Análise – Gears of War 4

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A série Gears of War caracteriza-se por algumas curiosidades que afetaram o rumo da marca Xbox. Uma das mais importantes, especialmente para o destino do considerável sucesso da Xbox 360, foi de que a Epic Games, produtora original do jogo, mostrou na altura duas versões do primeiro jogo à Microsoft, uma em hardware com 512MB de RAM e outra num hardware com 256MB,  que era o que a gigante de Redmond já se tinha decidido a implementar na consola. No entanto, a diferença visual era tal que a Microsoft acabou por alterar as especificações da consola para 512MB, o que causou não só alguma escassez de unidades à venda no seu lançamento, mas também que quase todos os jogos para ela lançados fossem realmente em HD e, eventualmente, contribuir generosamente para a venda de unidades da consola. Podemos, então, concluir que o jogo foi um dos maiores responsáveis pelo sucesso da consola, especialmente nos Estados Unidos. Outra, não tão marcante, é a de que o nome de Marcus Fenix, sem dúvida o personagem principal da série, que tem origem na altura do desenvolvimento do jogo original em que, após um casamento falhado, Cliff Bleszinski queria erguer-se e recuperar, ou seja, renascer das cinzas tal como uma ave de Fénix.

Existem muitas outras curiosidades que dariam bons temas de conversa, porém estamos aqui para falar do 4º capítulo da série, após 3 iterações na Xbox 360. Finalmente, na nova geração e prometido por Phil Spencer, este Gears of War 4 foi desenvolvido por um novo estúdio criado pela Microsoft, o The Coalition, sob tutela de Rod Fergusson, ex-diretor da Epic Games. Houve quem tivesse colocado dúvidas sobre a qualidade do jogo e se este conseguiria manter o nível de qualidade da trilogia original, especialmente após o não tão bem conseguido Gears of War Judgement. A resposta rápida é que sim, a série está em muito boas mãos. Podemos desde já deitar por terra quaisquer receios de que, sem a mão da Epic Games, o jogo seria inferior. Vamos descobrir o porquê.

Mascus Fenix toma um papel secundário mesmo que dando uma ajuda inestimável.

Marcus Fenix toma um papel secundário, mesmo que dando uma ajuda inestimável.

Confesso, em primeiro lugar, que não fui acompanhante fidedigno da série Gears of War. No entanto, com o máximo respeito pelos fãs da série e pelos leitores desta análise, fiz a minha pesquisa, mesmo depois de ter jogado Gears of War 4 e ter compreendido uma boa parte do universo. O jogo é a continuação directa de Gears of war 3, tendo passado 25 anos após os eventos desse 3º capítulo. A estória centra-se num trio de jovens rebeldes: JD Fenix, filho de Marcus Fenix, Kait (a protagonista feminina) e Del. Depois de estes se infiltrarem numa instalação do novo exército COG e roubarem alguns mantimentos, o grupo regressa à sua aldeia, que acaba por ser atacada em repercussão dos seus atos. Após conseguirem aguentar este ataque, a aldeia acaba por ser, mais tarde, de novo atacada, desta vez por um inimigo muito mais mortífero, conhecido por Swarm. A partir daí partem numa missão de salvamento e de procura de respostas que passa por pedir ajuda ao lendário Marcus Fenix.

Em termos de desenvolvimento de personagens, um bom trabalho foi feito pelo estúdio. JD, como o filho pródigo a tentar provar a sua maturidade ao seu Pai, Kait, destemida e corajosa guerreira que não hesita no sinal de perigo e Del serve como o habitual “alívio cómico”, sendo algo receoso e questionando certas atitudes que os outros tomam. Não obstante, continua leal ao seu amigo, JD. Marcus continua carismático e misterioso como sempre, deixando a liderança do grupo para o seu filho, no entanto, sempre oferecendo os seus conselhos de veterano quando necessário. A certa altura do jogo nota-se algum arrastamento ou um pouco de esforço a mais, especialmente na relação entre JD e Del, na qual estes estão constantemente a contar piadas um ao outro, algumas com bom efeito, porém outras particularmente gastas e empregues em alturas algo constrangedoras ou menos indicadas. Achei um pouco estranho as constantes piadas ou fazerem o jogo de “pedra, papel, tesoura”, especialmente em alturas mais sérias e depois de certos acontecimentos. Esta falta de preocupação por parte deles acaba por causar alguma estranheza.

Tempestades destas são frequentes ao longo de todo o jogo. E brutais.

Tempestades destas são frequentes ao longo de todo o jogo. E brutais.

