Análise – Tomb Raider (2018)

Tomb Raider, uma das franchises mais emblemáticas da história dos videojogos fez uma nova tentativa na sétima arte. Nós fomos à antestreia e ficamos com a sensação de que continua a faltar muita coisa. Vamos por partes.

Começando pelo enredo, quem esperava uma recriação cinemática do jogo de 2013, Tomb Raider, pode ter ficado desiludido com alterações significativas ao enredo da história principal. Claro que seria expectável que alterações fossem feitas. Qual seria o interesse de ir ao cinema ver uma história que já experienciaste num videojogo? Para além disso, ao fazer uma adaptação de um videojogo para o grande ecrã há outras limitações, como por exemplo a necessidade de alargar o público alvo. Tens de assumir que muitas pessoas irão ver o filme sem saberem o que é o Tomb Raider, quem é Lara Croft ou até que já existem videojogos. É aí que começam os primeiros problemas do filme.

Parece-me que a introdução à personagem é muito desinteressante e aborrecida. Lara Croft é uma jovem adulta que se recusa a aceitar as posses do pai por acreditar que ele ainda está vivo. Então entra em lutas de boxe e faz entregas de comida indiana. Até tem a parte “cómica” de o rapaz do restaurante indiano ficar deveras envergonhado perante Lara e não consegue ganhar coragem para a convidar a sair. Dificilmente se poderia começar um filme de forma mais “cheesy” e clichê.

Denota-se uma tentativa da realização de mostrar uma personagem já um pouco desenvolvida tanto em termos físicos como psicológicos, mas que ainda lhe falta dar um grande salto para se tornar na Lara Croft que conhecemos. Parece-me uma tentativa falhada. O arrancar do filme deveria procurar criar uma forte ligação de empatia entre o espectador e a personagem. Fazer-nos colocar na pele de Lara, compreender o seu sofrimento e aceitar as suas decisões. Fazer-nos questionar o que faríamos no lugar dela, se agiríamos da mesma forma. É claramente um remate para a bancada. Apesar do talento da actriz em fazer o público simpatizar com ela, a personagem não o consegue fazer e prejudica claramente o resto do filme. Com um arranque deficiente parece pouco plausível ter um bom resultado final e isso comprova-se pela dificuldade ao longo do filme em encaixar a personagem com a sua própria introdução e assim não há um desenvolvimento linear da mesma.  

A partir daí há pelo menos um elogio que podemos fazer ao filme: é melhor que as versões protagonizadas pela Angelina Jolie. Não que isto seja um elogio por aí além. Aliás, seria quase obrigatório que assim fosse. Contudo, a aposta do filme foi claramente no entretenimento e aí foi onde se superou. A partir do momento que começa a acção é difícil encontrar um momento de pausa. A intensidade raramente diminui, captando bem o desenvolvimento da personagem e a sua necessidade constante de luta pela sobrevivência.

Nota-se aí claramente o ponto forte do filme. Um bom filme de sábado à tarde, antes de jantar, para descontrair com aquele pai que gosta de filmes do Bruce Willis, Jean Claude Van-Damme ou Arnold Schwarzenegger. Mas agora com uma Alicia VIkander que, numa hora cinematográfica, passa de entregadora de comida indiana a uma arqueóloga assassina implacável.

Os momentos de acção estão bem conseguidos e são bem complementados pelos efeitos especiais que parecem encaixar naturalmente nas cenas. Não há aquele exagero que tem assombrado os filmes de acção mais modernos, tudo parece afinado, natural e o suficientemente realista. Estou curioso de como seria ver este filme em 3D ou 4DX e qual seria a diferença na imersão em cada uma destas experiências. A parte que parece menos realista, contudo, parece ser a questão física de Lara. Apesar de o início do filme tentar mostrar através do boxe e da corrida de bicicleta que a personagem já tem uma capacidade física elevada, isto não explica a extraordinária capacidade de sobrevivência e de desenrascanço que Lara subitamente ganha a meio da sua aventura.

Voltando ao enredo, penso que a parte melhor é mesmo a história criada em volta de Yamatai e da rainha Himiko. Uma história razoável, com twists interessantes e que não cria demasiadas dúvidas e questões ao espectador. Bastante directa com o suspense e sobrenatural necessários a uma história Tomb Raider e com uma resolução final bastante lógica e concisa. Dificilmente alguém sairá das salas de cinema questionando-se sobre a história da Rainha Himiko e do seu túmulo.

