Análise – Nioh

Numa indústria que muitas vezes prefere ir por caminhos mais seguros e garantir um lucro certo com jogos mais acessíveis e onde o jogador não se sente punido com muita frequência, temos mesmo assim exceções como a From Software e a franquia Souls, que trouxe de volta aquilo de que muitos já sentiam falta: dificuldade bem aplicada. E, graças ao sucesso da franquia, muitos estúdios, principalmente indies, começaram a apostar nesse estilo de jogo. Mas ainda havia um estúdio que muitos questionavam quando ia aceitar o desafio, a Team Ninja, afinal, se havia série que poderia rivalizar com Dark Souls, seria Ninja Gaiden.

E eis que a Team Ninja aceitou o desafio, embora não com Ninja Gaiden, mas sim com uma parceria iniciada em 2004 entre a Sony Interactive Entertainment e a Koei Tecmo para a criação de uma nova IP, intitulada Nioh. O jogo seria lançado para a PlayStation 3 e teria como base uma história inacabada do lendário produtor Akira Kurosawa, mas, após um desenvolvimento difícil, o jogo desapareceu, voltando a aparecer publicamente apenas na Tokyo Game Show 2015.

Mas algo que desde logo o jogo deixa claro é que apesar das suas inspirações óbvias na franquia da From Software e apesar da experiência a longo prazo do estúdio com Ninja Gaiden, Nioh é um jogo com uma personalidade própria e que sabe diferenciar-se o suficiente para oferecer uma experiência diferenciada a todos os jogadores que procurem um universo obscuro, cheio de segredos e muitos desafios.

Um dos pontos que torna Nioh  único, e que é também um dos seus atributos mais atraentes, é a sua ambientação, aliada a uma combinação muitas vezes fina entre a história da sociedade japonesa e o seu folclore. A história desenvolve-se no ano de 1600, com o corsário irlandês William Adams, a acabar, por motivos que são explicados no decorrer do jogo, por ter de viajar até ao Japão.

Esse ano ficou marcado na história do país por se situar entre o Período Sengoku e o início do Período Edo ou Tokugawa, altura em que o país estava dividido e marcado por guerras após o declínio do xogunato Ashikaga, sendo considerado por muitos historiadores como uma das fases mais instáveis e sangrentas da história do Japão. Este período ficou ainda conhecido por ter marcado o início da Era Moderna no Japão, bem como pela chegada dos portugueses ao país, algo muito importante para entender tanto a existência de uma grande variedade de criaturas no jogo, como a grande diversidade de armas, incluindo armas de fogo, que foram introduzidas justamente pelos portugueses.

Graças a isso, Nioh oferece essa combinação muito interessante entre a mitologia japonesa (que muitos acreditam que, assim como em outras culturas, nasceu da necessidade da população comum de imputar as culpas de todo o seu sofrimento e limitações a outras entidades) e feitos históricos que muitas vezes passam despercebidos no ocidente. Inclusive Nioh traz alguns encontros entre o protagonista e algumas figuras históricas daquele período, o que será com toda a certeza um momento onde o coração do fã de história oriental vai aquecer um bocado, mesmo que esses momentos estejam inseridos dentro do universo do jogo.

Falando da jogabilidade, torna-se claro que Nioh foi buscar inspirações a outros jogos como Onimusha e Skyrim, além, é claro, da própria franquia Souls, se bem que nunca de uma maneira “pesada”. É algo leve e que em momento algum faz perder a identidade que claramente foi criada e não copiada. O jogador vai ser colocado numa aventura com base na ação, onde terá de explorar vários cenários de maneira a ir do ponto A ao ponto B, onde terá de enfrentar o boss final num grande combate. Mas não se enganem e comecem a achar que tudo será rápido e fácil. Todos os cenários possuem diversos caminhos, atalhos e segredos que valem a pena ser investigados, assim como diversas armadilhas.

Nioh possui uma grande variedade de cenários, se bem que de qualidade irregular: alguns são de grande qualidade e estão bem estruturados, com mecânicas únicas, caminhos que realmente vão oferecer uma recompensa no final (mesmo que nem todas muito positivas), noutros cenários, por outro lado, fica a sensação de terem sido pouco trabalhados, não pela falta de qualidade, mas por oferecerem ao jogador  um labirinto cheio de armadilhas, e nada muito além disso. Felizmente, quando é para surpreender, Nioh sabe bem como o fazer, seja a nível gráfico ou justamente pela dedicação a toda a estrutura de alguns cenários.

