Análise – Metal Gear Survive

É seguro dizer que a série Metal Gear se destaca como uma das franquias de videojogos mais conhecidas. Aliás, os vários títulos “Metal Gear” lançados por ciclo geracional costumam, e com boa razão, ser absolutamente obrigatórios para a nossa consola de eleição. Só por alto: Metal Gear II na MSX, Metal Gear Solid (MGS) na PSone, MGS2: Sons of Liberty na PS2 e Xbox, MGS4: Guns of the Patriots na PS3, Metal Gear Peace Walker na PSP, Metal Gear Rising: Revengeance na PS3 e Xbox 360, os fantásticos MGSV: Ground Zeroes e The Phantom Pain na PS4 e XBone, a lista, como se diz “goes on and on…”.

O sucesso da franquia deve-se, antes de mais, ao génio de Hideo Kojima – o criador e produtor de Snake e da pletora de personagens verdadeiramente apaixonantes com quem este contracena, para além, é claro, da narrativa rica e interessante que nos mantém agarrados ao comando até ao rolar dos créditos finais. Ao longo da sua história, existem alguns títulos da franquia que não se devem à imaginação do criador, tais como o infame Snake’s Revenge (criado para os jogadores da NES como sequela ao primeiro Metal Gear, ao invés do fantástico Metal Gear II), e Metal Gear Acid I e II, para a PSP, mas estes títulos não costumam, regra geral, ser recebidos com a mesma aclamação com que são os títulos desenvolvidos por Kojima.

O mundo de DITE está repleto de Wanderers, zombies cristalizados que atacam tudo aquilo que lhes aparece pela frente.

É esta a ideia principal que devemos ter em conta quando jogamos Metal Gear Survive. O jogo simplesmente não tem na sua génese a mente de Hideo Kojima – dado o seu despedimento infortuno, fruto de uma verdadeira saga de assédio moral no trabalho por parte da Konami, um dos “divórcios” mais conhecidos da indústria – e como muitas vezes acontece nos divórcios, a criança, diga-se, a série Metal Gear, ficou na “casa” onde foi criada, com um progenitor tão pouco digno de a manter que qualquer Juiz não hesitaria em dar a guarda ao seu verdadeiro “pai”, caso não estivéssemos perante uma analogia que perdeu a piada há 3 linhas atrás.

Metal Gear Survive não é um jogo mau, a sua base corre, aliás, naquilo que foi um dos melhores jogos de 2015 e no que toca às mecânicas base – diretamente importadas dos MGSV – continua a ser o Metal Gear pelo qual perdemos horas a fio, quer isto dizer que a jogabilidade base continua cá. Em tudo o resto, porém, não é um Metal Gear, em especial pela forma quase ridícula com que se liberta da estória principal da série – e estamos apenas no começo.

A narrativa do jogo começa pouco depois do fim de MGSV: Ground Zeroes, no momento em que a Mother Base dos Militaires Sans Frontières (MSF) é atacada pela equipa secreta norte-americana XOF. Snake (ou Big Boss) chega para ajudar a base que está a ser atacada e são obrigados a dar retirada, sendo que nesse mesmo momento, a nossa personagem, um soldado anónimo, luta para salvar os seus camaradas e ajudar o seu “Big Boss”. Já sabemos como é que a estória continua em MGSV: The Phantom Pain, o que não sabíamos é que antes do helicóptero de Snake se despenhar, um portal (é verdade) para outra dimensão abre-se e suga parte da base para dentro de si, incluindo parte dos soldados dos MSF e dos XOF. A nossa personagem é um sobrevivente desse wormhole, é dado como morto, apenas para ser reanimado mais tarde e recrutado por um grupo secreto que procura estudar DITE – o mundo para lá do portal – e procurar forma de impedir a propagação de um vírus misterioso que transforma os seres humanos em zombies cristalizados chamados de Wanderers. Pensa o leitor que a premissa é ridícula? Bastante! Metal Gear nunca foi de apresentar uma narrativa agarrada à realidade, com ninjas cyborgs, guerreiros psíquicos e vampiros sustentados por nano-máquinas, mas pelo menos havia sempre um fundamento de ciência militar por detrás das loucuras que nos eram propostas. Em Metal Gear Survive, ao invés, apareceu um portal para outro mundo e vivem lá zombies cujo vírus pode passar para o lado de cá. Ponto. No final da estória chegamos à conclusão que as coisas são de facto um bastante mais controvertidas, tentando-se dar uma explicação cientifica ao que se passa. Todavia, não conseguimos deixar de pensar que estamos perante uma premissa pensada de um dia para o outro e que simplesmente não mantém a qualidade narrativa daquilo que estamos à espera num Metal Gear.

O jogo apresenta como uma das suas componentes principais um modo de gestão de base! O conceito é interessante.

A nossa personagem é enviada para DITE com o objetivo de encontrar uma cura para a infeção dos Wanderers e ajudar a Charon Corps. Para tal, tem de montar uma base nova e explorar os perigos deste novo mundo. Sobreviver exige caçar para ter comida, obter água engarrafada ou no seu estado natural – significando que tem de ser fervida para poder ser usada com segurança. Isto porque a nossa personagem tem fome e sede, fatores que influenciam diretamente a sua vida e estamina, ficando esta limitada ao ser recuperada, se não tivermos consumido qualquer um dos recursos.

