The Walking Dead: Temporada Final – Episódio 1: Chega de Fugir – Análise

Ao longo de três temporadas, os jogadores acompanharam a difícil jornada da sempre carismática Clementine num mundo pós-apocalíptico, onde cada passo representava não apenas uma busca por um lugar seguro e uma aparente paz, mas também uma inevitável perda e escolhas difíceis a serem feitas. Na primeira temporada fomos apresentados a uma criança indefesa, que aprendia ao lado de Lee a sobreviver a esta mudança hostil no mundo que habitavam. Na segunda temporada, após um dos momentos mais dramáticos da franquia, Clementine foi forçada a crescer bem rapidamente e a praticamente lidar com a sua nova realidade na maior parte do tempo sozinha. Já na terceira temporada, Clementine perdeu espaço para Javier, tornando-se numa personagem secundária, mas que no coração de muitos fãs ainda era a grande protagonista, o que acabou por dividir opiniões em relação a este momento na série.

Talvez tenha sido por consciência deste facto que a Telltale, nesta quarta e última temporada, decidiu centrar-se justamente novamente em Clementine e nas consequências do seu amadurecimento forçado, bem como na responsabilidade de uma jovem que agora se vê na pele da sua principal figura paternal, Lee.

Tanto para aqueles que já se tinham esquecido dos acontecimentos das três primeiras temporadas, como para aqueles que, por algum motivo, não jogaram alguma delas, o primeiro episódio de The Walking Dead: Temporada Final começa com um flashback em que é inclusive possível reviver algumas das escolhas mais importantes e fulcrais dessas temporadas.

Apesar de ainda ser possível sentir os efeitos de falta de coesão entre as primeiras três, esta quarta e última temporada começa justamente com Clementine ao lado de Alvin Júnior (AJ) numa vida nômada em busca de um lugar seguro e, principalmente, de recursos básicos de sobrevivência. Seguindo nesta busca, encontram um lugar aparentemente abandonado, onde somos confrontados desde logo com uma escolha difícil que levará a uma recompensa que até poderia ser grandiosa, se já não estivéssemos habituados à narrativa da franquia, em que há sempre algo que corre terrivelmente mal para Clem e AJ e ambos precisam de lutar pelas suas vidas para sobreviver a uma pequena horda de zombies.

Esse primeiro momento de gameplay está repleto de referências a momentos e até diálogos da primeira temporada, com realmente Clementine a assumir o papel que Lee desempenhou na mesma, como um pai para a rapariga, que agora nesta última temporada passa esses ensinamentos a AJ, que visivelmente já está bem familiarizado com este universo repleto de zombies e perigos. Após um acidente, ambos são resgatados por um grupo de crianças e será em torno desta comunidade que o primeiro episódio, intitulado “Chega de Fugir”, se vai desenrolar.

De maneira mais confortável ou desconfiada, a depender das escolhas do jogador, Clem irá contribuir com o que pode para esta nova comunidade liderada por crianças, enquanto AJ terá o seu primeiro contato com pessoas da sua idade. Esses momentos iniciais, permeados por uma relativa calma, servem principalmente para construir melhor a personalidade e história das personagens, principalmente a interação entre Clem e AJ. Neste, vemos pela primeira vez uma personagem que tenta encontrar um equilíbrio saudável entre ensinar tudo aquilo de que AJ precisa para sobreviver neste mundo caótico e cheio de perigos, e transmitir-lhe noções básicas, como de moralidade e vida em sociedade, já que ao contrário dela, AJ nunca teve um contacto saudável com pessoas e uma sociedade normal.

O meio em que AJ nasceu tem como consequência que coisas simples da nossa realidade, como um baloiço feito a partir de um pneu, sejam algo de completamente estranho para ele, já que no seu dia-a-dia até àquele momento nunca houve espaço para diversão ou coisas típicas de uma criança. A sua atenção teve sempre de estar voltada para rotas de fuga, em que ponto deve atingir os zombies, e até mesmo, algo bem chocante para a nossa realidade, como o facto de a última munição da arma ser destinada a quem a segura.

Assim como nas temporadas anteriores, boa parte do episódio centra-se na exploração e investigação dos locais, embora agora com muito mais liberdade de movimentação e combate durante os encontros com os zombies. Na pele de Clem, o jogador agora poderá utilizar mais meios estratégicos para finalizar o confronto, além de em alguns momentos utilizar o próprio ambiente como aliado. Esta possibilidade transforma-se num fator bastante importante nesta temporada, já que realmente traz uma maior sensação de liberdade em comparação com as anteriores, onde os confrontos eram mais lineares e eram resolvidos maioritariamente por recurso a QTEs (Quick Time Events).

Outro elemento adicional, aliado a essa liberdade, é que agora os jogadores poderão realmente interagir e encontrar funções para itens aleatórios encontrados durante a exploração e investigação. Também isto traz uma mudança interessante para o jogo, já que nas temporadas anteriores era bem claro quais os itens que teriam alguma função na narrativa e os itens que apenas serviam para transmitir informações adicionais, mas que eram descartados assim que o jogador interagia com os mesmos. Já nesta quarta temporada alguns itens serão apanhados por Clementine e servirão até mesmo para personalização de alguns locais, com alguns deles sendo inclusive exclusivos de determinados caminhos que o jogador poderá seguir.

