Esta análise foi escrita por mim (Francisca Silva), em colaboração com o meu colega Rodrigo Carneiro. O género soulslike não é de todo o meu ponto forte, pelo que a análise teve por base as experiências de jogo do Rodrigo, o qual tem grande experiência com o género, assim como conhecimentos em relação aos contextos histórico e mitológico de Nioh 2. A meu cargo ficou a averiguação da qualidade técnica da versão para PC. O jogo foi testado num computador portátil Lenovo Legion 5 (com processador Ryzen 7 4800H, placa gráfica Nvidia RTX 2060 de 6GB e com 16GB de RAM).
Lançado em 2017 Nioh transformou-se rapidamente num dos marcos do género soulslike, com uma dificuldade exigente, um estilo de combate que requer pensamento estratégico, e um cenário que cativa muitos jogadores: o do período feudal japonês, com a sua mitologia muito própria. Quando o segundo título nesta série, Nioh 2, foi lançado, em 2020, já este género tinha visto o lançamento de um quase sem número de outros títulos, produzidos quer por grandes equipas com grandes orçamentos, quer por pequenas equipas indie, às quais o que por vezes faltava em orçamento, sobrava em termos de paixão. Neste novo enquadramento, é importante averiguar se esta sequela consegue manter esta franquia no mapa, destacando-se de outras ofertas.
Quando falamos de jogos soulslike, uma das primeiras questões que se colocam a potenciais compradores diz respeito à dificuldade. Se por um lado estes são jogos conhecidos por serem exigentes, sendo essa característica um dos principais pontos atrativos deste género, por outro quando falamos de jogos conhecidos pela sua dificuldade elevada, surgem receios de investir numa experiência que o jogador não poderá realisticamente seguir até ao fim, por diversos motivos (dois exemplos são falta de tempo suficiente para repetir vezes sem conta um mesmo desafio, ou dificuldades motoras e falta de acessibilidade nas opções de controlo disponíveis). Outro ponto relacionado com o da dificuldade é o de se esta é justa: quando falhamos em concluir de forma bem-sucedida um desafio, tal é sentido pelo jogador como sendo por sua “culpa”, ou como sendo “culpa” do jogo?
Aqui não vamos mentir: Nioh 2, tal como outros jogos do género, é impiedoso. Caso a proposta de jogos “difíceis mas recompensadores” não vos seja chamativa, este não será um jogo para vós. Ainda assim, Nioh 2, tal como o seu antecessor, é das experiências mais acessíveis para quem se quer começar a aventurar pelos soulslike, em comparação com outras ofertas populares, como Sekiro: Shadows Die Twice ou Bloodborne. Tal como em outros jogos do género, aprender o moveset dos inimigos é fulcral para levar avante a nossa jornada, assim como conseguir encontrar um estilo de jogo que se adapte à nossa própria forma de jogar. Apesar de os desafios serem bastante exigentes, no geral sentimos que a experiência não é por si injusta, e que é sempre possível superar as dificuldades com determinação e paciência suficientes.
Logo no início do jogo, Nioh 2 dá-nos a opção de escolher duas armas de curto alcance, e mais tarde teremos ainda de selecionar uma terceira, de longo alcance. O jogo original continha 9 armas diferentes, mas com o lançamento dos conteúdos adicionais, incluídos na Complete Edition que aqui analisamos, mais 2 passaram a estar disponíveis. Cada um destes tipos de armas tem características que as distinguem umas das outras – por exemplo as lanças permitem maior alcance, ao passo que a Katana e a Tonfa são armas de menor alcance, mas mais leves e versáteis. À medida que vão progredindo na jornada, o que é uma novidade face ao primeiro jogo, os inimigos que derrotarem irão fazer drop de armadura e armas, pelo que podemos continuamente ir explorando qual o estilo de jogo que melhor se adapta à nossa própria forma de jogar.
Apesar desta versatilidade, Nioh 2 encoraja a que consigam perceber que estilo melhor se adequa a vocês na primeira metade do jogo, uma vez que ao usarem determinadas armas, a vossa personagem vai ficando mais experiente no uso das mesmas, o que efetivamente corresponde a que possam ganhar skill points que podem gastar de forma a conseguir executar novos movimentos com as mesmas. Desta forma, e ao contrário de jogos como Sekiro, nota-se uma evolução notória da personagem desde o início do jogo, sendo que após um choque inicial com os sistemas de jogo, em que ainda não sabemos bem o que fazer, o jogo se vai tornando progressivamente mais manejável.
