
Há jogos que nos agarram pela promessa, outros pelo espetáculo, e, raramente, alguns pelo modo como nos envolvem num ciclo emocional e visual quase hipnótico. Do estúdio que nos trouxe jogos como Sly Cooper, inFamous, e claro, Ghost of Tsushima, surge agora o Ghost of Yotei, que não procura reinventar o género de ação / aventura em mundo aberto, mas entende tão bem a essência do poder samurai, da beleza feudal do Japão e da sede de vingança da sua protagonista, que a experiência rapidamente se revela impossível de largar. A viagem começa com uma introdução quase cinematográfica, guiando-nos pela tragédia pessoal de Atsu, uma jovem samurai marcada a ferro e sangue pelo massacre da sua família às mãos dos Yotei Six. O plano é clássico: vingança, atravessando paisagens tão sublimes quanto perigosas, à procura de justiça, ou algo que se possa assemelhar, num mundo onde o justo, o honrado e o brutal coexistem.
Desde a primeira hora, a narrativa recusa-se a romantizar o código samurai: aqui, só importa o quanto Atsu está disposta a sacrificar em nome de uma justiça que nunca foi, para ela, uma escolha, mas sim uma condenação. A história, ainda que previsível no papel, cada um dos Yotei Six é o alvo a abater, sempre precedido por escaramuças, traições e longos silêncios, e que ganha vida pelo tom mais sombrio e pelas nuances da personagem. Atsu não é uma heroína pura, e nem quer ser. A raiva e o desejo até ao limite são palpáveis, e é essa dualidade, entre vingança e redenção, que prende o jogador. O elenco secundário reforça a atmosfera: Oyuki, fiel companheira, injeta sabedoria e questiona o caminho da sede de sangue, enquanto que a mãe de Atsu, evocada em flashbacks e nos temas musicais que embalam memórias de infância, serve como âncora emocional. Apesar do enredo raramente arriscar grandes desvios, pequenos momentos inesperados garantem que nos importemos com mais do que um objetivo frio, há espaço para a emoção, para o peso das escolhas e para cenas tão amargas quanto tocantes.
Mas é o mundo de jogo que domina qualquer conversa sobre Ghost of Yotei. Cada planície, cada bosque, cada topo gelado ostenta um detalhe visual apaixonante. Os campos densos de flores e a neblina matinal, onde a luz se desfaz em mil pequenas partículas, criam paisagens quase irreais. A sensação de déjà-vu é deliberada e poderosa, os bambus de corte, os passarinhos que aparecem para nos guiar subtilmente até locais de interesse, as termas que serve para um banho e reflexão e os covis de raposas a esconder segredos. São homenagens, sim, ao mundo já visto em Ghost of Tsushima, mas também recordações de quem jogou e criou laços com aqueles pequenos “rituais”. Mecanicamente, são estes detalhes que equilibram o ritmo, empurrando o jogador a explorar mais um canto, encontrar mais um segredo, sentir que o mundo é tangível e respirável.
Enquanto exploramos o mundo, a andar de cavalo, deparamo-nos com estas paisagens de cortar a respiração.
Há vida em Ezo, não por causa de uma densidade artificial de eventos, mas graças à envolvência dos acontecimentos aleatórios. Estar a cavalgar por uma estrada e deparar-nos com um grito de socorro, uma emboscada de bandidos ou até um assassino nas sombras que apenas quer garantir que a lenda de Atsu é curta, este é um mundo orgânico, onde o inesperado preenche o vazio entre missões principais. Nenhum destes momentos é forçado, há sempre a sensação de que estamos a reagir ao mundo e não a seguir um guião invisível. E sempre que se resolve ajudar alguém, ou se sobrevive a uma emboscada traiçoeira, cresce o sentimento de pertença e de realismo.
Quanto ao vasto cardápio de sidequests e objetivos secundários, Ghost of Yotei oferece variedade sem perder o foco. Muito como no seu antecessor, há histórias e missões que espelham culturas, dramas pessoais e escolhas morais, além de desafios tradicionais, desde duelos de honra, provas de destreza com bambus, caçadas ou tarefas quase mundanas que desaguam em surpresas agradáveis. Contudo, apesar do esforço para dar textura ao mundo, é impossível negar que algumas sidequests possa soar familiar ou até repetitivo. Ainda assim, são estes desvios que permitem respirar e absorver o ambiente, entre um confronto e outro.
A jogabilidade é o coração pulsante do jogo. O combate, já elogiado na nossa análise ao Ghost of Tsushima, atinge agora níveis de polimento e brutalidade raramente vistos no género. A ampliação do arsenal de armas, espadas, arcos, kusarigamas, shurikens e até pequenas surpresas inusitadas, não só oferece variedade, mas obriga à adaptação constante. O novo sistema de desarme, que permite retirar momentaneamente as armas a oponentes experientes, ou eles a nós, cria novas dinâmicas de tensão. Os duelos, destaque absoluto, misturam “dança” e ferocidade, com o soft lock-on a garantir precisão sem sacrificar o estilo. Os standoffs, agora potenciados para que possamos invocar o nosso lobo companheiro tocando shamisen, elevam a imprevisibilidade e o espetáculo. Isto não é só um combate, é quase um poema de sangue em movimento, ritmado, estiloso.