Inicialmente as batalhas são contra inimigos robóticos pertencentes ao exército COG, os DeeBees. Apesar de algo diferentes dos comuns inimigos dos jogos da série e de ter a certeza que muitos fãs mais fervorosos poderem até não gostar desta mudança, eu pessoalmente achei interessante e divertida. Entre armas novas temos algumas adições interessantes, mas outras quase inúteis. De louvar, no entanto, a decisão do estúdio por não revolucionar por completo o armamento, mantendo quase tudo o que já havia nos jogos anteriores, tendo apenas adicionado algumas novas armas que, apesar de diferentes, não alteram drasticamente a jogabilidade sólida a que os fãs já foram habituados. Alguns novos elementos entre batalhas também foram introduzidos como tempestades ou objetos do cenário que podem ser movidos ou deitados ao chão para nossa vantagem, ou mesmo para matar inimigos. É notória uma considerável melhoria na Inteligência Artificial dos inimigos, que se nota especialmente nos momentos em que nos tentam flanquear, algo que fazem de uma maneira muito melhor. Outro dos momentos em que se nota bem esta evolução são aqueles em que nos atiram granadas para nos forçarem a sair do abrigo.

A campanha é composta por 5 Atos de quatro a cinco capítulos cada um, o que torna este 4º capítulo num dos mais extensos da série. Uma menção especial sobre o prólogo é  que este inicialmente me causou uma sensação de estranheza (e de pouca esperança na qualidade do jogo), mas depois surpreende pela forma genial como foi feito. Alerto para o spoiler na descrição e explicação seguinte: o prólogo consiste na ministra Jinn a discursar sobre atos heróicos em batalhas passadas e o jogador revive alguns desses atos. Ao início, a jogabilidade está feita de tal forma que parece arcaica e até visualmente, apesar de muito bom, o estúdio consegue conferir um aspeto “antigo” aos cenários. Dei por mim a pensar que nada tinha mudado no jogo e que estava perante uma grande desilusão. Depois, à medida que fazemos missões mais recente as coisas vão mudando até que começamos o jogo mesmo com JD e aí vemos a alteração brutal em termos de melhorias tanto gráficas como em jogabilidade. Só mesmo passando pela experiência dá para perceber a diferença.

As execuções são de extrema violência.

As execuções são de extrema violência.

A ação em Gears 4 é frenética e mantém o jogador em constante alerta, tanto em relação às munições (que apesar de espalhadas em abundância pelos níveis iremos gastar em grandes quantidades), como pelos inimigos e tudo em nosso redor. Normalmente os níveis têm um progresso específico em que temos, numa parte, caminhamos um pouco, explorando e/ou procurando algo para prosseguir para a zona seguinte, e, logo de seguida, nas cenas de combate, que são mais ou menos fáceis de prever, quando vão acontecer – basta notarmos que a área onde estamos a chegar tem mais obstáculos e paredes para permitir tiroteio do bom. Uma boa novidade é a introdução de secções de defesa de uma certa área, onde podemos colocar máquinas automáticas de tiro, obstáculos e afins. Isto confere uma pequena lufada de ar fresco ao jogo e fez-me desejar que houvessem em maior quantidade, justamente pela diversão que me proporcionaram. De lembrar que a campanha é jogável com até mais 3 amigos

Visualmente está um mimo e é (discutivelmente, é claro) um dos melhores para a Xbox One e desta geração, neste quesito. Os personagens estão com detalhes minuciosamente criados, aproximando desta feita o jogo ao mundo real. Enquanto que em jogos anteriores tínhamos “bestas” musculosas e exageradas, desta vez a compostura física é bem menos exagerada, mesmo que mantendo ainda um aspecto corpulento. Marcus Fenix volta com um aspecto compreensivelmente mais velho e desgastado, que está muito bem detalhado. A tradição de melhorar a cada jogo os cenários faz com que o espetáculo visual continue com efeitos fantásticos de luz, fumo e partículas, além das sequências meteorológicas impressionantes.

Visualmente fantástico.

Visualmente fantástico.

A direção artística está deliciosa com pormenores meticulosos adequados ao ponto no tempo em que o jogo se passa, dando bem a entender a idade e desgaste de todos os acontecimentos até à altura, com edifícios assolados por vegetação e abandonados, ou instalações mais modernas e futuristas. Frequentes foram momentos em que simplesmente fiquei parado a admirar as muitas particularidades visuais do jogo. Apesar de ter tentado, não consegui notar uma única vez qualquer perda de frame, arrastamento ou anomalia visual durante toda a minha experiência. Trata-se de um dos jogos mais polidos até agora, com uma suavidade impressionante, mesmo que apenas a 30 frames por segundo. É notório algum esbatimento em volta dos modelos quando em movimento. Isto trata-se de uma técnica já usada anteriormente em Quantum Break e que produz bom efeito apesar de, se repararmos bem, acabar por ter um aspecto estranho.

