Análise – Get Even

A The Farm 51 é o clássico estúdio que produz jogos com características muito próprias e que por vezes acabam por passar despercebidos a uma grande parte da comunidade gamer mundial. E eis que no passado mês de junho, juntamente com a Bandai Namco, lançaram Get Even.

Get Even é um jogo que combina de maneira até bem insólita o género de terror psicológico com elementos de ação e puzzles, em alguns momentos fazendo recordar os primeiros jogos da franquia Resident Evil, mas sem os zombies, os hunters ou os lickers a questionar constantemente a sanidade do próprio jogador.

O jogo deixa de lado explicações longas e complexas, e coloca o jogador diretamente numa missão de resgate apenas com a sua arma e um smartphone que, além de dar as indicações, também servirá como lanterna, fará análises e tem até uma câmara térmica.

Esta decisão de evitar logo à partida uma longa explicação coloca o jogador e o protagonista, Cole Black num mesmo nível, já que a personagem simplesmente acorda no meio de um asilo aparentemente abandonado e misterioso, sem entender como ali chegou e tendo apenas perguntas, que o levam a procurar as respostas. A sua única lembrança é a de uma rapariga amarrada a uma bomba, numa situação tensa que está diretamente ligada ao seu passado.

Get Even não é um jogo para quem procura ação constante. A maior parte do tempo o jogador vai-se encontrar a explorar os mais diversos locais, em momentos de exploração que claramente foram pensados para transmitir ao jogador uma sensação de estar num labirinto sem fim. Ao mesmo tempo, permite ao estúdio ir ainda mais além nos géneros que pretende explorar, como o stealth, a parte de shooter e até mesmo o terror, só que mais uma vez de uma maneira totalmente diferente daquilo que o próprio estúdio já fez com Painkiller. Get Even é muito mais focado no terror psicológico do que realmente visual, já que dentro do asilo estaremos constantemente a ouvir pacientes a gritar, cantar e a sussurrar, mas onde estão mesmo esses pacientes?

Além disso, para compreenderem (ou pelo menos tentar) a estória, terão de estar constantemente a ler documentos, ler relatórios de pacientes, encontrar pistas e descobrir senhas, algo que ao início pode parecer muito confuso e até causar alguma estranheza, mas que, recordemos, é precisamente a ideia do estúdio: transmitir a sensação ao jogador de ser o próprio protagonista, ou seja, uma pessoa completamente perdida tanto na ambientação, como na sua própria cabeça.

Apesar do jogador nos dar uma grande liberdade de ações e até armas, rapidamente perceberão que por vezes a melhor opção é passar despercebido, isto porque apesar de estar longe do estilo de jogos da Telltale Games, Get Even está o tempo todo a relembrar o jogador de que as suas ações têm mesmo consequências. Na prática isto será representado muito pela maneira como o jogo se comporta na presença do jogador. Quanto mais agressiva for a maneira como o jogador optar por jogar, mas agressivo o jogo se torna, um elemento que tem como base uma lógica até bem simples. Muitos soldados a proteger uma área significa que ela tem um grande valor, então quanto mais soldados forem eliminados, maior a ameaça, e por isso maior será o número de soldados que serão enviados para dar essa mesma proteção.

Apesar de nem sempre essas consequências serem muito claras, é interessante observar que nem tudo no jogo é linear: o jogador tem opções e essas opções geram consequências. Sem entrar em detalhes que possam estragar a estória… logo no início, o jogador terá a opção de libertar um dos pacientes do asilo, no entanto mais adiante no jogo será apresentada a consequência dessa ação em todo o asilo, e isto será uma constante durante o jogo, com diversas situações onde uma simples ação vai gerar uma ramificação na estrutura do jogo.

O smartphone que Black carrega será um dos objetos mais importantes do jogo, principalmente para fazer scan a objetos e descobrir informações úteis sobre este universo lunático. No entanto, a sua necessidade de ângulo ideal e distância exata muitas vezes pode frustrar os jogadores mais ansiosos, apesar de pessoalmente eu aconselhar que pessoas demasiados ansiosas nem comecem a jogar, já que a frustração pode ser grande. Outra aplicação fundamental é a luz UV que, para além da iluminação, também serve para mostrar indícios – como restos de sangue – que de outra maneira seriam impercetíveis. No entanto, tal como acontece na vida real, não é possível simplesmente selecionar tudo ao mesmo tempo, com o jogador a ter de trocar com frequência entre as aplicações, o que algumas vezes leva a situações que muitas vezes exploram algo simples. Por exemplo, em vários momentos o jogador vai precisar de recorrer ao mapa, mas ao selecionar o mapa todo o local ficará completamente às escuras e, sinceramente, escuro e um asilo abandonado em que constantemente estamos a ouvir vozes por todos os lados… não é uma combinação muito agradável.

