Uma das maiores e mais constantes críticas feitas à franquia Pokémon é a pouca ou quase inexistente inovação entre os vários títulos. Para além da estrutura quase formulaica dos jogos, qualquer inovação que surja será sempre num ou noutro elemento, não sendo verdadeiramente disruptora do “modelo” seguido desde 1996. Isto é, tem seguido a velha máxima da “equipa que joga bem não se mexe” – e a franquia Pokémon tem jogado mesmo muito bem – com um ou outro elemento novo à mistura.
Ainda assim, falamos de uma franquia com várias gerações e as inúmeras alterações, que se têm vindo a acumular sobre a estrutura original, começam a influenciar essa própria estrutura, trazendo algo inteiramente novo. Tal é o caso do mais recente lançamento a cargo da Game Freak, Pokémon Legends: Arceus. Essencialmente a prequela das prequelas, Legends: Arceus passa-se na região de Sinnoh antes desta ser sequer apelidada com esse nome, sendo chamada apenas de Hisui, inspirando-se naquilo que consideramos ser o Japão da era da restauração Meiji, no Sec. XIX.
Em Arceus, a ciência do estudo dos Pokémon está a dar os seus primeiros passos, tendo sido recentemente descoberta a possibilidade de capturar os mesmos através de invenções invulgares (e polémicas) chamadas de Pokéballs. Não existem treinadores nem se sonham com ginásios, aliás, grande parte da população na região teme as criaturas, desconhecendo o seu potencial. Existe uma certa reverência a alguns Pokémon “nobres”, os quais são tratados com o maior cuidado e respeito, dado que são abençoados por Sinnoh (que à data, se desconhece ser Arceus), mas ainda assim, tal responsabilidade cai nos ombros dos clãs existentes na região, dos quais se destacam o clã Diamond e o clã Pearl.
A nossa personagem, recentemente chegada a este mundo através de uma falha no espaço-tempo, deve utilizar as suas habilidades inatas para capturar e lutar com Pokémon, ajudando a Galaxy Team a criar o primeiro compêndio das criaturas alguma vez feito – o Pokédex!
O enredo de Legends: Arceus é digno de uma adaptação a anime, pois procura estabelecer os momentos embrionários da complexa relação entre o que virão a ser os primeiros treinadores de Pokémon e as curiosas criaturas, indo ainda mais longe, procurando clarificar a influência dos Pokémon na cultura de Sinnoh (err… Hisui), encontrando-se no centro da exposição o deus-Pokémon Arceus!
A jogabilidade foi o aspeto de Legends: Arceus que mais alterações recebeu face aos anteriores títulos da série, sendo agora possível capturar e lutar com as criaturas em mundo aberto. Queremos com isto dizer que Legends: Arceus possui um mundo expansivo (influências da Wild Area de Pokémon Sword & Shield, cuja inclusão fora exatamente a preparação para um próximo título em mundo aberto, exatamente como dissemos, à data, que seria). Mundo esse em que os Pokémon circulam livremente pela natureza. A nossa personagem consegue aproximar-se de uma criatura e lançar uma Pokéball, capturando a mesma sem ter que combater (algo trazido dos títulos Let’s Go), o que implica que alguns Pokémon terão de ser capturados através de técnicas específicas. Porém, nem sempre é possível capturar Pokémon desta forma, pelo que alguns terão de ser combatidos e posteriormente capturados, como nos jogos clássicos. Alguns Pokémon serão dóceis, fugindo, ou não, da personagem, outros serão agressivos e atacarão o jogador se o virem no mapa – pelo que se não fugir ou combater, poderá ficar inconsciente, perdendo parte dos seus itens no processo. É algo absolutamente refrescante e esta nova forma de interação traz uma grande dose de realismo ao mundo dos Pokémon.
Este mundo expansivo de Legends: Arceus acaba por ser um mundo aberto, que não é totalmente aberto, pois na verdade falamos de áreas (enormes, é verdade) abertas, mas separadas entre si por “zonas” que necessitamos de ultrapassar (ou então falar com uma personagem para ultrapassar). Não que isso traga qualquer tipo de problema à jogabilidade, mas não é verdadeiramente aberto, digamos, é um aberto “condicionado” à navegação de alguns menus e outras condicionantes. Ainda assim, é mais aberto do que qualquer outro jogo na franquia, pelo que é uma inovação ao estilo dos incrementos a que a Game Freak já nos habituou.
