Muitos dos meus anos formativos no mundo dos videojogos foram passados a jogar aventuras point and click. Descobri um sem fim mundo de histórias e de franchises que me acompanharam durante largos anos, até aos dias de hoje. Monkey Island foi um deles, ocupando sem dúvida um lugar no coração. Ainda assim, admito que deixei a série cair por terra quando se começaram a aventurar por caminhos mais 3D. A adaptação do género a diferentes tipos de gráficos e até aos tempos modernos não foi fácil e a série Monkey Island também sofreu com isso – podemos até dizer que as sequelas sofreram principalmente pela ausência de um ou mais dos seus criadores.
Escusado será dizer que quando Ron Gilbert anunciou que estava a trabalhar em Return to Monkey Island, juntamente com David Grossman – uma sequela direta do segundo título da série – os fãs ficaram um bocadinho histéricos.
O final de Monkey Island 2: LeChuck’s Revenge notoriamente dividiu os fãs, com um cliffhanger que não agradou a todos, ponto esse que acabou por ser largamente ignorado pelos jogos subsequentes e sempre pairou no ar um “e se” que nunca se concretizou… até volvidos 31 anos. Gilbert referiu para quem quisesse ouvir que um dos pontos em que queria tocar era exatamente começar o jogo onde terminou LeChuck’s Revenge, pelo que todos ficámos com esperança de ver ali alguma resolução. Aviso desde já que esta análise terá leves spoilers, por isso se ainda não jogaram, procedam com cautela.
Acho que Return to Monkey Island (doravante RtMI) tem tudo para agradar a fãs e não fãs, e nunca seria fácil fazer uma sequela (na verdade, é uma sequela?) a um jogo que saiu em 1991 mas… epá… que raio foi isto? RtMI começa exatamente onde LeChuck’s Revenge parou, com um mini Guybrush preso num parque de diversões. Quem vem do jogo anterior, certamente esperaria aqui algum grande cenário de fuga, sei lá, alguma resolução face à aparente maldição ou feitiço que LeChuck tinha lançado e que prendeu Guybrush. Mas após uma breve sequência introdutória em que controlamos Boybrush (percebem? É uma criança, então não é Guy mas sim Boy… erm… pois), percebemos que afinal esta é a realidade e que Boybrush é efetivamente uma criança, sendo que o jogo se passa na história que o seu pai Guybrush lhe vai contar, sobre mais uma das suas aventuras.
Não vos quero estragar o jogo, de todo, pelo que não vou avançar muito relativamente ao enredo mas o final é igualmente meta e acaba por cometer os mesmos pecados que Thimbleweed Park. Durante todo o jogo achei que ia haver algum twist, alguma coisa a nível de enredo que justificasse o final de LeChuck’s Revenge, o início de RtMI. Não esperava uma grande explicação daquilo que é efetivamente o Segredo de Monkey Island – isso seria só colocar-me a jeito para me desiludir, como é usual quando finalmente é desvendado um grande segredo numa narrativa que ninguém sabe qual é. Mas caramba, todo o jogo parece que está a avançar cada vez mais para um grande clímax narrativo, que acaba por nunca acontecer, com personagens a serem despachadas off screen. Parece como se tivessem ficado sem orçamento para continuar a história.
Resumidamente, nada me fez sentido de um modo satisfatório, não me parece existir grande respeito pelas sequelas pós LeChucks’ Revenge, com muitos pontos dos enredos destes jogos a serem totalmente ignorados (Herman Toothrot é um exemplo) e meu deus Elaine… que raio fizeram contigo? Já que estamos numa de coisas meta, mais valia terem posto uma imagem em cartão da Elaine e estava despachado. A personagem é tão unidimensional que mais valia ser um item do inventário de Guybrush e ainda assim teria mais utilidade. Infelizmente, esta unidimensionalidade parece-me ser transversal a muito do enredo, o que me entristece. Parece que estamos sempre constantemente a caminhar para algo maior e grandioso – e seria possível, mesmo mantendo a linha geral narrativa que pareciam querer aqui atingir – mas tudo parece ficar pelo meio, seco, sem espírito, sem alma.
O que é pena, porque estamos a falar de uma aventura gráfica genuinamente competente, num mundo de videojogos que ultimamente peca largamente pela falta de oferta neste género. Existem pequenas coisas que já fizeram sofrer muito os fãs do género, como caça aos pixels e puzzles ilógicos que nos colocam a tentar combinar todos os itens do nosso inventário, na esperança de que algo funcione. A verdade é que RtMI não é muito difícil, mesmo na dificuldade maior, mas os seus puzzles são satisfatórios e lógicos – dentro da lógica do mundo. Os comandos são também reduzidos, limitando o tipo de interação que é possível ter com os objetos do inventário e do mundo, facilitando assim também as soluções, algo que considero muito necessário para um jogador de hoje em dia. A oferta é muito, a atenção é reduzida e não é viável andarmos a brincar ao Push, Pull, Open, Close que eram o standard de muitos jogos de antigamente.