Get Even não é um jogo onde disparar é a primeira e mais óbvia decisão, no entanto haverá um momento onde o jogador terá acesso a uma arma chamado CornerGun, que é uma arma que levará o jogador a questionar-se porque é que esta não é uma arma utilizada em outros jogos. Sendo uma versão da arma real conhecida como Corner Shot, esta possui como diferencial a opção da sua parte posterior ser totalmente independente, ou seja, é possível acoplar diferentes armas à mesma, desde pistolas, metralhadoras e até rifles de precisão, com uma câmara e a opção de se poderem virar num ângulo de até 90 graus, permitindo ao atirador manter o seu corpo em segurança enquanto dispara, e sempre com uma grande precisão.

Frase que terão de colocar no nosso Passatempo Get Even:

“Terror muito terror é o que vão encontrar em Get Even um jogo lançado este ano pela Bandai Namco.”

Esta opção mais tática mais uma vez mostra que Get Even não é um jogo convencional, colocando nas mãos do jogador uma arma que oferece uma excelente vantagem tática em situações onde a The Farm 51 fez questão de criar um level design que justificasse essa opção, com estacionamentos, escritórios e outros locais onde o cover é uma constante e uma arma que pode disparar num ângulo de 90 graus é exatamente aquilo de que os jogadores mais precisavam.

Mas esperem lá, estacionamento? Uma arma que dispara a 90º? Será que o editor passou demasiado tempo no jogo e perdeu a noção? O que tudo isto tem a ver com o asilo e a rapariga com a bomba? É justamente isso que o jogador terá de descobrir enquanto joga. Eu restrinjo-me a afirmar que os produtores da The Farm 51 claramente podiam trabalhar com M. Night Shyamalan nos seus filmes.

A nível gráfico, Get Even mais uma vez oferece diferenças. No entanto, neste caso, não são tão bem-vindas ou positivas. Os ambientes internos são de fazer brilhar os olhos, fazendo uso das modernas técnicas de mapeamento 3D para criar ambientações quase que foto realistas, o que aumenta ainda mais a imersão. Porém, a qualidade cai drasticamente quando se trata de áreas externas e outros elementos do jogo, como os inimigos, que basicamente são um copy/paste de má qualidade uns dos outros.

Esta falta de qualidade externa pode passar despercebida a muitos jogadores, já que boa parte do jogo tem como ambientação justamente os tais locais internos, com paredes cheias de infiltrações, cores desbotadas, grafitis e detalhes que vão surpreender até os jogadores mais exigentes. Mas vale sempre lembrar, nem tudo é exatamente tão simples, então constantemente mantenham o smartphone pronto, pois um grafiti pode esconder muito mais do que aparenta.

A nível sonoro, o jogo também merece elogios, afinal num jogo onde o mistério e a tensão são uma constante, os efeitos sonoros valem por praticamente 50% da imersão do jogador. E, sem dúvida alguma, a banda sonora, criada por Olivier Deriviere é que merece uma atenção especial (e exatamente por isso poderão encontra-la em baixo). Com uma banda sonora deste calibre, Get Even oferece uma combinação subtil, mas essencial, entre sons assustadores do ambiente, como os já citados gritos e vozes que muitas vezes não sabemos de onde vêm, e uma banda sonora envolvente e melancólica, com efeitos de respiração fortes, portas a bater, sons de relógios…ou seja, se querem uma experiência que poucos jogos até hoje já ofereceram a nível sonoro, apaguem a luz do vosso quarto, coloquem um headset e joguem Get Even.


Opinião final:

Em resumo, Get Even faz jus ao estilo de desenvolvimento da The Farm 51, sendo este mais um jogo único e totalmente diferente de outros do género no mercado, oferecendo ao jogador uma gama de estilos e géneros sem limites, mas sem perder em nenhum momento a qualidade em todos eles, com uma estória que vai prender o jogador e fazer com que ele tenha uma imersão profunda, num enredo que, ainda que tenha um ritmo lento, consegue surpreender o jogador até ao último segundo.

Por mais surpreendente que possa ser pela falta de criaturas deformadas e monstros, Get Even pode ser considerado um verdadeiro survival-horror, pois vai diretamente às raízes do género, dando prioridade à exploração em vez de à ação, com uma estória cheia de traições, espionagem, terrorismos, e, claro, terror psicológico.

Do que gostamos:

  • Banda sonora que realmente merece aplausos de pé a conseguir, quase que sozinha, a imersão dos jogadores;
  • Qualidade gráfica surpreendente nas ambientações internas;
  • Um sistema de consequências e decisões que aumenta consideravelmente a rejogabilidade.
  • Uma estória que com certeza vai surpreender até mesmo aqueles que passaram a maior parte do tempo a achar que tinham percebido tudo.

Do que não gostamos:

  • As ambientações externas claramente não receberam a mesma atenção que as internas;
  • Inimigos demasiado genéricos;
  • Um ritmo lento que definitivamente não vai agradar a todos os jogadores.

Nota: 8/10