O jogo utiliza um sistema parecido com a franquia Souls, onde praticamente todos os movimentos irão consumir uma quantidade específica de Ki (estamina), que volta a encher quando Willian está parado, o que resulta em algo a que os jogadores da franquia Souls já estão acostumados : a gestão dos movimentos. Em Nioh, por muito que às vezes se tenha vontade de atacar freneticamente um inimigo, tal apenas levará a uma morte rápida, esse é um ponto forte do jogo, que força, de maneira satisfatória, o jogador a medir os seus movimentos e a planear bem os seus ataques, pois muitas vezes o fator que decide entre a vitória e a morte está nos poucos, mas poderosos, golpes e finalizações.

Mas é aqui que surge o fator que coloca Nioh no seu lugar próprio, pois o jogo oferece uma habilidade única que permite recarregar grande parte do medidor de energia (Ki) após se efetuar um ataque. Quando o jogador consegue efetuar um combo, será dada a oportunidade a ele de recuperar uma grande quantidade de energia ao pressionar o botão R1, e, caso isso seja feito no momento exato em que a barra chegar ao seu máximo, será feita uma purificação do ambiente, que permite eliminar zonas antes dominadas pelo Reino dos Yokais, áreas onde os inimigos recuperam Ki e nas quais o jogador fica totalmente impedido de recuperar essa mesma energia.

Isto permite ao jogador, com o tempo de experiência com o jogo, criar movimentos únicos com grandes combinações de golpes sem perder o Ki necessário para se defender ou esquivar dos ataques inimigos, afinal, mais importante do que atacar será mesmo defender e saber quando é mais sensato recuar do que atacar.

Nioh oferece uma grande variedade de armas brancas, como katanas, katanas duplas, lanças, machados, etc. e três tipos de armas de longa distância: os arcos, os mosquetes e os canhões de mão. Para além do fator estético, cada arma possui estatísticas próprias. O mesmo se passa com as várias peças da armadura. Além disso, o jogo permite ainda forjar ou combinar armas e armaduras, dando ao jogador a liberdade de ter equipamentos que melhor se adaptem ao seu estilo de luta ou à sua preferência estética própria. E, a acompanhar toda esta personalização, Nioh traz ainda uma mecânica diferente de outros jogos do género: as posturas.

O jogador poderá escolher entre três diferentes posturas, sendo elas: a Alta, indicada para quem prefere combates mais lentos, mas quer causar uma grande quantidade de dano; a Média, que oferece ao jogador um equilíbrio entre força e movimento, indicada principalmente para quem pretende focar-se na defesa; e a postura Baixa, que não causa muito dano, mas na qual os movimentos são sempre muito rápidos. Cada uma delas muda completamente a maneira como o jogador irá lidar com os combates e cada arma possui uma adaptação única a essas posturas, o que abre ao jogador uma gama de possibilidades quase infinita para lidar com uma mesma situação, especialmente ao avançar no jogo e ganhar experiência com o sistema.

Nioh também vai buscar inspirações a outros RPGs, de maneira a trazer um sistema de evolução de estatísticas como vida, força, destreza, etc. Este poderá ser evoluído aos poucos ao utilizar Amrita, o equivalente às almas dos jogos da franquia Souls e, como já era de se esperar, caso o jogador morra, todas as Amritas vão ficar no lugar onde se deu a morte, desafiando o jogador a voltar até esse ponto e tentar recuperá-las, tocando no Espírito Guardião. Caso não consiga, então realmente é um adeus as Amritas. Mas, não se preocupem, as Amritas não são tudo. Tal como já foi referido diversas vezes, o jogo tem a sua própria personalidade, que neste caso se manifesta no facto de que para cada tipo de arma existe uma árvore de habilidades, onde, à medida que vão sendo utilizadas, o jogador vai ganhando Pontos de Samurai, que são utilizados das mais diversas maneiras para melhorar a habilidade de qualquer arma.

Sendo um jogo de fantasia japonês, não poderiam faltar ainda habilidades mágicas, e é daí que surgem os jutsus que também possuem árvores independentes. Essas habilidades mágicas dão certas vantagens ao jogador, como: aplicar efeitos elementais a armas; provocar estatísticas negativas aos inimigos; ou lançar projéteis elementais. Além dos jutsus, o jogo ainda permite invocar espíritos guardiões que dão habilidades únicas ao personagem durante um curto espaço de tempo, e, quando bem utilizados, podem ser precisamente aquilo de que o jogador mais precisava para vencer um boss, até então impossível de ser batido.

Por falar nos bosses, esses acabam por não fugir muito ao estilo “Souls”, com uma variedade reduzida de movimentos de ataque que causam um grande dano, mas que são limitados justamente para o jogador não entrar na luta apenas a pensar em sangue, mas respeitando o inimigo que tem pela frente e perdendo alguns minutos a estudá-lo, pois depois de os seus movimentos serem apreendidos, a luta passa para um novo nível. Mas não se enganem! Nenhuma luta com um boss em Nioh será fácil, os combates são duros, longos e intensos, então em momento algum é indicado que jogador perca a concentração, pois nenhum combate foi superado até ao inimigo realmente cair morto… e alguns vão exigir do jogador uma boa preparação, então não se sintam envergonhados se depois de derrotarem vários inimigos, sentirem que precisam de um tempo de preparação mental antes de avançar para o boss final.

