Quando a Nintendo Switch foi anunciada no início do ano passado, um conjunto de casas de software rapidamente afirmaram o seu suporte pela nova consola híbrida da Big N. A equipa da Square-Enix responsável pela dupla BravelyDefault e Bravely Second para a 3DS apresentou aquilo que parecia ser o sonho dos fãs de RPGs da década de 90: um RPG com estilo retro da Super Nintendo, misturado com elementos modernos, num mundo em que os gráficos se apresentam como um livro de pop-up. Nascia assim o Project Octopath Traveler, cujo nome supostamente não se iria manter, servindo apenas para ilustrar temporariamente o número de personagens cujas estórias poderíamos explorar. Não se sabe bem como, mas duas demos jogáveis depois, o nome Octopath Traveler, de tão sonante que era, lá acabou por ficar, e o seu lançamento comprova o quão apta para os RPGs a nova consola da Nintendo pode ser.
Octopath Traveler, por jogo “ao estilo clássico” que possa parecer, na verdade é um avanço substancial no género. A premissa é apresentar um RPG que coloca a questão: até que ponto é possível evoluir o RPG ao estilo old-school? Os gráficos com sprites que estariam em casa na SNES, e, à mistura com os fundos tridimensionais, embora impressionantes, são apenas a ponta do iceberg no que toca às ideias estabelecidas que Octopath Traveler assimila, alterando a fórmula segundo a qual as mesmas são implementadas, destacando-se o gameplay como a maior novidade aqui.
Mas comecemos pela estória. Octopath Traveler apresenta-nos 8 personagens principais, cada uma com a sua própria história individual (octopath sendo aqui informativo dos 8 caminhos das personagens). Temos aqui um pouco de tudo, entre um Professor numa academia que parte à procura de um livro raro desaparecido, e uma dançarina pertencente a uma família importante, mas que perdeu tudo e procura vingança, existe um cavaleiro que procura respostas sobre o traidor que fez cair o seu reino e matou o seu rei, e mesmo uma sacerdotisa que embarca numa viagem para levar uma luz sagrada aos quatro cantos da terra, no lugar da sua irmã adotiva. A multiplicidade de estórias aqui presentes faz lembrar o lendário Seiken Densetsu 3, também da Square, sendo possível começar a estória com qualquer uma das personagens e ir conhecendo as restantes pelo caminho, vendo as suas estórias individuais (SD3 ao invés, apenas permitia juntar três personagens). Infelizmente, é aqui que se observam algumasdas fragilidades presentes em Octopath Traveler. As estórias são verdadeiramente individuais. Cada protagonista tem o seu caminho e, cruzando-se ou não com o caminho das outras personagens, é quase irrelevante quem está presente. Queremos com isto dizer, fazendo notar a exceção de uma mecânica de banter, através da qual alguns dos presentes tecem as suas considerações sobre a estória a decorrer de outra personagem, que não existe praticamente nenhuma interação entre os protagonistas. Esta indiferença chega ao ponto das restantes personagens na nossa party não aparecerem sequer nas cutscenes da estória que está a decorrer, e sinceramente não compreendemos esta oportunidade perdida. Desta individualidade decorre ainda que não existe nada que una as personagens em torno de um objetivo comum, ou seja, não existe nenhum “mal maior”, nenhuma narrativa grandiosa, nenhum vilão que una as diferentes estórias, nem nenhum mundo a salvar. Existem os paths, os caminhos, cada aventureiro com o seu, e é só. De qualquer das formas, a estória de cada personagem é simplesmente enorme, conseguindo-se, no total, chegar a mais de uma centena de horas de jogo.