As nossas opções em Nioh 2, no entanto, não se reduzem a armas de curto e longo alcance. Uma mecânica importante que qualquer jogador terá que dominar é o uso das habilidades ninja e da magia Omnyo. As primeiras correspondem a objetos mais físicos, como bombas que causam certos efeitos, pedras que podem ser arremessadas a inimigos, shuriken, kunai, etc. Já a magia Omnyo, como o nome indica, está associada a técnicas mágias, como selos que aumentam a defesa ou o ataque, ou selos que podem paralizar os inimigos durante um certo período de tempo. Estas magias serão especialmente importantes em confrontos com bosses, em que aumentar o dano causado pelos nossos ataques e paralizar o nosso inimigo é fundamental.
Esta variedade de instrumentos está igualmente associada a mecânicas de combate também elas complexas. Por exemplo, a personagem tem 3 stances, correspondentes à altura e forma de como segura nas suas armas – a high stance que é particularmente indicada para disferir ataques poderosos contra os humanos e yokai que vão defrontando; a mid stance mais focada na defesa; e a low stance, em que terão uma mobilidade maior mas os ataques farão menos dano, o que por outro lado torna mais fácil esquivarem-se dos ataques dos inimigos. Ao realizarem determinadas ações, irão consumir stamina, ou Ki, como é designada no jogo, pelo que terão também de ter atenção a como controlam a vossa personagem, de forma a que esta não fique vulnerável. Por outro lado, após atacarem inimigos, premindo o botão de defesa no momento certo, poderão recuperar algum do Ki que dispenderam, o que será fulcral em momentos mais intensos. Dependendo de quão bom for o timing em premir este botão, maior será a quantidade de Ki que recuperam.
Outra novidade em termos de jogabilidade prende-se com o facto de que agora já não controlamos uma personagem pré-determinada, William Adams, e que não é sequer humana, mas sim um(a) Yokai. Tal permite uma maior variedade em termos de jogabilidade, com técnicas próprias da personagem que podemos ir modificando e que dependerá igualmente de uma escolha por qual Guardian Spirit queremos que nos empreste a sua força. No primeiro Nioh, por outro lado, William Adams era simplesmente ajudado por estes espíritos, não tendo ele próprio quaisquer poderes fantásticos: tratava-se de um simples samurai.
Infelizmente, este ganho em termos de variedade no que toca a poderes e formas de jogar trouxe consigo perdas em termos da estória. Ambos os jogos Nioh têm uma estória bastante rica, e esta é claramente um dos focos de ambos, especialmente dada a sua ambientação e quão rica é a mitologia japonesa. Um pouco como analogia, podem pensar em Ghost of Tsushima como sendo um jogo que nos pretende levar a experienciar o Japão feudal histórico, ao passo que Nioh e Nioh 2 nos tentam levar a explorar o mundo dos mitos e crenças desse mesmo povo e tempo histórico. Por isso mesmo, uma estória coesa com um ambiente tão rico ganhou e muito com a presença de um protagonista fixo, com uma personalidade própria e que intervém diretamente na mesma. Nesta sequela, no entanto, é dada ao jogador a liberdade de criar a sua própria personagem. Tal seria, em princípio, um ponto positivo. No entanto, o desenrolar do enredo do jogo deixou-nos com a sensação de que o mesmo se poderia ter desenrolado exatamente da mesma maneira quer a nossa personagem estivesse lá ou não. Nem todos os jogos precisam de opções de criação e personalização de personagens, e Nioh 2 teria tido bastante a ganhar com um enredo em que o protagonista participasse de forma mais ativa.