Mas nem tudo sofreu alterações, infelizmente. Como já é habitual nos jogos da Telltale, o aviso de que as ações do jogador terão consequências no desenrolar história, que é moldada pelas suas escolhas está presente. Mas os veteranos na franquia e dos jogos do estúdio já sabem que esse aviso não representa exatamente uma verdade absoluta. Sendo assim, a narrativa em si continua linear, pelo que se uma personagem foi desenvolvida para trazer toda uma construção emocional e morrer no final, não importa escolhas que se tomem, ela irá morrer.

Este não é um fator negativo ou que estrague a experiência, principalmente daqueles que já estão habituados a este sistema onde não estamos diante exatamente de um videojogo aos moldes tradicionais, mas sim de uma espécie de série interativa, onde a narrativa foi pré-definida e o jogador tem pequenos momentos de liberdade em que pode alterar pequenos detalhes dessa história. O núcleo central permanecerá, contudo, inalterável, e caso o jogador entenda isso, a diversão é garantida na mesma.

Mas apesar de não estragar a experiência ou o fator diversão, esse estilo mais linear mantido em The Walking Dead: Temporada Final, prejudica significativamente o fator replay, já que é muito difícil que o jogador se sinta incentivado a recomeçar o episódio tendo-o concluído para descobrir o que aconteceria se tivesse feito uma outra escolha. No máximo, irá alterar pequenos detalhes ou diálogos, mas os grandes acontecimentos vão encontrar o seu caminho para convergir num mesmo ponto.

The Walking Dead: A New Frontier (também conhecido como terceira temporada) marcou a estreia do novo motor gráfico da Telltale, porém, é em The Walking Dead: Temporada Final que a evolução gráfica proporcionada pelo novo motor se torna mais notável, com melhorias significativas na iluminação, nas texturas e principalmente nos detalhes de cada personagem.

Esta melhoria gráfica traz como principal destaque o contraste de cores utilizado pelo estúdio no desenvolvimento do jogo, o que finalmente aproximou bastante o jogo da sua origem, sendo The Walking Dead: Temporada Final o conteúdo da aclamada franquia The Walking Dead que mais se aproxima visualmente de uma banda-desenhada. Com os seus tons mais escuros e carregados em locais específicos do cenário a contrastar com cores mais intensas e vivas em locais cuidadosamente escolhidos para servir exatamente como um ponto de foco nas cenas, ficamos constantemente com a sensação de estar a ler uma banda-desenhada animada. As animações também receberam um cuidado especial, mas ainda assim é notável a falta de fluidez já característica das temporadas anteriores em algumas cenas, a não permitir assim uma maior naturalidade nas interações.

Esse primeiro episódio traz ainda a opção de adicionar legendas e áudio em PT-BR, algo inédito na franquia até então. Contudo, devido aos acontecimentos com a Telltale Games, esta opção apenas se mantém até ao segundo episódio, sendo que a partir daí apenas vai ser possível selecionar este idioma para as legendas. Infelizmente, há alguns erros principalmente na construção gramatical de alguns diálogos em PT-BR, embora não seja nada que comprometa o entendimento da narrativa.

Opinião Final:

Em resumo, este primeiro episódio deixa bem claro que estamos diante de uma Clementine que agora terá de assumir o papel que Lee abraçou na primeira temporada, embora com uma grande diferença, já que Lee estava a vivenciar pela primeira vez alguns acontecimentos enquanto tentava ao mesmo tempo ensinar o que aprendeu a que então era uma rapariga indefesa. Já nesta quarta temporada, Clementine cresceu e amadureceu, tendo sido confrontada diariamente com esse mundo durante anos, e estando por isso apta a transmitir os seus conhecimentos de maneira muito mais natural e consistente a AJ.

Toda esta construção serve bem para deixar claro que o trabalho feito neste primeiro episódio de The Walking Dead: Temporada Final definitivamente não traz nada de grandioso ou extraordinariamente inovador, e nem era essa a intenção. Trata-se de um episódio que mostra sim que a franquia evoluiu e trouxe melhorias, e narrativamente é comparável a segunda temporada, não sendo nem tão surpreendente e emocional como a primeira, nem perto de um desastre como foi a terceira temporada.

Do que gostamos:

  • Centrar o núcleo da história do episódio em crianças traz alguns elementos narrativos interessantes e impressionantemente instáveis, principalmente relacionados com AJ;
  • Evolução gráfica notável mesmo comparado com a terceira temporada, principalmente pela utilização do contraste entre cores escuras bem marcadas e uma grande variedade de cores pontuais;
  • O recurso de adicionar um elemento de maternidade entre Clementine e AJ, resulta em algo primoroso que evoca na mente dos jogadores a primeira temporada, graças ao comportamento herdado de Lee;
  • Novas mecânicas de interação e combate ampliam ainda mais a interação do jogador com o universo que até então estava mais limitado a QTEs;
  • Agora os itens encontrados no cenário possuem uma maior importância dentro da própria ambientação do jogo.

Do que não gostamos: 

  • Infelizmente, as consequências das escolhas do jogador continuam a resultar em interferências muito rasas na história que prejudicam inclusive o fator de rejogabilidade do episódio:
  • As animações continuam a sofrer do problema habitual de falta de fluidez, o que prejudica diretamente o realismo de algumas interações.

Nota: 8/10

Episódio analisado através de uma cópia da versão PC (Epic Games) gentilmente cedida pela Ecoplay.