Publicitado como um sucessor espiritual de Dead Space, era difícil não ter algum entusiasmo com The Callisto Protocol – principalmente quando andaram aí a apregoar que vinha pelas mãos do criador de Dead Space, Glen Schofield. Infelizmente, um bom jogo não advém apenas do trabalho de uma pessoa (a não ser que estejamos a falar de Stardew Valley) e The Callisto Protocol é a prova viva disso mesmo. É fácil olhar para detalhes como a opção de não ter uma HUD – por sua vez colocando indicadores de saúde no próprio personagem ou de munição nas próprias armas – ou o survival horror num cenário espacial como características muito próprias de Schofield, mas Callisto um bocadinho mais além na inspiração, mais do que aquilo que gostaria de ter visto.
O jogador assume o papel de Jacob Lee (interpretado por Josh Duhamel, que devem conhecer de Transformers), um piloto que, após a sua nave ter sido abordada por terroristas e consequentemente se ter despenhado, se vê arrastado para a prisão de Black Iron sem perceber bem porquê. Um dia cheio de azares, portanto. Após todo um processo em que lhe é implantado à força na nuca uma espécie de medidor de sinais vitais, (e que servirá como o medidor de saúde da nossa personagem) Jacob acorda com a prisão num caos absoluto. Black Iron aparenta ter sido vítima de um surto de um vírus que transforma os humanos em mutantes zombificados. Algo standard, portanto.
Como é óbvio, Jacob não está para ficar para ver o que acontece e assim começa a sua tentativa de fuga, aliando-se a outro prisioneiro. O desenrolar da história vai revelar o que efetivamente se passou na prisão, mas de certeza que vão conseguir adivinhar quase tudo sem grande esforço, já que o enredo é do mais básico que existe, sem grandes surpresas ou entusiasmo.
The Callisto Protocol deslumbra visualmente e a primeira impressão é boa, isto se estiverem a jogar numa Playstation 5 e tenham tido a sorte de evitar os inúmeros problemas técnicos que assolaram o lançamento do jogo noutras plataformas. Nos dias que correm, amigos não há desculpa para lançar um jogo no estado em que Callisto saiu. Mas adiante. Graficamente, temos um jogo absolutamente impecável, a utilização dos atores e das suas feições é impressionante e uma das melhores coisas do jogo. Pequenos detalhes como Jacob a levar a mão ao aparelho implantado no seu pescoço, claramente num gesto de desconforto, são coisas que aparentam ser insignificantes mas que adicionam realismo às personagens. É pena que este tipo de atenção ao detalhe não tenha sido aplicado ao resto do jogo.
Num survival horror, seria de esperar que existisse uma componente de exploração e a esperança mantem-se durante todo o início de Callisto. Mas rapidamente percebemos que os cenários são muito similares mas, pior ainda, extremamente lineares. Em Callisto, o único caminho é para a frente, com a componente de exploração muito reduzida. É certo que por vezes no caminho existem alguns desvios que permitem ir dar a itens, mas rapidamente voltamos ao ponto de início, sem grande margem ou necessidade de backtracking. Os itens para desbloquear portas estão geralmente na proximidade das mesmas, na mesma sala até, pelo que a sensação é de que estamos a jogar algo on rails ao invés de um survival horror.
Ao tentarmos perceber o que se passa e ao sermos introduzidos às mecânicas de jogo, deparamo-nos não só com os mutantes, como também robots que nos conseguem matar com apenas um ataque, obrigando a uma abordagem furtiva. No entanto, assim que adquirimos uma arma de fogo, estes robots tornam-se numa ameaça ridícula, sendo derrotados com meia dúzia de tiros e removendo qualquer tipo de tensão que possa existir. Já contra os mutantes, o jogo dá prioridade ao combate corpo a corpo, algo não muito comum num survival horror e que muitos poderão não gostar, mas que adiciona uma dimensão interessante. É possível defletir os ataques inimigos, bem como fazer contra ataques e até combinar com a arma de fogo, mas o combate corpo a corpo resume-se a desviarem-se – mantendo premido um dos analógicos para o lado esquerdo ou direito, trocando a direção a cada ataque – e a atacarem, tendo aqui uma espécie de combate quase rítmico e honestamente uma oportunidade perdida. Ao início ainda achei que existisse algum tipo de timing para me desviar, que era o que fazia sentido, mas não. É tudo uma ação mecânica, sem grande pensamento ao esforço, o que vai de encontro a tudo o resto do jogo.