Mas falando agora de um dos pontos mais referenciados da franquia Souls – a sua dificuldade -, vale a pena recordar aos jogadores que estão agora a aventurar-se pela primeira vez neste estilo, que não vão encontrar uma muralha impossível de superar, e em Nioh não é diferente. A dificuldade do jogo está bem estruturada e equilibrada, o que resulta num jogo desafiante, mas em nenhum momento impossível, apenas exigirá que o jogador tenha de aprender a controlar os seus impulsos e a pensar em todos os movimentos possíveis tanto do protagonista como dos seus inimigos. Caso isso seja feito, e o jogador aprenda com os seus erros (pois morrer será mesmo inevitável), Nioh se mostrará como um jogo acessível e com um desafio que trará aliado a ele um dos sentimentos mais fortes e importantes de um jogo deste estilo: o sentimento de superação.

A nível de longevidade, Nioh oferece aos jogadores mais experientes no género um mínimo de 30 horas de jogo, caso se concentrem simplesmente em avençar na história. No entanto este número pode aumentar consideravelmente caso o jogador queira encontrar todos os colecionáveis e completar todos os desafios opcionais. Uma notícia menos positiva, no entanto, é que normalmente as missões secundárias têm como habito utilizar sempre o mesmo cenário, alterando apenas os inimigos encontrados. Mas mesmo este ponto não é abusivamente negativo, pois mesmo assim alguns combates serão muito interessantes e valerão a pena serem jogados, uma vez que oferecem ainda recompensas muito especiais, como armas muito poderosas, novos espíritos guardiões e muito mais.

Nioh dispõe ainda de um sistema cooperativo, para aqueles que procuram partilhar a sua experiência com amigos, invocando o outro jogador nos diversos altares espalhados pelo jogo. O jogador invocado terá uma interação muito limitada com o mundo de quem o invocou e será enviado de volta para o seu mundo caso o jogador morra ou caso consigam derrotar o boss final daquele cenário. Como já era de se esperar, o jogo não se torna muito mais fácil por causa disto, já que a vida dos inimigos também tem um aumento considerável, pelo que não compensa tanto assim… isto é, a não ser  que o trabalho de equipa esteja bem refinado, caso em que a dificuldade é bastante reduzida.

Apesar do jogo ainda não ter sido lançado, todas as partidas que foram feitas online funcionaram na perfeição, não tendo havido quaisquer problemas em encontrar outros jogadores e nem com a experiência de jogo em modo cooperativo, porém, será interessante aguardar pelo lançamento e perceber se com uma quantidade muito maior de jogadores a experiência se irá manter fluida ou não.

Opinião final:

Em resumo, Nioh possui muitas semelhanças na sua estrutura base com a franquia Souls. Foi buscar algumas inspirações a nível de armas e armaduras a jogos como Onimusha e Ninja Gaiden e noutros aspetos até a jogos The Elder Scrolls V: Skyrim, como no sistema de progressão de armas. Não obstante a presença de todas estas fontes de inspiração, em nenhum momento o jogador irá sentir que está perante uma cópia desses jogos. Nioh possui um brilho próprio com desafios que vão colocar até o mais experiente dos jogadores à prova, mas sem nunca perder o fator diversão ou deixar de oferecer um sentimento de satisfação por cada desafio superado. Com uma jogabilidade variada, uma qualidade visual atrativa e ainda com ambientes e uma história incríveis, Nioh poderá facilmente entrar na lista dos melhores jogos de 2017.

Do que gostamos:

  • Apesar da clara inspiração em outros jogos, Nioh consegue na perfeição deixar claro que é um jogo único;
  • Historia e ambientação incríveis;
  • Oferece um desafio amargo na maioria das vezes, mas sem nunca perder o fator da diversão e superação;
  • Qualidade gráfica espetacular;
  • Variedade de armas, armaduras e movimentos, que, combinados, acabam por dar ao jogador várias maneiras de lidar com uma mesma situação;
  • Implementação de mecânicas que tornam Nioh um jogo com identidade própria;
  • Compromisso com a época histórica, apesar dos elementos de fantasia.

Do que não gostamos:

  • Câmara nem sempre se comporta de maneira satisfatória;
  • Nem todos os cenários possuem uma mesma dedicação aos detalhes e complexidade;
  • Informações nem sempre esclarecem o jogador.

Nota: 9,5/10