Mafia: Definitive Edition – Análise

 

Já se passaram uns bons aninhos e confesso que já tinha saudades de conduzir pelas ruas de Lost Heaven ao som de The Mooche. A Hangar 13, responsável por Mafia III, deu-nos o prazer de o podermos voltar a fazer, mas de todo um modo renovado. No entanto, depois do caos que foi o lançamento das Definitive Editions dos outros títulos da série, é normal que os fãs tenham ficado de pé atrás. Eu sei que fiquei. Mas bastou pegar no volante de um dos carros da década de 30 para me esquecer de todas as minhas reservas e simplesmente desfrutar da viagem.

Admito desde já que a minha memória estava um pouco enferrujada. Tinha a sensação de que o Mafia original oferecia muito mais liberdade de exploração, que era mais um clone de Grand Theft Auto, mas com um cenário original. Mas na verdade, a Hangar 13 acabou por nos dar aquilo que sempre tivemos, uma experiência bastante linear (ainda que baseada no molde GTA), mas com uma história que, apesar de não trazer nada de novo no que toca às narrativas mafiosas, ainda é uma referência nas memórias de muitos jogadores.

Para aqueles que chegaram agora a Lost Heaven, em Mafia é-nos apresentada a história de Tommy Angelo, um taxista e cidadão normalíssimo que trabalha mais do que aquilo que recebe, mas que um dia se vê obrigado a servir de condutor de fuga para um par de mafiosos. A recompensa revela-se tentadora e rapidamente Tommy acaba por se envolver com a família do capo Salieri. Como seria de esperar, nem tudo o que luz é ouro e rapidamente Tommy se vê obrigado a fazer coisas que obviamente o perturbam e começa a perceber que um dia será a vez dele de ser afastado à força da família… provavelmente para um caixão.

Nem num funeral se pode ter sossego.

A história não é nada de novo e é algo que já nos foi contado várias vezes em outros tipos de media, mas Mafia impressionou-me na altura pela sua qualidade cinematográfica. Hoje em dia temos vários jogos que já são construídos com esta visão, mas Mafia, e principalmente a sua sequência inicial e o seu final, deixaram-me uma memória impressa que ficará aqui para sempre.

Como já referi, apesar de ter a aparência de um open world, a Hangar 13 seguiu a linha do original e dá-nos aqui uma experiência que obriga o jogador a focar-se na história, ao invés de se dispersar a explorar a cidade de Lost Heaven. Isto tem o seu lado positivo e negativo. Por um lado, numa época de open worlds com tanto para fazer que se tornam aborrecidos, é bom ter um jogo mais focado e com menos palha para maçar o jogador (como Mafia III). Por outro, a jogabilidade e as missões continuam a obrigar o jogador a conduzir muito. Mas mesmo muito. Mesmo ao irmos apenas do ponto A ao ponto B, é fácil ficarmos deslumbrados com a atenção ao detalhe. Comparando com o original, as ruas têm muito mais vida e muito mais pequenas coisas que nos remetem para a década de 30.

O lado negativo é o facto de que, ao não existir muita motivação para explorar a cidade, para além de seguir os objetivos de cada missão, não existe muito para fazer para além do modo história. É certo que podemos dedicar-nos a colecionar carros (aos quais podemos depois aceder na nossa garagem) ou outro itens colecionáveis como livros pulp, revistas, entre outros, mas nada verdadeiramente palpável que adicione à experiência da história e das suas personagens. Assim, Mafia é na sua essência um cover shooter bastante linear. No original, as mecânicas de combate não eram as melhores e o jogo era notoriamente difícil, não só pelo combate, mas também pela condução absolutamente atroz. Isto foi melhorado através da inclusão de um sistema de combate similar ao de Mafia III e deram-se ainda largas melhorias à mecânica de condução dos veículos.

É um absoluto prazer conduzir pelas ruas de Lost Heaven.

Relativamente ao combate, apesar de termos várias armas à disposição, raramente senti muita necessidade de andar a trocar. Sim, usar uma caçadeira é diferente de uma pistola ou metralhadora, mas não existem muitos momentos em que sentimos efetivamente necessidade de trocar entre armas para levarmos uma missão a bom porto. Os inimigos estão constantemente a mover-se, a tentar flanquear-nos, fazendo com que não sintamos como se estivéssemos numa galeria de tiro, como pode acontecer em jogos com este tipo de mecânicas. Não é terrivelmente complexo, mas é satisfatório o suficiente para não nos sentirmos aborrecidos por lá vir mais uma sequência de tiros. Adicionalmente, é possível combatermos corpo a corpo. Mais uma vez, é simples, mas mil vezes melhor que no original, fazendo uso de um contra-ataque através do botão triângulo (devidamente assinalado no momento certo) e posteriormente atacando com o círculo. Se formos bem sucedidos, somos presenteados com uma sequência em que Tommy deixa o seu inimigo K.O.

