Há uns anos não era tão usual vermos tantos lançamentos de remakes/remasters como hoje em dia, pelo que muitas vezes se queríamos jogar um jogo mais antigo, tínhamos que conseguir a cópia do mesmo, tentar que o mesmo corresse (se fosse em PC) ou então recorrer a fan remakes, existindo ainda alguns bons títulos deste género, como o de Maniac Mansion. Pouco tempo depois de ter jogado o Clock Tower original – que rapidamente se tornou num dos meus jogos favoritos – e após perder algum tempo a pesquisar sobre a série, descobri que alguém se tinha predisposto a criar um fan remake do jogo, recriando a história de Jennifer e da família Barrows.
Na altura, acompanhava obsessivamente a página de Facebook do projecto (a par com o The Sith Lords Restoration Project do KOTOR 2), à espera que saíssem novidades para além de arte conceptual. Com o tempo, acabei por me esquecer, dia após dia, até que a página mudou de nome e apresentou um novo projecto: Remothered.
Chris Darill, o homem por detrás deste título, começou muito jovem a dar vida a este projecto – inicialmente em 2D e desenvolvido no RPG Maker XP. No entanto, após alguns anos e contratempos, Chris finalmente dá início à Darril Arts e, aliando-se ao estúdio Stormind Games, dá vida ao título Remothered: Tormented Fathers, uma clara carta de amor ao cinema e jogos de terror que populam a imaginação do autor.
Remothered: Tormented Fathers desde logo prometia uma experiência de survival horror bem old school, inspirando-se claramente em jogos como Silent Hill e, mais obviamente, Clock Tower. No entanto, Remothered consegue-se afastar um pouco das suas inspirações, com uma identidade familiar, mas muito própria.
A história inicia-se com o jogador a assumir o papel de Rosemary Reed, uma personagem misteriosa que se dirige à mansão do Dr. Richard Felton, de modo a discutir a doença incurável deste. Após uma conversa desconfortável com o Dr. Felton, é revelado que a filha adoptiva deste – Celeste – fugiu e está desaparecida. Rapidamente, Dr. Felton e a sua enfermeira Gloria descobrem que a Dra. Reed entrou na mansão sob falsos pretextos, que não existe nenhuma Dra. Reed no hospital por ela referenciado e que tudo não passava de uma desculpa para tentar descobrir o que tinha acontecido a Celeste. Rosemary é rapidamente expulsa da mansão, mas isto não faz com que desista. Após o dia terminar e Gloria sair da mansão, Rosemary consegue voltar a entrar à socapa, determinada a investigar o desaparecimento. Como nada pode ser fácil num jogo deste género, coisas esquisitas começam a acontecer e Rosemary rapidamente se arrepende da sua decisão, ao ver-se encurralada na mansão Felton.
A primeira coisa que salta à vista em Remothered são os gráficos, e mais vale referirmos-nos ao elefante na sala. Os gráficos não são estelares, nem de perto nem de longe, e as animações também não são as melhores, sendo isto mais notório em coisas tão simples como a saia de Rosemary ou a mala que leva sempre consigo. São pequenos detalhes que acabam por chamar à atenção por serem bastante rígidos e gritam que este é um projecto indie. Felizmente, tudo isto são coisas que rapidamente passam para segundo plano, à medida que vão avançando no jogo. O forte de Remothered não são os gráficos, mas felizmente não é este o foco do jogo e apesar dos gráficos não serem extremamente polidos, o ambiente criado pela escuridão e design da mansão acabam por compensar. A atmosfera acaba por suplantar a qualidade gráfica, e ainda bem. A atenção ao detalhe existe, quer na cozinha que parece algo saído de Resident Evil VII, quer nos quadros e adereços que adornam a mansão. A roupa de Rosemary coloca-a perfeitamente nos anos 70 e tudo evoca os filmes de terror dessa mesma época – principalmente giallos.
Todo o jogo decorre na mansão Felton e nunca nos é providenciado um mapa. Apesar de isto parecer estranho ao início, rapidamente ficamos a conhecer os cantos à casa e dispensamos a necessidade de um mapa. Não é difícil perceber o que temos de fazer a seguir (apesar de a lista de objectivos não ser muito linear) e apenas existe uma sequência em particular já próxima do fim do jogo em que seria bom termos um mapa. Mas, nada é impossível e é um elemento que efectivamente não agregaria muito no panorama geral. A jogabilidade é também ela muito simples. Rosemary não tem acesso a armas, sendo privilegiado o movimento furtivo, com armários, sofás e biombos espalhados pela casa para se esconder, ao invés do confronto directo. Existem inúmeras gavetas e armários para explorar, onde poderão encontrar não só documentos que adicionam à história, mas também itens que podem ser usados como distracção (como tijolos ou garrafas, que podem ser arremessados para fazer barulho ou directamente contra o inimigo) ou como defesa, usados em última instância caso sejam apanhados. Estes normalmente são itens como facas ou até agulhas de tricotar, que são espetados no inimigo e apresentam assim uma última linha de defesa caso sejam apanhados. Os itens são imediatamente consumidos após a sua utilização, mas existem em número suficiente, espalhados pela mansão para que nunca sintam necessidade de gerir os vossos recursos.