Os combates são desafiantes, mas nunca frustrantes, dando a sensação que cada encontro, cada batalha, é único, o que faz aumentar a imersão e divertimento que retiramos de cada duelo.
A personagem evolui organicamente, não só por melhorias de estatísticas, mas acima de tudo pela aquisição de novas habilidades e canções para o shamisen. Esta ligação entre progressão, música e exploração cria um fio condutor coeso: tocar a melodia certa pode guiá-lo, através do vento, a nascentes de água quente, as termas, melhorando a barra de vida, ou ajudar a encontrar colecionáveis e eventos raros, tornando o tradicional sistema de navegação em algo que faz parte do mundo e da cultura do próprio jogo.
Tecnicamente, Ghost of Yotei é, sem cerimónias, um prodígio. No modo gráfico, o ray tracing impressiona nos reflexos das poças, nas lâminas brilhantes dos katanas e nos céus tempestuosos onde as nuvens se rasgam pelo relâmpago. O modo performance, por sua vez, mantém-se ultra fluido a 60 fps fixos, seja a correr em campo aberto ou no meio de dezenas de inimigos. Não há quebras, só uma clareza visual de cortar a respiração. O resultado é um Japão feudal que, embora virtual, nos enche de vontade de parar apenas para admirar. O detalhe das folhas a flutuar, as pegadas na neve, o pólen a atravessar raios de luz, tudo reforça a sensação de um mundo vivo.
O ambiente, esse, é apoteótico. Quer se jogue no modo Kurosawa, a preto e branco, com áudio japonês, ou nos modos experimentais como o Takashi Miike, que exagera sangue e destruição, ou ainda o Watanabe, com beats lo-fi a acompanhar, há sempre a impressão de que estamos a jogar um filme interativo. O vento que guia Atsu não serve apenas para indicar o caminho: é uma personagem em si, moldando a atmosfera, carregando folhas, pétalas, pequenas partículas que ampliam o sentido de imersão.
A banda sonora merece uma atenção especial. Os temas tradicionais, que por vezes são intensos e noutros momentos mais suaves, ajudam a enfatizar cada emoção, desde o silêncio tenso antes de um duelo até à melancolia dos campos banhados pelo pôr do Sol. O som do shamisen é muito importante não só para a jogabilidade, mas também está sempre presente de forma quase invisível, como uma espécie de presença que faz parte da história. Quando a música e a ação do jogo se combinam, criam momentos muito intensos e envolventes, mostrando que tudo foi pensado para que som e jogo funcionem perfeitamente juntos.
Podem ver acima um gameplay do jogo Ghost of Yotei. Aproveita e subscreve o canal do Youtube para não perderes nenhuma novidade!
Opinião Final:
Quando uma pessoa tem um/a companheiro/a ao seu lado enquanto assiste ou joga, e ouve um “Uauuu, incrível”, daqueles genuínos e entusiasmados, é porque o jogo está a conseguir algo muito raro: surpreender, maravilhar, arrastar quem está a ver (ou jogar) para dentro deste universo. E Ghost of Yotei faz isso vezes sem conta, seja pela beleza avassaladora, pelo ritmo dos combates ou pelo simples prazer de explorar ao sabor do vento e da vingança. No fim, podemos dizer que esta obra não reinventa o género, mas refina-o, entrega-nos o melhor do que se espera de um épico samurai na PlayStation 5. E, por tudo isto, é um jogo que recomendo muito, quer seja pela nostalgia, pela adrenalina das batalhas ou pela busca de um sentido mais fundo na poeira do passado. Estas são as experiências Single Player de enorme qualidade que a Sony nos habituou ao longo das gerações PlayStation, do qual os fãs se apaixonaram e tanto querem, pelo que o foco neste tipo de jogos é uma aposta ganha. Ghost of Yotei é sem dúvida um dos melhores jogos de 2025.
Do que gostamos:
- A campanha é fantástica, com uma narrativa muito boa e acontecimentos que prendem a atenção do início ao fim;
- Personalidade de Atsu surpreendeu-nos pela positiva;
- Jogabilidade diversificada e muito bem afinada, que oferece várias formas de abordar combates e exploração;
- Mundo de jogo muito dinâmico, com eventos aleatórios que trazem vida e imprevisibilidade constante;
- Grafismo e banda sonora de luxo, que elevam a imersão e realçam a atmosfera japonesa feudal;
- Grande longevidade e replay value, com muitos segredos, side quests e atividades que mantêm o interesse por muitas horas.
Do que não gostamos:
- Às vezes a câmera fica desajustada durante os combates, quando há muitos inimigos;
- Modo Legends só disponível em 2026.
Nota: 10/10
Análise efetuada com um código PlayStation 5 cedido gentilmente pela distribuidora.
Informações adicionais:
Produtora: Sucker Punch
Editora: Sony
Data de lançamento: 2 de Outubro 2025
Preço do jogo base: €79,99
Página do jogo na PlayStation Store