Desde o ano longínquo de 2001 e em grande parte motivado pelas adaptações cinematográficas de Harry Potter (a saga literária para jovens pela mão da autora J.K. Rowling) a indústria dos videojogos ofereceu-nos cerca de uma década de adaptações videojogáveis das histórias e do mundo fantástico vividos na pele do rapaz que sobreviveu.
Todos os jogos de Harry Potter lançados até 2011 deram aos gamers a possibilidade de entrarem no seu mundo fantástico, explorarem os vários lugares dos livros e filmes, como a escola de Hogwarts, Diagon Alley, o banco de Gringotts, entre outros lugares. Mas, muitos destes lugares dependiam do que era a interpretação dos programadores de sítios que ainda não estavam devidamente concretizados na mente das audiências, e portanto, com exceção de alguns dos jogos da franquia como a Harry Potter e Ordem da Fénix (Harry Potter and the Order of the Phoenix) e Harry Potter e o Principe Misterioso (Harry Potter and the Half-blood Prince), que traziam uma versão realística de Hogwarts que podia ser explorada, o mundo fantástico de Harry Potter continuava à espera de ser descoberto.
Indo ainda mais longe, muitos fãs clamavam pela chance de poder entrar naquele mundo mágico não através da incarnação de uma das personagens dos livros e dos filmes, mas como eles próprios – uma alusão à ideia carinhosamente acolhida pelos leitores e audiência – de que um dia, a sua carta para Hogwarts haveria de chegar.
A 10 de fevereiro deste ano, tudo mudou, pois com o lançamento de Hogwarts Legacy da Avalanche Software, editado pela Portkey Games da WB Games, o mundo fantástico de feitiçaria de Harry Potter tornou-se acessível a todos aqueles que algum dia sonharam a sua própria aventura em Hogwarts e arredores.
Hogwarts Legacy é um RPG de ação, quer isto dizer que incarnamos a nossa própria personagem, completamente editável, e a mesma embarca numa aventura destinada a mudar o mundo da magia cerca de 100 anos antes dos eventos de Harry Potter. A nossa personagem inicia a sua história de uma forma um bocado peculiar, dado que vai para Hogwarts já no 5.º ano, por razões inicialmente inexplicáveis, sendo preparado para a sua viagem inaugural por um professor que é especialmente enviado para essa finalidade. Rapidamente se apercebe que é possuidor de uma capacidade rara entre os restantes feiticeiros, isto é, consegue ver e utilizar magia antiga. Todavia, existem elementos no mundo da magia que procuram essa mesma magia antiga para fins nefastos e cabe à nossa personagem, os seus amigos e professores que o/a rodeiam, de fazer face a esse perigo.
Pelo meio, como aluno em Hogwarts, a nossa personagem deve frequentar as místicas e icónicas aulas de magia, que podem ir desde a defesa contra as artes negras, encantamentos, divinação, até poções e herbologia, entre outras. As aulas cumprem um propósito ligado com a narrativa (quer na main quest como em side quests) pelo que não está presente nenhuma mecânica de gestão de agenda académica (como em Shin Megami Tensei: Persona 3, 4 ou 5). Ainda assim, com dezenas de feitiços por aprender, o tempo que vamos passar em aula ainda é considerável e deverá ser suficiente para que possamos viver a nossa fantasia de estudar em Hogwarts.
No que toca aos restantes elementos, como RPG de ação single-player, a nossa personagem irá seguir um enredo através da main-quest, que será sempre adaptada ao eventual desenvolvimento das side-quests, sendo que algumas não são opcionais. Por vezes, quando um professor nos quer dar uma tarefa, pede que aprendamos um novo feitiço, mas o professor que ensina esse feitiço deseja que cumpramos algumas tarefas secundárias para que possamos provar que conseguimos utilizar essa magia, e assim, o jogo entrelaça vários os tipos de quests num enredo complexo e variado. Seguidamente, sempre que cumpramos uma quest ou consigamos atingir um determinado objetivo presente no nosso field guide (o jornal do jogo) ganhamos experiência (xp), subindo a nossa personagem de nível. As recompensas são primariamente equipamento que pode ser utilizado, ou então equipamento de natureza meramente estética, que altera o aspeto do equipamento atualmente utilizado. Este é um elemento que o jogo poderia ter feito um esforço maior para explicar, dado que pode ser um bocado confuso ganhar uma peça de equipamento (como uma capa, por exemplo) que depois não aparece na secção do equipamento, isto pois tem de ser equipado através da utilização de um menu específico para se mudar o aspeto daquilo que temos atualmente no nosso corpo.
A nossa personagem tem 3 stats básicos: vida, ataque e defesa, que são alterados através da subida nível com aquisição de xp, ou então através da utilização de equipamento que sobe esses mesmos stats. Para além disto, todo o jogo adapta-se à nossa experiência, sendo que o nível dos adversários que vão aparecendo nunca estão muito acima/abaixo do nosso nível. Ainda assim, o jogo pode ser bastante desafiante, possuindo 4 nível de dificuldade, desde o modo dedicado apenas à história, até a um modo extremamente difícil.
