, após o mesmo, quiserem investir mais neste jogo e defrontar um desafio, escolham o modo Maddening. Se são aficionados por esta série, com certeza quererão jogar mais do que uma campanha, pelo que mesmo que o Hard seja demasiado acessível, poderão sempre experienciar as restantes duas campanhas em Maddening. Todos têm uma opção que podem escolher e com a qual se podem divertir com este Fire Emblem.
Finalmente, passo à parte da apresentação, que, como referido, suscitou reações mistas em 2018. Primeiro, é de mencionar que em termos visuais, o jogo não é inteiramente consistente. Existem cinemáticas extremamente detalhadas e, embora relativamente raras, é necessário dizer que estão realmente muito bem executadas. Não há como distinguir algumas destas cinemáticas de cenas bem desenhadas de algumas das maiores produções de anime atuais. Por outro lado, muitos diálogos são-nos apresentados com os modelos in-game, pelo que é claro que a qualidade não será a mesma. Isto, no entanto, não é um problema em si. Mesmo nestes diálogos (imensos, como referi) as personagens são sempre animadas e respondem de forma orgânica às linhas de diálogo, por exemplo com diferentes movimentos, posturas, expressões faciais e… a sua expressão vocal.
Neste ponto chegamos a um dos maiores destaques de Fire Emblem: Three Houses. Todos os diálogos, todos, desde os que ocorrem nas cinemáticas, aos que mantemos com NPC’s completamente anónimos no mosteiro, são falados. Dada a dimensão ridícula deste título, o próprio projeto torna-se ainda mais impressionante, especialmente quando atentamos na qualidade das vozes e da sua adaptação ao jogo. Nota-se que houve um trabalho enorme dedicado a esta faceta do mesmo de modo a que cada interação ficasse natural e bem interpretada. E mais impressionante ainda quando notamos que o jogo inclui vozes tanto em japonês (pelas quais optei), como em inglês, ambas excelentes. Em Three Houses, no que toca às vozes, temos tanto uma enorme qualidade, como quantidade.
Algo que me costuma incomodar e afastar de jogos de enorme escala como este é que muitas personagens se sentem vazias, e mesmo o seu aspeto e a forma como interagem com o jogador não é convincente. Falo, por exemplo, de algumas personagens com diálogos pouco naturais em títulos open-world da Ubisoft, ou com um aspeto robotizado em tantos outros RPG’s. Foi, por isso, uma verdadeira e agradável surpresa constatar a enorme atenção que a Intelligent Systems dedicou a esta dimensão do jogo. De facto, refletindo neste ponto, é difícil de me ocorrer um título a que tenha sido dada tanta atenção neste quesito. É mesmo impressionante a qualidade que foi alcançada neste ponto num jogo destas dimensões, nesta plataforma.
Os cenários de batalha não são particularmente entusiasmantes, mas apesar de tudo não são, por assim dizer, algo de negativo. Limitam-se a ser competentes e a não diminuir a qualidade do todo, que brilha por outras razões. Não me parece justo apontar grandes defeitos a áreas menos polidas deste jogo em termos visuais, quando tal não é o foco, e o jogo não se fica muito atrás de outros lançamentos de grande escala na consola. Mesmo não sendo em certos pontos o jogo visualmente mais apelativo que encontrarão por aí, contém, ainda assim, uma série de detalhes interessantes que encontrarão ao explorar o mosteiro. De facto, num título como este, julgo mais importante notar como a apresentação visual se relacionada com a jogabilidade, o enredo e os sentimentos que o jogo está a transmitir, do que propriamente se nos faz ficar boquiabertos com a iluminação, jogo de cores ou texturas.
No que toca à forma como os vários elementos da apresentação se conjugam, Three Houses volta a ser bastante competente. E aqui embora possamos manter-nos no campo do visual, em que podemos mencionar como certos confrontos com grande carga emocional são pontualmente acompanhados por cenários que enfatizam essa dimensão, não há forma de deixar de referir a banda sonora deste Fire Emblem.
A música deste título é realmente muito boa, e consegue de uma forma impressionante capturar várias nuances emocionais. Um exemplo que me ocorre prontamente é a de como o jogo consegue distinguir, simplesmente pela sua música, um sentimento de mistério apenas como algo inquietante, mas sem qualquer conotação de tipo moral, associado a Sothis (uma personagem de que não revelarei quaisquer detalhes), de um sentimento de mistério que podemos catalogar como sinistro ou sombrio, a que geralmente se associa a perversidade, o engodo e meios ilícitos de alcançar certos fins, neste jogo ligado a personagens como Hubert e Lord Arundel. É difícil de transpor exatamente por palavras a distinção, mas basta ouvirem por uns meros segundos as faixas que tenho em mente e compreenderão automaticamente a que me refiro.
Ao redigir esta análise, ouvi isoladamente algumas das peças que compõem a banda sonora original deste jogo, e apenas mais se destacaram, e me fizeram recordar de quão bem-adaptadas estão aos vários momentos de jogo. Encontramos peças épicas que nos fazem sentir ainda mais imersos nos confrontos mais importantes da campanha; encontramos peças que nos transmitem um sentimento de paz e requinte, presentes enquanto partilhamos chá com outras personagens; encontramos peças que representam a paz que se vive no mosteiro fora de aulas e sem batalhas; peças que representam perda; peças que representam uma certa tonalidade de tristeza, mas também uma certa aceitação da mesma e da sua inevitabilidade; entre outras.
