Análise – Life is Strange: Before the Storm

Life is Strange, o original – lançado em 2015 pelas mãos da Square Enix – tendo sido desenvolvido pela Dontnod Entertainment – obteve, principalmente entre a comunidade gamer, críticas muito favoráveis e ganhou uma base de fãs bastante dedicada, devido principalmente ao enredo emocionante e atual, e por tocar em vários assuntos quase tabus ou nunca antes tocados por outros jogos. Tal como a tempestade que ia abater-se em Arcadia Bay, chegou e arrebatou quase tudo e todos, daí não ser muita a surpresa que aquando do anúncio desta prequela na conferência da Xbox na E3 de 2017 muitos fãs a tenham ficado a aguardar com muita ansiedade. Será que a Deck Nine consegue cumprir a qualidade exigida pelos mesmos fãs?

Posso, desde já, adiantar que se tomarmos este primeiro episódio como indicativo, este Life is Strange: Before the Storm promete não desiludir. Desta feita, para quem conhece o primeiro jogo, não jogamos com Max, a rapariga com a semi-habilidade de controlar o tempo, mas sim com Chloe Price, a sua melhor amiga. Nesta prequela, passada 3 anos antes dos eventos do primeiro jogo, tomamos controlo de Chloe e podemos ter um bom vislumbre da sua adolescência conturbada. De várias formas esta adolescente representa em grande parte alguns dos estereótipos atuais de atitude rebelde, passando por uso de drogas, desrespeito pela autoridade e afins, sendo imediatamente reconhecível do primeiro jogo pela sua visão da vida típica de uma jovem do género “Mãe, tu não percebes nada!”.

O jogo faz-nos contemplar a vida através de uma jovem de 16 anos.

Aos poucos vamos entendendo, com o desenrolar dos acontecimentos, as várias causas para esta atitude, como a trágica morte do seu pai num acidente 2 anos antes, as novas escolhas amorosas da sua Mãe, ou até da aparente ausência de Max, a sua melhor amiga, sem avisar nada. Sem querer avançar muito mais, temos aqui vários motivos para uma boa narrativa onde se acaba por explicar um pouco e melhor muito do que há a dizer em relação a esta personagem, que no primeiro jogo era vista por muitos como “demasiado dura e com poucas emoções”. Pelo contrário, Chloe aqui apresenta-se como uma rapariga vulnerável, emocionalmente instável e com constantes batalhas internas na sua mente ainda em desenvolvimento.

É curiosa a forma como, de certo modo, eu próprio me consegui identificar com algumas das situações que ocorrem no desenrolar deste primeiro episódio, e tenho a certeza que a maioria das pessoas que o jogarem também, com mais ou menos incidência. Devo alertar que por vezes o jogo parece querer “forçar” ou exagerar um pouco estas ocorrências na vida de uma jovem. Isto nota-se principalmente nos diálogos da personagem principal que, em certas alturas, são um pouco exagerados, tornando-se demasiadamente dramáticas ou estereotipadas. Felizmente isto não corrompe a qualidade narrativa o suficiente no sentido de estragar a estória.

Não estão em falta as emoções neste primeiro episódio.

O que vejo também que está bem implementado são as raízes de certas “relações” do primeiro jogo, tais como não só entre Chloe e Max (que se encontra longe e sem a contactar), como também com Rachel Amber, a pessoa desaparecida no primeiro jogo. Esta personagem está muito bem retratada e deixará, com certeza, um impacte interessante. Enquanto que no primeiro jogo sabe-se que Chloe era bastante próxima de Rachel, nesta prequela as sementes desta relação estão soberbamente plantadas e deixam um mote bastante entusiasmante para o segundo episódio.

A mecânica de voltar atrás no tempo não está, obviamente, presente neste jogo. Está sim implementada uma espécie de “contra-argumentação” com a qual Chloe pode discutir ou até intimidar para tentar conseguir o que quer. Esta é uma opção estratégica na qual temos de usar um pouco o senso comum para tentar atingir certos pontos sensíveis na personagem com quem estamos a interagir. Por exemplo, logo no início do jogo temos um porteiro que nos chama de “engraçada”, ao qual podemos retorquir o facto da sua motorizada ter uma flor desenhada também ser engraçado. Se escolhemos algo que não tenha muito a ver com o seguimento da conversa, corremos o risco de perder a discussão.

O aspecto visual continua semelhante, apesar de melhorado.

Como no primeiro jogo, podemos explorar o ambiente onde nos encontramos e ouvir os pensamentos de Chloe à medida em que vamos verificando ou olhando para objetos e/ou pessoas. Isto serve para uma ainda melhor imersão na narrativa e para uma melhor experiência (em boa parte não obrigatória) de jogo. Apesar disso, não chega a ter o mesmo nível de imersão que o primeiro jogo, sendo notória uma interatividade menor com tudo no jogo. É uma pena, e algo que, esperemos nós, seja colmatado a partir do segundo episódio.

As escolhas disponíveis logo neste primeiro episódio são complicadas. Decidir o que dizer ou fazer leva a que fiquemos a pensar nas consequências a longo prazo. Enquanto que certos actos mais condenáveis moralmente poderão parecer uma saída mais fácil e dar frutos imediatos, actos mais altruístas podem trazer mais dificuldades naquele momento, mas serem recompensadores mais tarde. Isto é algo que é sempre bom em um jogo de aventura narrativa. Neste momento apenas com um episódio é virtualmente impossível prever as consequências das nossas escolhas iniciais, por isso é com expectativa que aguardo os futuros episódios.

A cena onde Chloe “se aproxima” de Rachel.

Visualmente o jogo continua, ou melhora até, a qualidade do primeiro jogo, com o estilo melancólico e escolha de cores interessante. A nível de áudio a banda sonora indie está muito bem conseguida, quase diria que vale a pena adquirir a versão deluxe que vem com a mesma e com a possibilidade de a alterarmos durante o jogo. As músicas tocam nos momentos mais apropriados, adicionando uma grande carga sentimental aos mesmos. Está mesmo acertada. Em termos das falas, os diálogos não se ajustam em grande parte das vezes aos movimentos dos lábios das personagens. Isto parece ser algo geral neste tipo de jogos, mas não deixa de ser um ponto negativo. Para além disto, certos efeitos sonoros por vezes só acontecem um pouco depois de surgirem os seus equivalentes visuais. Um exemplo é o de alguém a partir uma garrafa e o som só aparecer quase um segundo depois. O que é algo que deveria ser melhorado.

Opinião final:

O primeiro episódio de Life is Strange: Before the Storm é um capítulo sombrio e emocional sobre o passado de Chloe. Um capítulo que planta a raiz da personagem que é no primeiro jogo e que (muito bem) dá o mote para os próximos episódios com uma construção de narrativa muito bem conseguida. O estilo audiovisual só complementa a jogabilidade simples e sólida que deixa qualquer um que se empenhe a entrar no mundo de Chloe a querer por muito mais. E a ansiar pela brevidade do segundo episódio.

Do que gostamos:

  • Estória com narrativa brilhante;
  • Escolhas difíceis que nos fazem trabalhar o cérebro na expectativa das consequências;
  • Arte visual interessante;
  • Ambiente e banda sonora irrepreensíveis.

Do que não gostamos:

  • Não tem a mesma quantidade e variedade de escolhas de exploração do primeiro jogo;
  • Algum exagero no estereótipo de adolescente.

Nota: 8,5/10