Esta escolha de narrativa seria um problema se o gameplay não fosse extremamente divertido. Por muito old-school que possa parecer, Octopath Traveler altera a fórmula conhecida do turn-based RPG com mecânicas próprias e inventivas. Antes de mais, todas as personagens têm a possibilidade de carregar os ataques e outras ações, fazendo boost às mesmas. Cada ponto de boost é acumulado em cada turno em que o mesmo não é usado, permitindo às personagens acumular até 5 pontos de boost e carregar a sua ação com 3 pontos em simultâneo. Depois existe também uma mecânica de fragilidades e efeitos que deve obrigatoriamente ser explorada até ao máximo, de modo a conseguirmos sair vitoriosos dos combates. Personagens como Cyrus (o académico), por exemplo, conseguem no início do combate detetar 1 ou 2 fraquezas nos inimigos, sendo possível que um boss seja vulnerável a ataques de bastão usados por feiticeiros, como Ophelia, que embora sejam conhecidos por não darem imenso dano, podem sempre quebrar (break) a guarda dos inimigos, tirando-lhes um turno e permitindo aos damage dealers, como Olberic, infligir com boost, e aproveitando-se das fraquezas, quantidades loucas de dado! Existem armas, magias e outros ataques de vários tipos, todos estes perfeitamente utilizáveis para explorar fraquezas nos inimigos, transformando os combates num divertido jogo de lógica.
Para além dos combates, o gameplay na exploração também possuiu algumas qualidades interessantes não observáveis noutros RPGs, como as path-actions, pequenas skills que alteram a forma como se joga com cada personagem. Cyrus consegue analisar a estória de cada NPC, conseguindo ganhar vários efeitos, itens e descontos nas lojas; Ophelia consegue recrutar NPCs para os usar em combates; H’aanit consegue desafiar os NPCs para combates, mas também consegue (nos combates) caçar monstros e utilizar os mesmos para atacar; Therion é um ladrão e como tal consegue “aliviar” os NPCs de certos itens que estes possam ter, etc. Algumas personagens possuem path-actions similares a outras, embora com algumas mecânicas diferentes. Além de tudo isto, quando se chega a um certo nível é possível desbloquear os Jobs, que nos dão a possibilidade de alterar a classe das nossas personagens, fazendo com que virtualmente qualquer personagem consiga ter qualquer habilidade existente no jogo.
E por fim chegamos à apresentação. Octopath Traveler recorre ao motor Unreal Engine 4 para dar realidade a um sonho das crianças dos anos 90: pegar no estilo artístico de um RPG antigo e dar-lhe um toque de tridimensionalidade e vida! A correr a 720p e 30fps em modo docked (Digital Foundry), e a 576p e 30fps em modo handheld, mas com os menus a 720p, Octopath Traveler pode não ser o jogo graficamente mais exigente da consola, mas certamente está entre os artisticamente mais marcantes e bonitos! Somos dados a entender que o mundo é feito em polígonos e recebe “por cima” uma textura retro para fazer lembrar os jogos de antigamente. Cada partícula de pó, gelo, nevoeiro, luz, a forma como a água ou mesmo as bandeiras fluem utilizam técnicas modernas de apresentação gráfica que traz este mundo retro à vida. É um daqueles jogos quepode não ser para toda a gente, mas deve ser jogado pelo menos uma vez para que se possa apreciar o excelente trabalho artístico realizado. Da mesma forma, a banda sonora é constituída por composições memoráveis, por vezes grandiosas, por vezes tristes e por vezes simplesmente belas, perfeitamente adequadas aos momentos da estória que estejam a decorrer. Existe alguma repetição de faixas, mas dado o escopo independente do projeto, é um facto negligenciável que se repitam alguns temas aqui e ali.
Opinião Final:
Octopath Traveler era um jogo altamente esperado para a Nintendo Switch e finalmente chegou! Traz consigo um RPG sólido com mecânicas que fazem evoluir o género de um modo bastante eficaz, para além da apresentação simplesmente maravilhosa que faz brilhar esta experiência na consola mais recente da Nintendo. Não é um jogo perfeito, mas essas imperfeições não são mais que umas pequenas manchas naquilo que é pelo menos uma boa centena de horas de jogo à espera de ser explorado! Com um sistema de combate verdadeiramente viciante e um mundo bastante interessante, este RPG pode não ser para toda a gente, mas, não obstante, é certamente um que vai ficar gravado na nossa memória.
Do que gostamos:
- 8 personagens com estórias independentes para explorar;
- Sistema de combate fantástico;
- Apresentação única entre os RPGs, com gráficos com uma direção artística que é uma maravilha, que é apenas reforçada por uma excelente banda sonora.
Do que não gostamos:
- Não existe uma narrativa única que ligue todas as estórias, levando a que as personagens pareçam desligadas umas das outras.
Nota: 9/10