No que toca ao combate, este é uma excelente surpresa, pois nunca foi tão divertido utilizar uma varinha para combater. Longe estão os dias em que o combate com varinhas mais se assemelhava a fps na terceira pessoa e foi adotado um sistema de combate estilo RPG. Todos os ataques são ranged, isto é, feito à distância, e a nossa personagem tem a capacidade de atacar normalmente (basic spell) ou então utilizar todo um conjunto de feitiços que vai aprendendo e que o vão ajudando nos combates. É possível combinar feitiços, mantendo os adversários no ar por forma a aumentar o dano causado aos mesmos. Admitimos que o combate pode não ser para toda a gente, mas ainda assim vale a pena experimentar, pois as mecânicas são divertidas e interessantes e rapidamente se torna bastante viciante entrar em duelos mágicos com outros feiticeiros e não só. Para além disto, a partir de certo ponto, o jogo abre skill-trees com a possibilidade de investir em diversos campos de magia antiga, para que a nossa personagem se torne mais apta na sua utilização e por inerência, nos combates.
Finalmente no que toca à exploração, Hogwarts Legacy traz consigo um mundo gigante, bem maior do que tudo aquilo que tivemos a oportunidade de ver e jogar até agora, dando-nos a oportunidade de sair do castelo e explorar tudo o que o rodeia (e não só), quer seja a pé ou então através de montadas mágicas que nos dão a oportunidade de atravessar o mapa mais rápido, no chão ou a voar. O mundo é mesmo muito grande e não podemos deixar de fazer aqui algumas comparações a outros RPG’s ocidentais que também nos ofereceram mundos enormes para explorar.
Graficamente, Hogwarts Legacy é um jogo muito bonito. A recriação absolutamente fiel de Hogwarts, Hogsmeade e todo o mundo da magia em redor é algo, pleonasticamente, mágico. O cuidado com os interiores e não só, dos edifícios, das salas comuns e os seus quartos, das salas de aulas e dos gabinetes dos professores, das lojas, dos vários recantos deste mundo, até mesmo da estação de comboios de hogsmeade e das placas lá presentes a apontar para Hogwarts e, no limite, da casa dos barcos e da pequena doca ao pé do castelo. É percetível o tipo dos materiais utilizado na construção do mundo e isso diz muito acerca do cuidado e do carinho com que Hogwarts Legacy foi construído. O jogo possui vários modos gráficos e outras opções relacionadas na plataforma onde o analisamos, a PS5. Nesta plataforma, o mesmo tem 3 modos: Performance, Fidelidade e Fidelidade com Ray-Tracing. Como já é sabido, performance ajusta a resolução para que o jogo corra em 60fps e ambos os modos de fidelidade procuram atingir a meta dos 30fps, sendo que fidelidade com ray-tracing tem dificuldades em manter esta resolução. Para aqueles que têm monitores que conseguem chegar aos 120hz (estamos a olhar para ti Panasonic Momentum cuja análise está mesmo, mesmo a sair), o modo performance balançado reduz os fps para 40 mas a fluidez do painel mais que compensa para essa redução e finalmente um modo HFR performance, que reduz tudo para ser possível chegar aos maiores framerates aproveitando-se da fluidez do painel. É possível ainda mexer com outros settings tipo HDR, motion blur, depth of field, chromatic aberration e grão na imagem.
A nível musical, o compositor devia ser um enorme fã de John Williams, dado que conseguiu importar, não só os temas mais conhecidos da franquia, como uma inspiração dos mesmos e até de outros timbres e instrumentos classicamente utilizados pelo famoso compositor noutras franquias. É notório o som clássico dos brass instruments em alguns combates, com alguns laivos de dog fight de Star Wars. Aliás, para aqueles com um ouvido mais cuidado (e também mais velho), poderão notar alguns temas interessantes, com uma certa loja de poções em Hogmeade a ter uma escala muito semelhante ao interior da Unseen University em Discworld (lançado em 1995, também um jogo sobre um mundo mágico).
Todo o Hogwarts Legacy é uma carta de amor aos fãs, mas não só, aliás, é um excelente ponto de entrada na franquia de Harry Potter e do seu Wizarding World, sendo depois mais fácil para aqueles que passam as portas de Hogwarts pela primeira vez, para lá do Black Lake, conhecer não apenas a história fantástica sobre o rapaz que sobreviveu e que mudou o mundo da magia, mas também do investigador apaixonado pelos Monstros Fantásticos e todo o potencial que aquele mundo ainda oferece.
Pois no final de contas, independentemente do momento que se vive no nosso mundo, independente do barulho e da confusão que reinam nos nossos tempos, haverá sempre aquele outro mundo mágico para além de uma parede solida e dura, um mundo que milhões de fãs todos os anos celebram e cuidam carinhosamente nas suas memórias, aguardando pelo dia em que são chamados para nele entrar.
Esse dia chegou!
Opinião Final:
Hogwarts Legacy é o jogo que todos estamos à espera e que finalmente chegou. Conta com uma recreação perfeita do mundo fantástico de Harry Potter que pede para ser explorado. Além disto, é um RPG muito competente e divertido, que nos entrega aquilo que promete, ser um aluno em Hogwarts. É um jogo obrigatório para os fãs de Harry Potter e altamente recomendado para todos os fãs de RPG.
Do que gostamos:
- Recreação perfeita de Hogwarts e do mundo em seu redor;
- Excelente distribuição de quests com oportunidade para descobrir coisas sobre este mundo a cada canto;
- Excelente sonoplastia.
Do que não gostamos:
- Podia ser distribuída xp com base apenas em combates;
- O jogo é um bocado confuso no que toca à utilização de equipamento meramente estético.
Nota: 10/10
Análise efetuada com um código PlayStation 5 cedido gentilmente pela distribuidora.