Opiniões são como tudo na vida, mas para mim indubitavelmente The Last of Us é um dos jogos que marcou o panorama dos videojogos nos últimos anos. A sua qualidade inerente cinematográfica, a sua narrativa que foi muito para além do típico enredo de sobrevivência num cenário pós apocalíptico fez com que se tornasse num dos melhores jogos da sua geração (já da Playstation 3) e a sair das mãos da Naughty Dog. Deixo já aqui uma nota, não joguei The Last of Us Part II (ainda) e também não vamos aqui recair em polémicas ou opiniões. Se gostaram, óptimo, se não têm sempre o título original para desfrutar.
Já se começa a tornar corriqueiro ver chegar novas versões – remasterizadas ou refeitas – de títulos icónicos dos videojogos, que ou levam uma cara lavada ou são reconstruídos de raiz, de modo a recriar a sua experiência original aos olhos da indústria atual. Volvidos quase 10 anos, a Naughty Dog achou que estava na altura de dar uma nova vida a The Last of Us, por via de algo que denominaram um remake, tomando partido da tecnologia atual para recriar a experiência de forma ainda mais cinematográfica. The Last of Us já tinha recebido uma versão remasterizada para a Playstation 4 e temos de admitir que ainda é um jogo com bom aspeto, pelo que a notícia desta nova versão deixou-me um pouco a coçar a cabeça. Será que The Last of Us precisava mesmo deste tratamento? Bem, a resposta é sim e não e não sei.
Quando começam The Last of Us Part I para a Playstation 5, é normal que fiquem deslumbrados com os gráficos, mas ao mesmo tempo fiquem a achar que não é assim tão diferente do original… até efetivamente compararem os dois. A Naughty Dog demonstra aqui porque é que é mestre na sua arte, desde a iluminação, às subtilezas das expressões e linguagem corporal das personagens, nada é deixado ao acaso, ainda que as cutscenes e momentos tenham sido recriados ponto a ponto (qual Psycho de Gus Van Sant). Um dos grandes pontos de contestação foi o novo modelo de Tess, porque parecia mais velha, menos bonita, mas a verdade é que todas as personagens parecem mais humanas, no sentido estético e da sua alma. Após anos de um cenário devastador de uma pandemia de cordyceps e de uma luta constante pela sobrevivência, é possível ver o sofrimento e sobretudo cansaço na cara das personagens, as suas faces marcadas por linhas que contam a sua história, tudo aquilo por que passaram e tudo o que tiveram de fazer – bom e mau – para sobreviver até então. É um cenário duro e esta nova versão demonstra isso de forma ainda mais fidedigna.
A crueza do mundo é também refletida no dano nos inimigos. Feridas de armas de fogo não são coisas bonitas de se ver e The Last of Us Part I não se coíbe de mostrar bem isso. A natureza e folhagem é muito mais densa, a destruição do cenário é muito mais visível e palpável, os reflexos nos vidros são deslumbrantes e tudo é extremamente realista. A iluminação é muito mais cuidada e ao invés de estarmos a olhar para um cenário de um videojogo, é fácil esquecermo-nos deste facto e perdermo-nos nas pequenas partículas de esporos que permeiam o ar de certos locais.
O mundo torna-se ainda mais vivo e mais imersivo através da utilização inteligente do DualSense. É possível sentirmos a força da chuva na ponta dos nossos dedos ou a gravilha debaixo das rodas do nosso veículo. Tudo isto são pequenas coisas, é certo, mas que adicionam a uma experiência que já de si era extremamente imersiva, bem como à tensão que certos momentos do jogo trazem.
Como a Naughty Dog nos fez questão de relembrar uma e outra vez, o que temos aqui é um remake, uma versão fiel à visão original mas reconstruída de modo a poder retratar ainda melhor aquilo que quiseram fazer da primeira vez, mas cujas limitações gráficas não permitiam a 100%. Logo, não é descabido assumir que isto iria implicar alterações à jogabilidade, principalmente considerado The Last of Us Part II introduziu novas mecânicas à fórmula original. Infelizmente, não é o caso e honestamente não percebo muito bem porquê. A jogabilidade, a par da estrutura cénica, mantém-se largamente inalterada (ainda que com melhorias ao nível da AI dos inimigos) e é aqui que se cria uma grande dissonância, tornada ainda maior à medida que vamos avançando no jogo.