Aqui outro ponto em que se nota que poderá ter sido uma má decisão incluir esta opção em Nioh 2 prende-se com a fidelidade audiovisual. Em muitos momentos Nioh 2, apesar dos seus tons frequentemente escuros, criando uma sensação de perigo, mistério e desolamento, é visualmente deslumbrante, cativando-nos com os seus gráficos. No entanto, apesar de ser de louvar a quantidade de opções incluídas pela Team Ninja no editor de personagens, ficámos com uma ligeira sensação de a nossa personagem destoar um pouco do resto do jogo, não estando tão bem detalhada e adaptada ao meio que a circunscreve. De resto, a nossa experiência com o jogo no PC seguiu sem sobressaltos, sendo ainda de destacar o facto de este título dispor de três opções de DLSS (as usuais Performance, Balanced e Quality), o que permite que disfrutem desta experiência com as definições no máximo sem se preocuparem tanto com a carga que estarão a impor à vossa máquina. Com as especificações do meu portátil, foi possível jogar com todas as definições no máximo sem precalços, pelo que este é um jogo que em princípio não irá exigir demasiado dos vossos computadores.
Voltando à jogabilidade, no entanto, é ainda de lamentar, relacionado com estes últimos pontos, a redução de elementos do primeiro para o segundo jogo desta série. No primeiro havia efeitos elementares de Fogo, Vento, Terra, Água e Raio, ao passo que agora apenas existem os elementos de Fogo, Água e Raio. Tal faz com que estes não tenham o mesmo peso que no primeiro jogo, dado que agora não importa tanto a que Guardian Spirit irão recorrer, uma vez que estarão restritos a estas três opções. Por outro lado, dado que a nossa personagem é agora um(a) yokai, cada Guardian Spirit corresponde agora a um novo visual, ao passo que no primeiro jogo apenas se embutiam na arma de William Adams. Pode não ser algo do outro mundo, mas estas diferenças acabam por compensar ligeiramente em termos de impacto visual o que se perdeu em impacto a nível da jogabilidade.
Devem estar ainda a perguntar-se se terão de jogar o primeiro jogo antes de se aventurarem por Nioh 2. E aqui, caso não tenham interesse em experienciar o primeiro jogo, temos então boas notícias: apesar de existirem ligações aqui e ali entre os dois jogos, a estória de um e de outro são largamente independentes, pelo que poderão sem medo começar a vossa experiência com este segundo título.
Como referido anteriormente, esta Complete Edition vem com todos DLCs entretanto lançados para Nioh 2, que trazem conteúdo que vai muito além das já referidas duas armas adicionais. O primeiro destes é o The Tengu’s Disciple, que trouxe consigo um novo arco narrativo, 10 novas missões, assim como novos itens, armaduras, inimigos, Guardian Sprits e habilidades, ao mesmo tempo que nos leva a explorar novos cenários, na costa da região de Yashima, durante o período Heian. Infelizmente, tal como o jogo base, este primeiro pacote de conteúdos adicionais acaba por não dar grande foco ao enredo. Tal é especialmente claro dado que se pode terminar o mesmo em 2 horas, sendo esta uma experiência curta para aqueles que já terão, na altura de se aventurarem pela expansão, experiência suficiente com o jogo.
A segunda expansão tem como título Darkness in the Capital e traz de novo consigo 10 missões, uma nova estória, assim como armas, armaduras, itens, entre outras adições. Desta vez os jogadores são levados a explorar Kyoto num passado ainda mais remoto, tendo a oportunidade de interagir com duas personagens famosas da história japonesa: Minamoto no Yorimitsu e Abe no Seimei, respetivamente um famoso guerreiro e um famoso mago. Neste conjunto de conteúdos adicionais foi felizmente dada mais atenção ao enredo e encontramos aqui uma estória mais interessante, e que ao mesmo tempo é bem-sucedida em atar algumas pontas soltas da primeira expansão.
