Mutant Year Zero: Road to Eden – Análise

Os jogos de estratégia por turnos similares a XCOM estão bem de saúde, e a conquistar mais fãs. Se por um lado Mario + Rabbids: Kingdom Battle expandiu o público alvo com um tom mais familiar e adaptando para um jogo deste género um universo icónico (porventura o mais icónico na indústria dos videojogos), Mutant Year Zero: Road to Eden, lançado no final de 2018 para PC, PlayStation 4 e Xbox One  e em 2019 para a Nintendo Switch pela Funcom e desenvolvido pelo estúdio sueco The Bearded Ladies, diferencia-se por nos apresentar um mundo pós-apocalíptico habitado por… adivinharam, mutantes.

Apesar da sua curta duração face a outros títulos do género, com uma campanha que ronda as 13 horas de jogo (tudo depende, no entanto, da vossa agilidade mental e da dificuldade escolhida), Mutant Year Zero compensa pelo seu enredo e world-building, assim como pelos elementos que adiciona à base dos jogos de estratégia por turnos – stealth e elementos de RPG – que o tornam num «Tactical Adventure Game».

A estória é contada ao jogador por meio de imagens fixas ao estilo de banda desenhada, em que os diálogos são apresentados com balões (pensem em Gravity Rush e terão uma ideia aproximada), assim como pelos diálogos que as personagens que controlamos vão mantendo enquanto exploram a The Zone. No universo de Mutant Year Zero o planeta Terra foi arrasado tanto por uma epidemia, como por uma guerra nuclear, tendo-se tornado numa zona bastante perigosa mesmo de apenas se explorar, e completamente inabitável. Como tal, os sobreviventes (que são todos mutantes) viram-se na necessidade de criar uma espécie de colónia segura numa posição elevada, a The Ark, que é também o único local em que perdura, até certo ponto, a civilização.

A escassez de recursos é uma constante em vários universos pós-apocalípticos, e o de Mutant Year Zero não é exceção. Tal obriga a que alguns dos mutantes que habitam a The Ark, os Stalkers, tenham como responsabilidade sair deste ponto seguro em missões cujo objetivo é recolher recursos preciosos para a comunidade. A The Zone, contudo, está repleta de Ghouls, mutantes violentos que adoram a velha civilização,  e outros perigos, o que torna as excursões dos Stalkers particularmente perigosas e limita o seu campo de ação, uma vez que estes não se atrevem a deslocar-se muito para Norte. Esta circunstância por sua vez torna a vida mais difícil e preocupante para os habitantes da The Ark. Com circunstâncias tão difíceis e um futuro incerto, começa a surgir entre os mutantes desta comunidade rumores de que para Norte existe uma zona livre de ghouls e com recursos abundantes, a qual designam por Eden.

O último reduto da civilização

No início da nossa aventura pela The Zone, ficamos a saber que Hammon, um Stalker com um conhecimento técnico impressionante e graças a quem os sistemas essenciais da The Ark se mantêm a funcionar, está desaparecido há alguns dias, assim como a restante equipa de Stalkers que levou consigo. Os mesmos acreditam que uma luz que viram a cair mais para Norte contém a chave para chegar ao Eden e, como tal, avançam numa expedição mais para Norte do que qualquer outra anterior. Como poderão ter adivinhado pelo subtítulo do jogo – Road to Eden – é essencialmente esta jornada que nos é proposto explorar em Mutant Year Zero. No papel de Dux Boarmin, respetivamente mutantes pato e javali, devemos seguir o rastro à equipa de Hammon, enquanto que vários mistérios pairam: será que o Eden existe?; o que era afinal o objeto que Hammon e a sua equipa observaram?; porque estão os ghouls a ocupar áreas cada vez mais a Sul e próximas da The Ark?.

Aquela que vos descrevi até agora é a parte mais positiva de Mutant Year Zero: Road to Eden, e o que essencialmente o coloca num lugar de destaque face a outras propostas neste género. O enredo e o mundo em que o mesmo decorre são credíveis e muito interessantes. Nota-se que foi dada grande atenção aos detalhes, com diálogos e pequenas referências que fazem todo o sentido dadas as circunstâncias. O meu exemplo preferido é o de que, dado o conhecimento da antiga civilização ter sido largamente perdido, quando BoarminDux encontram objetos para nós completamente corriqueiros, começam a especular sobre o propósito desses itens na sociedade pré-apocalíptica. As especulações, claro está, falham sempre a marca, mas tal torna estes momentos bastante engraçados, especialmente dado que estas especulações passam a figurar mesmo na própria descrição dos objetos no nosso inventário.

Se procuram um desafio neste género, Mutant Year Zero é o jogo para vós.