Todos estes comentários poderão parecer bastante pedantes, mas nunca é suficiente referir o quão impressionada fiquei com a apresentação em geral de Fire Emblem, mesmo que visualmente não seja dos jogos mais destacados da Switch.
Há, no entanto, que referir que nem tudo em Three Houses é perfeito, ou melhor, livre de problemas. Um pouco sem razão de ser, em certos momentos, de forma irregular, o rácio de fotogramas por segundo cai enquanto exploramos o mosteiro. Não é nada que prejudique a experiência de forma significativa, mas é algo que destoa do trabalho excelente que a Intelligent Systems e Koei Tecmo alcançaram em todos os restantes pontos. De igual forma, na apresentação, em alguns momentos, por exemplo em alguns cenários de diálogos de Support, o cenário parece-se dividir, criando um efeito bastante estranho e que se nota prestando-lhe atenção.
Opinião Final:
Fire Emblem: Three Houses é o exemplo perfeito de como passar uma série de uma consola portátil para uma consola doméstica e de alta definição. Pegando em vários elementos da série e transformando-os, assim como acrescentando vários novos elementos, este jogo sente-se, simultaneamente, como um Fire Emblem, um jogo pertencente a uma série que todos conhecemos e adoramos, mas também como algo genuinamente novo.
Toda a dimensão de Byleth (o nosso avatar) ser uma professora numa academia de oficiais no coração de um país num equilíbrio ténue me pareceu inicialmente um pouco duvidosa e com potencial para correr bastante mal, não se conjugando bem com as mecânicas características da série. É, no entanto, um dos vários pontos que torna este jogo tão bom de se jogar, tão viciante e, acima de tudo, vivo. O sistema social característico da série é enormemente expandido com esta adição, e está excecional. Igualmente, a exploração do mosteiro introduz uma bem-vinda pausa para relaxar entre os momentos mais intensos das batalhas e de planeamento estratégico.
Esta foi sem dúvida a análise mais difícil que tive de escrever até à data. É dificílimo manter em mente todos os pequenos detalhes que compõem esta rica experiência de dezenas de horas. Mesmo que tenham saltado diretamente para estas considerações, poderão constatar pelo tamanho da mesma a quantidade de pontos que foi necessário percorrer, mesmo que de forma breve. Mas, com um trabalho tão impressionante como aquele com o qual a Intelligent Systems e a Koei Tecmo nos brindaram, seria uma desfeita não dar a este título a atenção devida e fazer-lhe justiça.
Fire Emblem: Three Houses não é um jogo perfeito. É verdade que nos agarra (quase) de início ao fim, que nos apresenta um enredo complexo, credível e bem estruturado, um sistema de combate bastante divertido, um sistema social e de exploração incrivelmente executados. No entanto, esporádicas e breves quedas no rácio de fotogramas por segundo existem durante as secções de exploração do mosteiro. Similarmente, um ponto ou outro a nível gráfico poderia ter levado mais um toque, e a dificuldade Normal poderia gozar de uma curva mais íngreme de aprendizagem.
Se olharmos com atenção, no entanto, nenhum jogo é estritamente perfeito. Num título desta dimensão haver só estes problemas, e de forma tão diminuta… é realmente de espantar. Por esta razão, Three Houses leva de minha parte a nota máxima (em cinco anos, é o segundo jogo a que dou esta cotação). Se este não é um jogo para nota 10, então falho em ver que outro jogo o possa ser. Este é não apenas dos melhores jogos disponíveis na Switch, como é também, porventura, o melhor Fire Emblem de sempre, e um fortíssimo candidato a jogo do ano.
Do que gostamos:
- Explorar o mosteiro Garreg Mach é muito divertido;
- Toda a dimensão de darmos aulas numa academia traz imensas novidades que se conjugam bem com elementos clássicos de Fire Emblem e com a narrativa;
- Narrativa bem construída, com mistérios e reviravoltas que nos agarram ao jogo;
- Três campanhas distintas que se complementam e nos oferecem um total de cerca de 150 horas de jogo;
- Construção e desenvolvimento de personagens e das relações entre si;
- Vários momentos enternecedores dentro e fora do campo de batalha;
- Diálogos bem animados e todos falados, com um trabalho excelente de vocalização;
- Sistema de combate divertido mantém características da série, mas é também genuinamente novo;
- Música de fundo de enorme qualidade acompanha de forma extremamente harmoniosa o que se passa no ecrã;
- Integração online engrandece o jogo sem ser invasiva;
- Várias opções de dificuldade permitem que todos possam desfrutar de Three Houses à sua maneira;
- Cinemáticas de grande qualidade.
Do que não gostamos:
- Esporádicas quedas no rácio de fotogramas por segundo durante as fases de exploração;
- Modo de dificuldade Normal poderia ser mais desafiante;
- Alguns elementos da apresentação visual destoam da qualidade geral deste título.
Nota: 10/10