Finalmente, The First Samurai é o último pacote de conteúdos adicionais e traz, mais uma vez, 10 novas missões, uma nova estória, armas, armaduras, itens, etc. Aqui vamos ainda mais para o passado do que em Darkness in the Capital, mesmo para o início do período Heian. Infelizmente, acabamos por encontrar o mesmo que no primeiro pacote de DLCs: de novo o enredo parece ter ficado para segundo plano, apesar de quão ricos são estes períodos, com os seus mitos. Nesta expansão é explorada uma das mais famosas lendas do folclore japonês, a lenda do primeiro shogun, no entanto esta acaba por ser mal aproveitada, parecendo que serve apenas para colar de forma artificial os eventos deste arco narrativo uns aos outros. Finalmente, esta última expansão introduz, tal como a última expansão do primeiro Nioh, um novo modo de jogo, o The Underworld. Neste modo os jogadores devem atravessar uma série de andares, em que se encontram inimigos cada vez mais poderosos, até que enfrentam um boss no final. Utilizando um item que recebem logo ao início, Lapis Lazuli, os jogadores poderão ainda conseguir benefícios ao explorar estes vários pisos, tais como conseguir melhores drops dos yokai, aumentar a frequência de drop de itens mais valiosos, etc.
Em todos estes DLCs é adicionado ainda um modo Novo Jogo+. O título base já continha este modo, pelo que aqui encontramos, à semelhança de outros soulslikes, sucessivos modos Novo Jogo+, em que as dificuldades vão aumentando, mas em que poderão começar a vossa jornada com as armas, habilidades, itens etc. que traziam convosco no final da vossa última jornada. Igualmente, os drops passam a ser de um nível superior, pelo que terão de novo um incentivo para irem modificando o build da vossa personagem. Os modos Novo Jogo+ da segunda e terceira expansões, que apenas se desbloqueiam caso completem os respetivos modos do jogo base e da primeira expansão (e no caso da terceira expansão, também o da segunda), têm designações diferentes, sendo designados no jogo por “O Sonho do Sábio” e “O Sonho de Nioh”, respetivamente.
Finalmente, e apesar de de novo a segunda expansão merecer destaque por trazer inimigos únicos, como Ren Hayabusa (numa óbvia referência a Ninja Gaiden), sente-se ao longo de todos estes conteúdos adicionais que houve uma constante reutilização de inimigos e cenários do jogo base. De facto, tal é algo que já se começava a notar em partes mais tardias de Nioh 2, face a um início de jogo com uma variedade de adversários bastante agradável. Aqui, no entanto, nota-se ainda mais esta estagnação, sendo que até mesmo alguns bosses acabam por ser simples variantes de inimigos que já defrontámos anteriormente.
Opinião final:
Nioh 2: The Complete Edition foi lançado para PC e PlayStation 5 a 5 de fevereiro de 2021, trazendo consigo uma versão refinada e com todos os conteúdos adicionais de Nioh 2, que havia sido lançado praticamente um ano antes em exclusivo para a PlayStation 4. Após uma receção bastante positiva do primeiro jogo da série, Nioh 2 vinha com a missão, difícil de cumprir, de apresentar uma experiência ao nível da primeira e que se destacasse no atual mercado, em que os jogos soulslike têm ganho terreno. E a verdade é que embora por um lado o consiga fazer, com cenários e inimigos únicos inspirados no folclore japonês, assim como várias melhorias e diferenças face à experiência original, por outro lado acaba por falhar. O facto de não controlarmos um protagonista pré-desenhado faz com que a nossa personagem se sinta inconsequente para o enredo do jogo, algo que não melhora ao longo das expansões, as quais acabam também por desiludir em certos pontos pela falta de variedade de inimigos. Ainda assim, Nioh 2 acaba por ser um jogo que certamente irá satisfazer os fãs de soulslike, sendo ainda um dos melhores pontos de entrada para aqueles que querem experimentar o género, mas nunca o fizeram.
Do que gostamos:
- Sentimento de progressão à medida que nos familiarizamos com os sistemas do jogo;
- Apresentação audiovisual bastante competente,
- Cenários mitológicos japoneses continuam a ser bastante estimulantes;
- Jogo estimula a que continuemos a trabalhar no nosso build, mesmo após o final da campanha;
- Inclusão de opções de DLSS;
- Habilidades yokai da nossa personagem.
Do que não gostamos:
- A construção do enredo podia ter sido melhor cuidada, incluindo os arcos narrativos das expansões;
- Sistema de criação de personagem acaba por ter um impacto negativo na experiência narrativa e visual;
- Expansões acabam por reutilizar muito os mesmos inimigos já vistos durante o jogo base;
- Redução no número de elementos torna-os menos impactantes.
Nota: 8/10