Mas se o enredo cumpre, por outro lado a conjunção das mecânicas incorporadas neste jogo já não funciona tão bem. Em teoria, este título encontra-se naquele conjunto de jogos que reforça a liberdade de o jogador decidir como abordar os confrontos com inimigos, sendo que em princípio poderiam escolher entre uma abordagem mais frontal, ou optar por sorrateiramente eliminar os inimigos um a um com armas silenciosas sem que os restantes notem e se inicie um fogo aberto entre os dois grupos. A realidade, no entanto, é que acabarão por necessariamente ter de optar por uma abordagem mais furtiva. Mesmo na dificuldade Normal (a mais baixa), tentar iniciar um confronto sem primeiro eliminar alguns dos inimigos e conseguir um bom posicionamento no mapa é suicídio. Assim, caso queiram dar a este jogo uma hipótese, terão que ter em mente que o elemento de stealth não é opcional e, por isso, terão que considerar quanto é que gostam de títulos em que devem ter uma aproximação furtiva.

Que Mutant Year Zero: Road to Eden acabe por depender tanto desta mecânica não é, por si, um problema. No entanto, a conjugar com o desafio que o jogo apresenta, e a facilidade com que um pequeno erro pode revelar a posição da nossa equipa, acabei por me deparar com um jogo em que o verdadeiro desafio não era tático, ao estilo de XCOM, mas quase completamente furtivo. Pondo a questão de forma simples: ora conseguem completar a fase furtiva inicial de forma bem-sucedida, e terão apenas de eliminar os ghouls restantes sem praticamente qualquer dificuldade; ora acabam por falhar na fase furtiva, e, sendo descobertos, acabarão por ora ser arrasados pelos inimigos, ora levados a uma perda de recursos tal que vos dificultará imenso a vossa vida futura. Senti, assim, uma falta de equilíbrio nos momentos de combate deste jogo e que poderá desapontar aqueles que investirem neste jogo à espera essencialmente de um XCOM com alguns elementos de stealth.

Explorar os vários cenários com os nossos mutantes acaba por ser estranhamente divertido

Mas se o combate é algo frustrante e foge um pouco ao que pessoalmente esperava dele, os momentos entre os confrontos com ghouls surpreenderam-me. A apresentação visual deste mundo pós-apocalíptico é de grande qualidade, o que torna bastante atrativos os momentos em que exploramos as várias áreas da The Zone à procura de loot. Conjugada com bons diálogos e situações caricatas como a que mencionei, estas fases de exploração em que procuramos por armas, acessórios, artefactos e outros recursos importantes tornaram-se rapidamente nos meus momentos preferidos em todo o jogo – o que, por um lado, é algo de positivo, mas que, por outro, me fez relembrar o quão aborrecidos poderiam ser os momentos de combate.

Finalmente, os elementos de RPG que encontramos aqui acabam por se mostrar competentes, mas passam largamente despercebidos, especialmente no contexto de uma indústria em que muitos dos jogos que nos chegam às mãos implementam sistemas como árvores de habilidades, de níveis para as personagens e de melhorias para as armas. No essencial, são exatamente esses os sistemas que encontrarão neste título. Estes permitem uma personalização da equipa e uma adaptação, até certo ponto, da mesma ao estilo próprio de cada jogador, mas não esperem encontrar aqui nada de novo: trata-se simplesmente de mais uma aplicação de sistemas que já provaram o seu valor e alcance.

Melhorar e personalizar a equipa é muito satisfatório, mas não traz nada de novo

Opinião Final:

Baseado num jogo de tabuleiro de mesmo nome, Mutant Year Zero apresentou-se como uma experiência refrescante no género dos jogos táticos como XCOM, em especial devido ao seu enredo, world-building e elementos de stealth. Quanto ao mundo de jogo, o estúdio sueco responsável por este título, The Bearded Ladies, cumpriu perfeitamente com as expectativas, apresentando-nos um universo credível e rico em detalhes deliciosos que nos fazem querer explorar cada canto do mapa.  A este associa-se ainda uma trama intrigante que nos faz querer chegar ao final da narrativa. Infelizmente, os momentos de confronto poderão, devido a um nível de desafio elevado e a alguma falta de equilíbrio, ser para muitos obstáculos algo frustrantes ou aborrecidos a bloquear a progressão e que acabam por diminuir a experiência no seu todo.

Do que gostamos:

  • Mundo de jogo fascinante e único, com personagens e situações credíveis;
  • Explorar o mapa à procura de recursos é bastante divertido;
  • Apresentação visual e artística de grande qualidade;
  • Sistemas de progressão competentes e bem implementados, mesmo que não tragam nada de novo;
  • Enredo que nos deixa com vontade de querer saber mais e mais até ao final do jogo.

Do que não gostamos:

  • Falta de equilíbrio entre os sistemas de stealth e tático resultam em momentos de combate desapontantes;
  • Desafio elevado sem opções para tornar a experiência mais acessível e unforgiveness nos momentos que requerem furtividade poderão tornar a experiência de jogo frustrante para os que não são fãs dedicados deste género de jogo.

 

Nota: 7,5/10