A condução foi também largamente melhorada, não só pelo aumento da largura das ruas de Lost Heaven, mas também no próprio manuseamento dos veículos, que está bem melhor e mais amigável. Bem, conduzir um carro em Mafia continua a ser uma tarefa dos demónios e parece que estamos a conduzir um carrinho de compras com uma roda estragada, mas já não me vejo tentada a atirar com o comando pela janela naquela malfadada corrida. Muitos dos puristas provavelmente quererão selecionar as opções que mantêm algo muito característico do original, nomeadamente as reações da polícia a uma condução um pouco mais errática. Se conduzirem acima do limite de velocidade, se passarem um sinal vermelho ou se andarem a fazer a festa em cima dos passeios, preparem-se para uma multa… ou uma reação mais agressiva por parte da polícia. Ao contrário do jogo original, estas mecânicas tão características são opcionais, permitindo ao jogador adaptar a experiência ao seu gosto. Adicionalmente, no que toca à dificuldade, é possível também adaptar a experiência e optar por um modo “clássico”, que traz de volta a impiedade do jogo original.

No que toca aos gráficos, a minha reação divide-se em deslumbramento e um franzir de sobrolho. Basta pegarem num qualquer carro e começarem a passear-se por Lost Heaven para perceberem o trabalho maravilhoso que a Hangar 13 fez. Os reflexos no tejadilho do carro, as poças de água quando está a chover, os faróis de um camião parado numa quinta remota à noite… tudo cria um ambiente carregado de atmosfera, dando toda uma qualidade cinematográfica à experiência. Os modelos das personagens estão notoriamente melhorados (ou não estivéssemos a falar de um remake de um jogo de 2002) e as suas feições estão bastante alteradas, principalmente em algumas das personagens. E é aqui que o jogo me perde, não por ser demasiado fã do aspeto das personagens clássicas, mas porque parece existir alguma falta de consistência na qualidade dos modelos. Se em algumas cutscenes, os mesmos são impressionantes com o quão expressivos e vívidos são, em outros momentos parecem bonecos de plástico ou plasticina que me deixam a encolher-me no meu lugar. Felizmente, os momentos impressionantes são mais frequentes e não quebram a imersão na fantástica história.

Tommy Angelo está com ótimo aspeto… mas fica ainda melhor calado.

Ao recrearem as personagens, a Hangar 13 manteve a história largamente inalterada, mas rescreveu o argumento, e ainda bem o que fez. Os diálogos são mais naturais, as personagens mais vivas e bem caracterizadas. Os novos atores que dão vozes às personagens são também um dos grandes motivos para esta melhoria, permitindo ao jogador relacionar-se e criar mais empatia com a história de Tommy e com as personagens da sua vida. Um dos grandes exemplos é Sarah, a eventual esposa de Tommy, que no original não passava de um apontamento, uma referência com pouca relevância, mas que nesta versão foi muito mais humanizada. Estas alterações acabam por se refletir também em algumas missões e na sua estrutura, com o foco na caracterização não só do mundo, mas do ambiente e também das próprias personagens, através de alguns pequenos momentos que estavam ausentes no original. Muitos fãs manifestaram algum desagrado com algumas das alterações visuais e vocais, mas confesso que na sua grande maioria gostei e acho que melhoram a experiência… à exceção da voz de Tommy. Por algum motivo, Tommy passou a ter uma voz com uma inflexão do estereótipo do mafioso italiano, do wise guy, acabando por torná-lo demasiado numa caricatura e acabando por ser prejudicial para a empatia dos jogadores para com Tommy e a sua história.

Para quem quiser um pouco mais de Lost Heaven, têm acesso a um modo Free Ride, disponível após completarem o primeiro capítulo do modo história. Para aqueles que têm de completar absolutamente tudo, aqui podem perder todo o tempo do mundo a brincar com os carros da vossa garagem, a encontrar os itens colecionáveis e até algumas missões secretas que vos permitirão desbloquear novos veículos.

Mafia: Definitive Edition pode por vezes parecer um jogo um pouco parado no tempo, principalmente por não seguir as tendências dos jogos atuais. Apesar de ter um mapa e toda uma cidade ao dispor dos jogadores, contenta-se na sua maioria em contar uma boa história. A jogabilidade não é demasiado complexa mas está envolta numa excelente experiência de um jogo que definitivamente precisava de um face lift, podendo e devendo ser apreciado pelos jogadores de hoje.

 

Opinião Final:

Com melhorias não só visuais, mas também na jogabilidade e até na forma como a história é apresentada, Mafia: Definitive Edition é exatamente aquilo que diz no seu título, a melhor forma de experienciar aquele que é sem dúvida um clássico.

Do que gostamos:

  • Lost Heaven é um céu pecaminoso onde não nos importamos de nos perder;
  • Largas melhorias na jogabilidade ao nível do combate e condução;
  • Variedade de opções para cada jogador adaptar a sua experiência;
  • Alterações no argumento e em algumas cenas tornam a experiência ainda mais cinematográfica.

Do que não gostamos:

  • Estrutura de open world pouco utilizada;
  • Lost Heaven é uma cidade tão detalhada que merecia mais missões que permitissem aos jogadores explorá-la a si e aos seus habitantes.

Nota: 8/10