The Walking Dead, tanto na sua versão original em banda-desenhada, como na série e ainda nos videojogos, sempre teve momentos de tensão extrema, mas, talvez poucos momentos tenham alcançado um nível de profundidade narrativa como este segundo episódio de The Walking Dead: Temporada Final, intitulado “Sofrem as Crianças”.
Na análise ao primeiro episódio, tentei encontrar um equilíbrio no destaque dado às várias dimensões desta quarta e última temporada, analisando o episódio como um todo, tanto a nível da sua narrativa, como a nível técnico e gráfico. Sendo assim, esta segunda análise será mais focada na narrativa, já que não foi introduzida qualquer nova mecânica ou alteração gráfica. Obviamente, também será necessário explorar um pouco do que aconteceu no primeiro episódio, mas tentarei ao máximo não entrar em detalhes e assim não estragar a surpresa daqueles que ainda não o jogaram.
Como mencionado na análise anterior, no primeiro episódio temos Clementine e AJ como protagonistas enquanto, dia após dia, tentam sobreviver como nómadas em busca de um lugar seguro e recursos, quando justamente numa dessas incursões caiem numa armadilha e quase morrem, acabando por ser resgatados por um grupo de jovens que criaram uma comunidade nos terrenos da sua antiga escola. No entanto, estamos a falar de The Walking Dead, e por isso é claro que a paz não poderia durar muito tempo. Segredos acabam por ser revelados que colocam o líder da comunidade numa situação extremamente tensa, e quando as coisas pareciam que estar prestes a resolver-se AJ acaba por tomar uma decisão que muda tudo.
No primeiro episódio tínhamos uma clara construção da personagem de Clementine, com esta a assumir o papel desempenhado por Lee na primeira temporada, estando responsável por cuidar de AJ e conseguindo pela primeira vez proporcionar um ambiente em que o miúdo parece conseguir ter experiências típicas de uma criança. Já este segundo episódio gira em torno de temáticas mais pesadas como o perdão, redenção, decisões difíceis, perdas e questionamentos morais, e tudo isto a ter como personagem central o próprio AJ.
Este episódio deixa bem claro que Clementine tentou ensinar tudo o que conseguia, mas que mesmo assim tal não foi suficiente para dar a AJ uma formação equilibrada. Crescer num ambiente onde a sobrevivência foi colocada diariamente à frente de qualquer conceito social, leva a que as reações de AJ a coisas que normalmente seriam chocantes, sejam assustadoramente calmas e confusas, não pela ação, mas pela reação de pavor de todos em seu redor, que não entendem como ele chegou àquele ponto.
Boa parte do episódio tem como foco justamente todo o questionamento aliado aos acontecimentos do final do primeiro episódio, com AJ a ser constantemente julgado e Clementine a tentar resolver uma situação que claramente é desfavorável. Ao mesmo tempo, esta continua a tentar dar respostas a AJ e a lidar com as consequências dos segredos revelados e da reação de AJ. Toda a construção destes momentos provoca grandes focos de carga emocional, os quais são enfatizados pelo facto da Telltale ter recorrido a cortes rápidos e secos entre o que aconteceu na noite anterior e no dia seguinte, sendo este um recurso utilizado pela primeira fez na franquia.
Já aquele que podemos considerar o segundo ato do episódio traz de volta uma personagem que obviamente não iremos revelar quem é, mas que com certeza deixará muitos jogadores a sentir uma raiva muito intensa. Este segundo ato também introduz uma nova personagem que deverá ter presença recorrente nos próximos dois episódios, e que pertence a um dos grupos mais importantes de uma das sagas tanto da banda-desenhada, como atualmente na série de TV, os Sussurradores (The Whisperers). Apesar da sua participação ser breve, esta personagem é responsável por estar envolvida numa das cenas mais angustiantes deste segundo episódio e que lembra muito algo que aconteceu logo no início da segunda temporada.
Outro aspeto explorado neste segundo episódio, e que serve inclusive como um momento para respirar – afinal, o terceiro ato já estava a ser construído para trazer consigo uma verdadeira catarse -, é o de Clementine explorar, pela primeira vez na série, os seus sentimentos, nomeadamente os seus sentimentos amorosos. Como mencionado, esta análise não terá spoilers, então não irei entrar em detalhes sobre este momento, mas é algo importante de ser mencionado, pois, infelizmente, a construção do mesmo não parece ter sido bem trabalhada. Apesar de haver claramente uma construção do clima até àquele momento, os diálogos deixam uma clara sensação de falta de naturalidade, já que infelizmente as tentativas de expandir a personalidade dos outros personagens, não são suficientes para estabelecer vínculos tão fortes a ponto desse momento ser realmente especial.
Quanto aos pontos negativos deste segundo episódio, não há muito apontar exceto repetir o que foi dito na análise ao primeiro: apenas há uma decisão que se sente ter peso na narrativa, sendo todas as outras apenas recursos que prometem ter um peso significativo, mas que, na prática, não possuem tanta influência assim.
Como mencionado também na análise ao primeiro episódio, este é o último que traz a opção de áudio em PT-BR, algo que sendo bem sincero não faz tanta diferença assim, já que é ainda mais notável a falta de atenção aos diálogos, existindo em diversos momentos uma falta de sincronia com o movimento labial das personagens, assim como diferenças entre o áudio e as legendas (mesmo estando ambos no mesmo idioma) e até mesmo momentos em que simplesmente o áudio sofre um corte inexplicável.
Opinião Final:
Em resumo, o Episódio 2: Sofrem as Crianças, apresenta uma qualidade narrativa superior ao do primeiro episódio, principalmente no seu primeiro ato, algo que começa a sofrer um declínio no final do segundo ato com algumas situações que claramente não fazem muito sentido, já que vão numa direção completamente oposta àquilo que já tinha sido estabelecido no primeiro episódio, nomeadamente, em relação a maneira como aquelas crianças lidavam com os zombies. A construção do romance que surge no terceiro ato sofre ainda com o facto de a interação parecer completamente forçada. Apesar desta perda gradual de qualidade, este continua a ser um episódio que vale a pena. Finalmente, o episódio termina deixando no ar que teremos um terceiro episodio repleto de ação e vingança.
Do que gostamos:
- Um dos melhores episódios a nível narrativo da franquia da Telltale Games, principalmente no seu primeiro ato centrado nas ações de AJ;
- Introdução de duas personagens novas na temporada, sendo uma delas uma personagem que regressa e que com certeza irá apanhar todos de surpresa;
- A relação entre as personagens são ainda mais aprofundadas;
- O sistema de combate ficou ainda mais evidente neste episódio, algo que já havia sido elogiado pelas suas novidades no primeiro episódio.
Do que não gostamos:
- As consequências das escolhas feitas pelo jogador continuam a ter pouca influência significativa no episódio;
- É ainda mais notável neste episódio a falta de dedicação do estúdio na dobragem do áudio em PT-BR;
- Infelizmente, apesar de um início promissor, à medida que se encaminha para o seu final, o episódio possui algumas inconsistências narrativas;
Nota: 8/10
Episódio analisado com base numa cópia da versão PC (Epic Games) gentilmente cedida pela Ecoplay.