Adicionalmente, caso estejam perdidos, têm sempre ao vosso dispor uma lista de objetivos (que bonito Guybrush, também eu sou fã de listas de tarefas) e um livro que vos dá dicas sobre cada objetivo, dando progressivamente dicas mais e mais explícitas, até finalmente vos dar a solução. Isto relembra-me um website que existia há uns bons anos, com este exato sistema, com guias de imensos jogos do género, mas cujo nome me escapa agora. É uma excelente solução para evitar que os jogadores fiquem demasiado presos (se bem que devo argumentar que isso fazia parte da diversão), mas que infelizmente admito que se tornou um pouco numa muleta.
Graficamente, é já sobejamente conhecido que muitos fãs ficaram arreliados com o estilo artístico escolhido, que nos chegou pelas mãos de Rex Crowle. Não fui a maior fã do estilo aquando da sua revelação, mas agora tenho de admitir que a arte é assumidamente excelente, bebendo inspiração dos títulos anteriores, conseguindo ainda assim diferenciar-se dos mesmos, destacando-se face às opções 3D dos títulos mais recentes. A minha única queixa é que gostaria de ter visto esta arte associada a um melhor enredo, mas não se pode ter tudo.
Vou ser sempre defensora de que a plataforma ideal para jogar um jogo deste género é um PC, com rato e teclado e admito a dificuldade de adaptação ao sistema de controlo associado às consolas. Ainda assim RtMI consegue fazer uma boa adaptação do seu sistema, permitindo circular entre itens no inventário e focos de interação no cenário através do L2 e R2. Este método nem sempre é o mais confortável, tendo às vezes que circular entre vários focos de interação até chegar ao pretendido mas considerando aquilo com que estamos a trabalhar, é mil vezes melhor do que estar a controlar um qualquer cursor pelo cenário. Não é ideal, nunca será, mas ainda assim conseguiram tornar a experiência o mais fluída possível, considerando as limitações.
Um dos pontos altos do jogo é sem dúvida o regresso dos atores que deram vida a Guybrush e Elaine, sendo que existem algumas personagens cujos atores foram claramente substituídos. Não é realista assumir que o elenco se iria manter todo igual passados 31 anos, pelo que é sempre uma surpresa agradável mantermos o nosso protagonista que é tão querido dos fãs.
No seu todo, não posso dizer que Return to Monkey Island é um mau jogo ou uma má sequela. Muito pelo contrário, temos aqui uma aventura point and click bastante competente mas que infelizmente peca por ficar aquém do seu legado. Seria sempre difícil seguir as pisadas dos jogos que o antecedem, mas caramba… não consigo não olhar por exemplo, para Psychonauts 2 de Tim Schafer (também ele um veterano de Monkey Island) e ficar embevecida com a sequela com que nos presentearam. Esperava o mesmo de Return to Monkey Island, ainda que com as inevitáveis mudanças que a idade e nova perspectiva que os anos trouxeram aos seus criadores. Mas o que saiu na rifa parece mais um bolo mal cozido, só para dizer que está feito.
Vídeos Gameplay do jogo Return to Monkey Island – PS5. Venham ver, cliquem no vídeo e vejam os nossos dois gameplays.
Opinião final:
Return to Monkey Island é uma sequela há muito esperada pelos fãs mas que não consegue trazer consigo a magia característica da série. Ainda que seja um jogo que mostra que é bem possível ainda fazer bons jogos do género e bem adaptados à realidade das consolas, o produto final sabe a pouco e deixa mais questões em aberto do que aquelas a quis responder. Podemos dizer que o Segredo de Monkey Island são os amigos que fizemos pelo caminho, mas isso às vezes não chega.
Do que gostamos:
- A arte é impecável e encaixa na perfeição no mundo de Monkey Island;
- Adaptação aos controlos de consola da melhor forma possível;
- Regresso do ator de Guybrush.
Do que não gostamos:
- Enredo que visa fechar pontas soltas mas que solta ainda mais pontas e não vai a lado nenhum;
- O lado meta de Ron Gilbert está um bocadinho descontrolado;
- Minha pobre Elaine…
Nota: 7/10
Análise efetuada com um código PlayStation 5 cedido gentilmente pela distribuidora.