A nível sonoro também não desilude, estando, a nível geral, pouco menos do que brilhante. Sendo um jogo de alta intensidade constante era vital ter um belo complemento auditivo para acompanhar a ação visual. Desde a trovoada a rebentar mesmo ao nosso lado ao som impetuoso das armas, tudo soa muito bem. Obviamente, a nível de voz o trabalho também está com muito boa qualidade, com atores conceituados a elevar a fasquia. De novo, de notar, alguns diálogos entre JD e Delmont são algo desnecessários e nota-se um tom de voz demasiado cândido e bem disposto em alturas que deveriam demonstrar muito mais negatividade e preocupação. De resto, a banda sonora despoleta nos momentos certos e com os trechos bem idealizados para os momentos chave em questão.

De volta à propriedade da familia. Vamos fazer uma visitinha a Marcus.

De volta à propriedade da familia. Vamos fazer uma visitinha a Marcus.

Em termos de multijogador, confesso também não ser o maior fã do sistema, mas há que lhe reconhecer a qualidade, especialmente a nível de conexão. Nunca notei algum instante de lag ou perda de ligação nas várias vezes que testei. Novos modos de jogo foram introduzidos tais como Dodge Ball ou Arms Race que são bem divertidos. No menu estão 10 mapas ao dispor com também o retorno de um dos mapas mais clássicos: Gridlock. De volta está também o modo Horde, na sua versão 3.0. No meu ver, este é o melhor modo multijogador, uma vez que, sendo essencialmente cooperativo e não competitivo, incentiva muito mais à comunicação com os nossos amigos. Podemos colocar torres de defesa onde quisermos, além de outros dispositivos com a ajuda do Frabricator que também pode ser transportado. É um modo caótico e super desafiante que inclusive traz lutas de boss e apelam à cooperação máxima entre todos os jogadores.

Todas as ações nestes modos permitem ao jogador ganhar créditos. Estes, por sua vez, servem para adquirir Gear Packs, que incluem essencialmente items cosméticos com diferentes níveis de raridade e cartas de perícia a serem usadas no modo Horde. Cartas duplicadas podem ser destruídas para ajudarem a ser transformadas em outras cartas que ainda não tenhamos obtido. De salientar que, nos modos multijogador, a framerate é superior, chegando aos 60 frames por segundo, tornando a suavidade ainda melhor e proporcionando uma experiência ainda mais agradável. Todos os modos cooperativos e jogos privados podem ser jogados em cross-play, ou seja, com amigos que também tenham o jogo para PC.

Esta parte, no meu ver, simboliza o passar de um legado icónico.

Esta parte, no meu ver, simboliza o passar de um legado icónico.

Opinião final:

Gears of War 4 não reinventa a série, de todo. Também, sinceramente, não me parece que seja isso aquilo de que os fãs estivessem à espera. Entrega, no entanto, um suficiente número de novos elementos que enriquecem a experiência de jogo, sem mudar o feeling chave da série Gears of War. Uma campanha com boa duração (de entre 8 a 12 horas) cheia de ação frenética, entusiasmante e com momentos emocionantes que levam a um final que nos deixa pendurados. Variedade interessante de modos multijogador competitivo ou cooperativo, incluindo o brilhante Horde. Visuais e som de qualidade inegável. Apelativo tanto para veteranos como para novos jogadores da série, apesar de ser aconselhável que joguem primeiro  a trilogia. É muito provavelmente o melhor jogo Gears até agora e isso vê-se e sente-se ao jogar.

Alguns elementos na narrativa aborrecem um pouco, como o uso demasiado frequente de elementos cómicos e algumas decisões tomadas pelos personagens que fariam mais sentido de outra forma. Um tom mais sombrio não ficava nada mal empregue. Jogado a sós é muito bom, jogado com amigos é fantástico. É simplesmente o regresso de um dos porta-estandartes da marca Xbox e está melhor do que nunca.

Do que gostamos:

  • Visualmente quase irrepreensível;
  • Trabalho de audio impressionante tanto em banda sonora como em efeitos e vozes;
  • Modos multijogador divertidos, especialmente os cooperativos;
  • Modo Horde;
  • Combate satisfatório.

Do que não gostamos:

  • Ambientação sombria exigia talvez um pouco mais de seriedade nos personagens e seu diálogo;
  • Por vezes a IA dos companheiros é um pouco privada de inteligência.

Nota: 9/10