A jogabilidade de The Last of Us, na sua versão original, já não era a coisa mais diferenciadora e servia como um meio para nos imergir na narrativa e no mundo, sem grandes subterfúgios. É funcional, presta-se ao conceito do título mas não era nada de inovador, mesmo considerando o seu foco maior em combate furtivo versus uma ação mais ativa como é num Uncharted. Mas volvidos quase 10 anos, com todas as evoluções técnicas e criativas que existiram até agora, é absolutamente gritante ver como a jogabilidade e até o level design simplesmente não acompanha os standards atuais, a par de uma componente visual absolutamente impecável. É como estarmos a conduzir um carro de 2022, com linhas modernas e aspeto futurista, mas que depois não tem direção assistida e tem um rádio de cassetes. Eu sei, pode parecer exagero, mas custa-me a compreender porque é, depois de existir todo um trabalho a recriar este mundo para ficar a par daquilo que é feito hoje em dia (e mais uma vez, a Naughty Dog é mestre naquilo que faz), não houve a preocupação de atualizar nem que fossem pequenos elementos de jogabilidade, sendo que já existe uma base criada para a sequela do jogo. Por mais que fique deslumbrada, custa-me justificar a existência deste remake, considerando o potencial daquilo que poderia ter sido feito e que é muitas das vezes feito com muitos outros jogos que sofrem o mesmo tratamento, principalmente considerando o preço que foi atribuído a este título. É mais do que certo que estamos aqui perante uma possível preparação para um lançamento para PC mas… esperava mais.
Apesar de tudo, não posso deixar de referir uma das grandes melhorias de The Last of Us Part I e que felizmente se está a tornar no standard dos grandes AAA, que é toda uma miríade de opções de acessibilidade – contando ainda com conjuntos de opções pré-definidas para dificuldades ou visuais, ou auditivas, entre outras, certificando-se assim de que estes mundos são abertos a verdadeiramente todos os jogadores que os queiram experienciar. Este cuidado é de louvar e é bom ver que cada vez mais se torna algo comum.
Ainda que tenha expressado alguma desilusão, não consigo não recomendar The Last of Us Part I. O título original era já em si uma experiência narrativa que visava mostrar não uma qualquer história de zombies ou criaturas similares, mas sim uma história sobre sobrevivência e principalmente a condição humana. The Last of Us debruça-se sobre aquilo que nos faz melhores e piores, como as circunstâncias alteram os nossos valores e como na vida real, as coisas não são como nos filmes e nem sempre os heróis e vilões são preto e branco. Como mesmo fazendo face a um cenário pós apocalíptico de devastação da raça humana, como os próprios homens são eles mesmos a sua maior ameaça e como muitas vezes a condição humana resulta em fazermos aquilo que é o mais certo para nós, ainda que isso implique consequências potencialmente devastadoras. The Last of Us é um exercício de dor, de amor e de procura de redenção que dificilmente não ficará na memória daqueles que nunca o jogarão… porque para os demais, podem ter a certeza que nunca nos esqueceremos de Ellie e Joel.
Opinião Final:
Quer se goste ou não ou se ache este remake necessário, o que é certo é que é um privilégio poder viver The Last of Us I na atual geração, voltando a fazer-nos passar por toda a montanha russa emocional que a Naughty Dog nos fez passar em 2013. Queríamos muito ter vistos melhorias no jogo base, mas ainda assim é uma experiência obrigatória para quem nunca a viveu e a versão definitiva daquele que poderá muito bem ser o magnum opus da Naughty Dog.
Do que gostamos:
- O remake gráfico é absolutamente deslumbrante e torna o mundo ainda mais vivo;
- A utilização do DualSense ajuda a uma ainda maior imersão;
- Variadas opções de acessibilidade;
Do que não gostamos:
- Pouca atualização à jogabilidade, deixando a sensação de oportunidade perdida.
Nota: 9/10
Análise efetuada com um código PlayStation 5 cedido gentilmente pela distribuidora.