Sobreviver exige também um elemento enorme de crafting, quer de estruturas para melhor defender a nossa base, quer de armas e equipamento para melhor nos defendermos das monstruosidades que DITE acolhe. As estruturas, armas e equipamento necessitam de matéria prima (madeira, ferro, pano, etc.) que pode ser recolhida pelo mundo fora, para além de uma fonte de energia chamada de Kuban com várias utilizações. Eventualmente, a base, habitada pelos sobreviventes da Charon Corps, começa a conseguir produzir comida e água por si – transformando-se um jogo de sobrevivência, nesse momento, num jogo de gestão de base, com recursos a serem produzidos, missões a serem concluídas pelos nossos soldados e mais recursos sendo levados para a base através do útil balão que regressa do MGSV: The Phantom Pain.

No entanto, para conseguir melhor desenvolver a base, a nossa personagem necessita de explorar o mundo para lá daquilo que é a área segura, entrando no Dust, o mapa do Afganistão do MGSV: The Phantom Pain, mas altamente modificado. Esta zona apenas pode ser explorada através da utilização de uma máscara de oxigênio, cujo tanque não dura para sempre (podendo, no entanto, ser restabelecida usando Kuban). Esta exploração divide-se entre encontrar placas de memória do Virgil AT-9, a inteligência artificial da base, e defender Wormhole diggers, vários aparelhos que permitem teletransportar-nos entre os diversos pontos do mapa, assemelhando-se o jogo neste momento a um modo de horda. Tudo isto, é claro, enquanto lutamos contra zombies cristalizados que, de perto, poderão parecer uma grande ameaça, mas ao longe não apresentam grande perigo, até porque não são muito fãs de vir a correr atrás de nós. É impossível esquecer um momento – quando ainda acreditávamos que os Wanderers eram uma grande ameaça – em que fugíamos de cerca de 20 das criaturas, até ao momento em que subimos para cima de um casebre, usando umas caixas bastante proeminentes, preparando-nos para combater até ao ultimo suspiro… Felizmente para nós, os zombies – perfeitamente capazes de ultrapassar barreiras de arame daquelas presentes nas bases militares, eram incapazes de subir caixas, quebrando-se a ilusão de um modo bastante abrupto, e desapontante…

Infelizmente, os Wanderers não são muito inteligentes, sendo incapazes de nos perseguir durante muito tempo, e neste caso, incapazes de subir para onde o jogador está!

O jogo é largamente uma experiência single player, podendo o modo horda ser jogado em co-op multiplayer, o que nos permite acumular melhores recompensas para a nossa personagem. Naturalmente, também está aqui presente um enorme elemento de microtransacções que tornam o jogo tanto mais fácil, como mais acessível aos iniciantes, sendo que, por exemplo, para criarmos uma nova personagem sem apagar a antiga, somos obrigados a pagar cerca de €9,99. É muito triste ver a Konami, uma das antigas empresas mais respeitadas da indústria, a aprender com a Eletronic Arts.

Graficamente, o jogo utiliza a Fox Engine de ambos os MGSV, o que comprova a sua durabilidade. Sim, estamos perante um jogo lindo e os Wanderers, cuja especialidade é aparecer mesmo daquele canto que não estamos à espera, conseguem-se tornar verdadeiramente assustadores. O Dust, por sua vez, consegue ofuscar praticamente tudo, pelo que nos vemos obrigados a andar à procura do feixe de luz da base para conseguir voltar a solo seguro.

A nível do áudio, podemos seguramente indicar que nenhum tema original nos deixou impressionados, salvo um remix do tema de combate típico do Metal Gear quando somos encontrados por um inimigo, juntamente com o icónico som do “ ! “. Em tudo o resto, a música acompanha a ação com temas adequados ao que se passa no ecrã, mas é bastante imemorável, pelo que embora relativamente competente, inexistem as grandes peças sonoras do outrora.

Opinião final:

Metal Gear Survive não é um Metal Gear – sabemos muito bem o que diz a caixa e o título quando começamos a jogar, mas não é um Metal Gear. Longes vão os momentos em que a trama política e militar nos impelia a descobrir o próximo capítulo nas aventuras de Snake e companhia. Infelizmente para a indústria dos videojogos, esse Snake partiu num helicóptero, e, tal como Snake, aquilo que era uma das franquias mais amadas dos videojogos foi para longe. O que ficou foi um jogo de sobrevivência competente, com uma franquia incrível entre mãos, cujo legado ficou entregue a um destino de ser muito, mas muito, mal aproveitado.

Do que gostamos:

  • Gestão dos elementos de sobrevivência e da base é interessante;
  • Nível de jogabilidade, o jogo é largamente o MGSV com algumas alterações, pelo que os veteranos conseguirão adaptar-se bem à nova aventura;
  • Fox-Engine do MGSV ainda mostra a sua capacidade pelo menos 4 anos após o lançamento de MGSV: Ground Zeroes.

Do que não gostamos:

  • História é ridícula, não se enquadrando no mundo de Metal Gear;
  • Áudio não nos deixou a cantarolar os seus temas ao longo do dia, o que num jogo desta franquia era quase uma certeza;
  • Microtransacções;
  • Péssima utilização do nome Metal Gear.

Nota: 6/10


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