E é exatamente porque as inovações vêm em incrementos, que alguns elementos em Legends: Arceus nos parecem subaproveitados. Isto é, o jogo segue uma estrutura bastante simples: a main quest vê-nos a completar o Pokédex e a estudar todos os Pokémon em Hisui, assim como descobrir os mistérios da região, enquanto aceitamos todo um conjunto de sidequests para as restantes personagens que nos rodeiam. Fora isto, não há muito mais que fazer, não há ginásios para conquistar nem uma missão grandiosa de ser o melhor treinador de Pokémon. Não que tenhamos qualquer problema com o foco de Legends: Arceus na história dos primeiros investigadores de Pokémon, mas é pena ver um elemento tão icónico do jogo a ser, mais uma vez, afastado. Em vez de ginásios temos alguns combates um a um contra os Pokémon “nobres”, os quais nos dão uma placa de um elemento no final do combate. Porém, gostaríamos de ver os ginásios a ser trazidos de volta, talvez como conteúdo opcional num eventual DLC. Igualmente, já não é possível lutarmos contra os nossos amigos quer online, quer em modo local (ouch), uma falha terrível para um título Pokémon que se foca em colecionar as criaturas. Isto comprova-nos que os combates vêm em segundo lugar no jogo, e talvez em razão disto se explica a omissão de habilidades passivas (também não podem segurar itens).
Curiosamente, nem tudo é negativo no que toca à revisão dos combates, pois Legends: Arceus introduz um novo sistema de ataques Agile/Strong, que permite às criaturas focarem-se em atacar com menos força e possivelmente atuar mais rapidamente na distribuição de turnos, ou então atacando fortemente, conseguindo causar mais dano, mas demorando mais tempo a atuar da próxima vez. Faz lembrar as mecânicas existentes em Bravely Default e traze alguma tática interessante aos combates. Pena que os mesmos se encontrem tão limitados pelas escolhas acima referidas.
Da mesma forma que Pokémon Sword & Shield não tiveram a totalidade do Pokédex nacional, também Legends: Arceus não nos dá a possibilidade de juntar todos os Pokémon. Afinal, por um lado o Pokédex aqui ainda está a ser escrito, e por outro, os problemas técnicos de trazer todas as gerações de Pokémon para a Switch volta a mostrar-se, pelo que ficamos com um total de 242 criaturas, bastante menos que em edições anteriores. Mas nem tudo é mau. Grande parte das criaturas são das 4 primeiras gerações, muitas delas contendo variantes exclusivas à região de Hisui.
Graficamente, Pokémon Legends: Arceus é o jogo mais bonito da franquia, levando a Switch aos seus limites e fazendo-nos acreditar que talvez este jogo estivesse em desenvolvimento para a sucessora da Switch, entretanto reconceptualizada, em razão da falta de componentes eletrónicos, na nova Switch OLED. Por vezes o jogo demonstra os limites do hardware e tal é uma pena, pois poderíamos ter uma experiência muito melhor. Estes limites são especialmente visíveis nos Pokémon que vêmos à distância, com uma framerate que desce vertiginosamente. Ainda assim, no que concerne a sua apresentação gráfica, o trabalho de otimização é do melhor que há e mostra-nos que a Game Freak sabe o que faz com o hardware da Nintendo.
A nível de áudio, o jogo vem acompanhado por uma banda sonora lindíssima com temas calmos e às vezes motivantes, inspirados na utilização de instrumentos tradicionais japoneses. Só não compreendemos porque é que Legends: Arceus não possui vozes, em 2022! Até a franquia The Legend of Zelda finalmente trouxe vozes em Breath of the Wild, porque é que Pokémon não pode seguir o mesmo caminho?
Tudo isto nos coloca perante um jogo que evolui à boa maneira da Game Freak, em pequenas doses, gota a gota. Fizeram um teste com a Wild Area em Sword & Shield, e expandiram-no agora em Legends: Arceus, inserindo novos tipos de ataque neste último jogo, mas retirando a possibilidade de combater online ou localmente com amigos. Expandiram a história, mas diminuiram no que toca à possibilidade de testar os nossos Pokémon nos vários ginásios. No final de contas, Legends: Arceus parece ser mais uma experiência – uma excelente experiência, sim – mas um título em que a Game Freak isolou e testou várias formulas que poderá implementar num titulo futuro. Em conclusão, Pokémon Legends: Arceus não é o futuro da franquia, mas é o caminho através do qual o futuro da mesma poderá ser encontrado.
Opinião final:
Pokémon Legends: Arceus traz à franquia uma boa dose de realismo no modo em que lidamos com as populares criaturas, assim como o mundo (quase) aberto pelo qual os fãs sempre pediram. Porém, tira elementos importantes do jogo, o que nos leva a crer que talvez este não seja o próximo grande título dos monstros de bolso, mas apenas uma interessante e divertida história no mundo dos Pokémon.
Do que gostamos:
- Capturar e lutar contra Pokémon em mundo aberto;
- Possibilidade de ver as criaturas nos seus habitats é um sonho;
- História interessante conta como se criou o primeiro Pokédex;
- Apresentação gráfica bastante competente para o hardware da Switch.
Do que não gostamos:
- Não há ginásios;
- Não há combates contra os nossos amigos, nem online, nem localmente;
- Poucos Pokémon, nem uma geração completa.
- Ainda sem voz!
Nota: 7/10
Análise efetuada com um código cedido gentilmente pela distribuidora.