Mas mesmo aqui se denotam problemas, naquela que para mim foi das partes mais importantes, a menos conseguida do filme: os ditos puzzles, e fraquinhos é dizer pouco. Não há explicação para a sua resolução. Não nos são transmitidos os enigmas (exceptuando uma fugaz referência ao que é esperado aos nossos heróis dentro do túmulo). Não nos é dita a resolução do enigma. Tudo o que se vê é Lara a olhar para os puzzles e a resolver magicamente sem qualquer aparente lógica ou dedução. Na verdade, é extraordinário como Lara olha para a entrada do túmulo, mexe umas rodinhas e pimba, túmulo aberto. Imaginem se os jogos fossem tão fáceis? Provavelmente nunca tinham sido um sucesso. Esta parte sim, é deveras desapontante.

Penso não ser o único que esperava que um filme Tomb Raider me fizesse raciocinar sobre os enigmas que surgiriam. Aquela tentativa de dedução, mesmo que por vezes fútil, que era impulsionada sobre os espectadores nos antigos policiais de Agatha Christie era algo que eu esperava neste filme. Esperava enigmas, problemas e obstáculos que esgotariam a mente do mais dedicado espectador a tentar resolvê-los e que no fim, ao conhecer a solução, que esta parecesse lógica. Uma resolução que no fim, por um lado pareceria simples, fazendo os fãs dar uma chapada na testa por não terem chegado lá. Mas que ao mesmo tempo tivesse uns ares de dificuldade que só a Lara conseguiria, com o seu intelecto e experiência. Isto era o que eu esperava. Isto, penso eu, era o mínimo para um filme Tomb Raider, mas assim não aconteceu, e foi desapontante. Tão desapontante que me fez quase ansiar por uma Lara Croft protagonizada pelo Nicolas Cage. Imaginem o drama, a tragédia, o horror. Até me dá pesadelos.

A resolução do filme também deixa muito a desejar. Toda a situação com o pai da Lara parece tremendamente ridícula. Parece inacreditável como foi possível colocar Richard Croft numa posição tão central no enredo e ao mesmo tempo tão desnecessária. Na verdade, toda a personagem do pai de Lara é uma metáfora excelente para o próprio filme. Uma enfase exagerada em tudo o que é desnecessário. E o que é essencial peca por escasso.

E o que dizer da personagem de Lu Ren, o amigo de Lara. Qual foi o objectivo desta personagem? Eu percebo que tudo o que seja filme de acção tem de ter o herói e a dama em perigo. Neste caso o herói sendo Lara, e a donzela em perigo Lu Ren. Mas esta personagem parece ainda pior que uma donzela de um filme dos anos 30. Um exemplo patético de um admirador de Lara, sem conteúdo, com diálogo fraco e desinteressante. Dá a entender que o filme se poderia desenrolar perfeitamente sem a sua presença. Nem sequer há uma definição do seu interesse por Lara e se ele verdadeiramente existe.

Quanto a Alicia Vikander, parece estar razoavelmente bem enquadrada com o papel. Parece conseguir criar a empatia que a realização falhou em criar com o enredo e ajuda imenso à imersão do espectador no filme. Um ponto muito positivo do filme e que pode ter “salvo” a personagem de Lara Croft.

Por fim, a descoberta de Lara sobre a origem da Trinity também deixa muito a desejar. Dá a entender que tiveram de despachar as cenas e história final porque se esqueceram de comprar mais fita para gravar mais cenas. Então tiveram que despachar tudo em poucos frames. Fica assim uma forte sensação de um filme e uma história incompletos como se se tratasse de um jogo em closed beta.

 

Opinião final:

No geral, é um filme suficientemente entusiasmante e agradável para justificar uma sequela. Deixa muito a desejar, mas não é definitivamente das piores adaptações de jogos ao grande ecrã, até porque dessas não faltam. Hitman, Tomb Raider: The Cradle of Life, Assassin’s Creed, Mortal Combat, Street Fighter, Need for Speed, Tekken e tantas outras adaptações mal conseguidas que destruíram os corações de fãs de videojogos em todo o Mundo. Esta nova tentativa não parece incluir-se neste quadro, mas a questão principal permanece: será o suficiente para garantir uma franchise cinematográfica de sucesso? Se bem nos recordamos o primeiro Tomb Raider de Angelina Jolie não foi assim tão mau, mas o segundo destruiu qualquer hipótese de continuação. Podemos esperar que não aconteça o mesmo? Como será que o público vai reagir? Isso só o tempo dirá, e esperemos que havendo uma sequela, ela possa ser uma melhoria e não um passo atrás no mundo cinematográfico dos videojogos.

Do que gostamos:

  • Efeitos especiais;
  • Cenas de acção bem conseguidas;
  • História em volta do artefacto.

Do que não gostamos:

  • História principal;
  • Puzzles e enigmas mal explorados;
  • Início e fim do filme desinteressantes e com pouca lógica.

Nota: 6/10

Tomb Raider está disponível nos cinemas em Portugal desde o dia 15 de Março.