A câmara faz lock-on a um inimigo de cada vez, não permitindo remover esse mesmo lock-on, fazendo com que seja uma tarefa árdua sequer fugir de algum inimigo ou tentar perceber o que se passa ao nosso redor. A simplicidade do combate é melhorada quando é introduzida uma luva que permite utilizar ataques de gravidade, utilizando assim o cenário para causar dano e empalar inimigos, com encontros a obrigarem quase o jogador a utilizador todos os meios de ataque disponíveis no seu arsenal. Esta variedade é interessante mas não é devidamente desenvolvida, com o combate a tornar-se rapidamente repetitivo e desinteressante. Os inimigos não são tanto ameaças tensas mas mais obstáculos irritantes que não nos deixam avançar na história. Existe uma mecânica de melhoria das nossas armas, utilizando Callisto Credits, a moeda da prisão de Black Iron (que nome imaginativo) mas os efeitos destas melhorias não se fazem sentir de modo significativo.
A falta de variedade no combate vai também de encontro à falta de variedade nos inimigos. Estamos a falar de mutantes que pouco mutam durante o jogo e basicamente acabamos por encontrar os mesmos quatro ou cinco tipos de inimigos durante o jogo. Existe alguma variedade quando estes começam a brotar tentáculos e temos de rapidamente destrui-los para evitar mutações para versões mais fortes, mas de resto é sempre mais do mesmo. Pequenos momentos de tensão quando aparecem inimigos novos são rapidamente repisados quando o jogo decide atirar-nos estes mesmos inimigos mais uma cinco vezes de seguida. Um dos exemplos é um inimigo que está dentro de um casulo e, sem aviso, lança um tentáculo com a sua cabeça na ponta, dando lugar a um quick time event, enquanto o bicho nos arrasta. Surpreendente na primeira vez, não tanto nas cinco seguintes a ocorrerem em sucessão. O mesmo se passa com o mini-boss Two-Head, intimidador quando aparece mas que rapidamente se torna monótono quando: A) percebemos que a forma de o derrotar é pouco imaginativa e até aborrecida; B) o mesmo mini-boss começa a aparecer recorrentemente ao longo do jogo, como se de um inimigo comum se tratasse.
O jogo é também um pouco estranho nas decisões que toma no que toca a recursos e gestão da saúde. Podemos apanhar umas injeções para nos curarmos, mas ao usarmos as mesmas ficamos sujeitos a uma animação super lenta, ficando vulneráveis aos inimigos. Isto é só frustrante quando o jogo decide atirar com uma multidão de bicharada contra nós, criando uma tensão artificial que não melhora em nada a experiência de jogo. Existiria alguma esperança a meio do combate, uma vez que alguns inimigos ao morrerem deixam munições ou itens que nos curam automaticamente ao serem recolhidos, mas depois de matarmos um inimigo temos de lhe dar uma patada para podermos “soltar” ou “desbloquear” o item que o inimigos nos deixa. Mais uma mecânica retrógrada e que em nada melhora o jogo.
Para agarrar um jogador e fazer com que este queira levar a aventura até ao fim, um jogo tem de ter ou uma boa história ou uma jogabilidade tão divertida, que faz com que o jogador acabe por não se importar de deixar a história para segundo plano. Infelizmente, The Callisto Protocol não tem nem uma coisa nem outra. Não vou entrar em spoilers, até porque podem querer experienciar o jogo por vocês mesmos, mas como já referi o enredo está repleto de clichés e, para piorar ainda, a escrita sobressai como do mais amador possível. Os diálogos são irrealistas, as personagens são estereótipos e existe tanta decisão burra à filme de terror, que é difícil entender como é que deixaram o jogo avançar com este guião. É um total desserviço a Josh Duhamel e Karen Fukuhara (de The Boys), que mereciam bem mais.
Vídeo Gameplay do jogo The Callisto Protocol. Venham ver, cliquem no vídeo e vejam o nosso gameplay.
Opinião Final:
The Callisto Protocol quis vender-se como uma sequela espiritual de Dead Space e que iria redefinir o género, acabando por não ser bem sucedido nem numa coisa nem outra. As “inspirações” demasiado coincidentes, a falta dos elementos de terror e tensão tão necessários num jogo destes, um enredo desinspirado e deslavado e inúmeros problemas técnicos culminam num jogo sem identidade própria e que não consegue tomar partido do melhor que tem. Enquanto jogava The Callisto Protocol, só pensava na vontade que tinha de voltar a jogar Dead Space e se isso não é um indicador do que sinto pelo jogo, então não sei o que será.
Do que gostamos:
- Aspetos visuais impressionantes e excelente utilização de motion capture;
- Combate corpo a corpo poderia ser uma introdução interessante ao género…
Do que não gostamos:
- …mas que foi mal implementado e desenvolvido, como o resto do combate;
- Prende-se demasiado à sua inspiração em Dead Space, sem nunca atingir uma identidade própria;
- Exploração nula;
- Falha completamente no terror, com jump scares ineficazes e zero atmosfera.
Nota: 5,5/10
Análise efetuada com um código PS5 cedido gentilmente pela distribuidora.