Movimentarem-se pela mansão não é fácil uma vez que terão sempre um inimigo atrás de vocês. Correr está fora de questão, uma vez que qualquer barulho irá alertar o inimigo e poderá significar a vossa morte. Se forem descobertos, o ideal será correrem e esconderem-se, mas é difícil despistar os inimigos pelo que o ideal é tentarem sempre não serem detectados. Uma das coisas que mais me chateou nesta mecânica foi o som. Podem avaliar se o inimigo está mais ou menos perto de vocês através da intensidade da música, mas ao início não vos censuro se se tentarem guiar pela voz do vosso inimigo (ou stalker). No entanto, não se percebe porque raio por vezes ouvimos a voz do inimigo como se estivesse mesmo em cima de nós, quando por vezes está numa sala completamente diferente. Não existe a possibilidade de avaliar a proximidade através do som da voz e isto não é propriamente compreensível quando estamos a falar de um jogo baseado em furtividade.
Como é comum em vários outros survival horrors, um dos pontos fulcrais para avançar no jogo é a resolução de puzzles, que se resumem muito a utilizar objecto A para desbloquear objecto B, que por sua vez requer também o objecto C para poder recolher o objecto B, etc etc etc. Isto normalmente também obriga a que nos desloquemos entre os vários pisos e salas da casa, tudo enquanto jogamos ao gato e rato com os nossos inimigos, à medida que vamos tentando perceber qual o próximo passo a dar. Apesar de isto ser simples, na verdade obriga a uma quantidade obscena de backtracking, que acaba por parecer pior pelo facto de estarmos sempre no mesmo cenário. O jogo não é longo e a mansão Felton também não, mas por vezes parece não existir um sentimento de progressão, mas apenas de andarmos para trás e para a frente à toa, só para poder obter um objecto que não sabemos que propósito terá. Isto torna a experiência de jogo um pouco mais linear do que o que devia, principalmente devido ao encadeamento dos puzzles uns nos outros.
Podem salvar o jogo da mesma forma que se podem curar, acedendo a espelhos espalhados pela mansão. Ao se curarem no espelho, este fica rachado e demorará algum tempo até se recompor e permitir que o jogador se cure novamente através deste. Apesar desta mecânica, existem ainda vários checkpoints de autosave, cuja distribuição ao longo do jogo é apropriada e permite que não se perca muito tempo e progresso no caso de morrerem. Ainda assim, o jogo não é muito difícil e dei por mim a atravessá-lo quase todo sem utilizar objectos de distracção. Existem algumas sequências perto do final em que existe um pico de dificuldade, mas não existe nenhum obstáculo impossível e é possível terminar o jogo em poucas horas.
A narrativa é um dos melhores pontos do jogo, apesar de as actuações dos actores de voz serem no mínimo inconstantes. Dei por mim a saltitar entre reacções de revirares de olhos face a algumas actuações pobríssimas – a da personagem principal é uma delas – e arrepios com os gritos lancinantes ou os sussurros arrepiantes de outras personagens. Devo dizer que os gritos de um dos inimigos é das coisas mais arrepiantes e aflitivas que já experiencei num jogo do género, causando-me mesmo pânico sempre que era descoberta e tinha de fugir.
A história prende-nos e é a motivação perfeita para nos fazer querer descobrir mais do mistério à volta de todas as personagens – incluindo Rosemary – e as revelações são chocantes e dignas de um filme de terror clássico. Aqui são também visíveis as influências cinemáticas, com um resultado final que não é demasiado óbvio ou derivativo, mas cuja apresentação por vezes é tão obscura que certos detalhes acabam por ser deixados pelo caminho, dificultando ao jogador a resolução do puzzle que é o enredo. No fim, acabamos por ter mais perguntas do que respostas, o que não deixa de ser frustrante após terminarmos um jogo, seja ele qual for. Isto acaba por não ser tão chato quando já sabemos que vem aí Remothered: Broken Porcelain, que espero que aprenda com os erros do seu antecessor. Pelo menos o trailer promete uma experiência arrepiante.
Opinião Final:
Remothered: Tormented Fathers é claramente um trabalho de amor, que não se deixa ofuscar pelas suas inúmeras influências. Apesar de contar com vários problemas técnicos e de não ser um jogo excelente, é uma boa experiência de jogo de terror. Espero que os seus problemas sejam afinados e resolvidos na sequela, uma vez que tem uma boa base e poderemos aqui ter uma boa série num género já de si estagnado.
Do que gostamos:
- Projecto que mostra claramente o amor e influências de terror do seu criador;
- Design visual e sonoro dos inimigos bem eficaz no que toca ao terror;
- Mecânica de stalkers não é nova mas está aqui bem implementada.
Do que não gostamos:
- Não existe distanciamento das vozes e efeitos sonoros, dificultando a jogabilidade;
- Actuações vocais poderiam ser bem melhores;
- Gráficos não são os melhores;
- Enredo é interessante, mas nem sempre muito claro.
Nota: 7/10