Blades of Fire apresenta-se como uma das propostas mais ousadas da MercurySteam para a atual geração de consolas, apostando num RPG de ação que mistura combate técnico, personalização profunda de armamento e um mundo sombrio com raízes épicas. Lançado em exclusivo para a PS5, o título marca o regresso do estúdio a um cenário de fantasia onde o aço, o fogo e a tática se cruzam de forma brutal. Com claras influências dos jogos Soulslike, mas com uma identidade própria baseada num sistema de forja inovador, o jogo desafia o jogador a moldar a sua arma como extensão do seu estilo de combate, ao mesmo tempo que se embrenha numa narrativa trágica e melancólica.
A aventura segue Aran de Lira, um ferreiro renegado que, após a maldição lançada pela Rainha Nerea, se vê incumbido de restaurar a ligação entre o aço e a humanidade. Acompanhado por Adso, um jovem erudito que funciona como voz da razão e conselheiro de enigmas, Aran percorre um mundo fragmentado, onde o aço petrificado se torna símbolo de decadência e resistência. A narrativa, ainda que evocativa e envolta numa aura de fábula sombria, por vezes tropeça na construção de personagens e na coesão dos diálogos, o que afeta o investimento emocional em certos momentos da campanha.
O ponto mais forte de Blades of Fire reside no seu sistema de forja e combate. O jogador é convidado a criar as suas próprias armas a partir de sete famílias distintas, como espadas longas, machados, martelos ou alabardas. A personalização vai além da estética, influenciando o peso, a velocidade, o alcance e os efeitos de impacto. A forja é um minijogo em si, exigindo precisão, ritmo e materiais adequados. O resultado é uma ligação simbiótica entre jogador e lâmina, potenciada por um sistema de reputação em que as armas ganham prestígio conforme o seu uso em combate.
Já no campo de batalha, o jogo exige domínio técnico. O combate é direcional: cada botão corresponde a uma direção específica (alto, baixo, esquerda e direita), o que obriga o jogador a pensar no posicionamento, nas fraquezas do inimigo e na gestão do ritmo. A barra de stamina é crucial, tal como a capacidade de fazer parry e esquivar no momento exato. Os encontros com bosses destacam-se por design visual impactante e padrões de ataque que exigem leitura cuidadosa e adaptabilidade. Ao todo, há mais de 60 tipos de inimigos, o que garante diversidade tática e a necessidade de se ajustar constantemente.
A degradação das armas é uma mecânica central. Cada lâmina forjada tem durabilidade limitada e, ao longo das batalhas, vai perdendo eficácia. Isto força o jogador a pensar estrategicamente: transportar materiais para reparações rápidas ou criar várias armas alternativas. Longe de ser um sistema punitivo, é uma forma de encorajar variedade e impedir que se dependa sempre do mesmo estilo de jogo. A consequência direta é um combate mais fluido, com decisões em tempo real que têm peso.
A exploração desenrola-se em mapas semiabertos com forte inspiração no design de Metroidvania. Os ambientes variam entre florestas decadentes, fortalezas de gelo, pântanos corrompidos e templos soterrados. O layout dos níveis privilegia atalhos, caminhos alternativos, segredos e áreas bloqueadas que apenas se desbloqueiam após adquirir novas habilidades ou itens. Apesar disso, nem tudo corre bem: algumas zonas apresentam backtracking excessivo e a progressão narrativa por vezes parece interrompida por puzzles mal integrados ou diálogos redundantes. Ainda assim, a verticalidade e o detalhe visual compensam as falhas estruturais.
Visualmente, Blades of Fire é uma obra estilizada. A direção artística bebe de fontes como Frank Frazetta e Gustave Doré, entregando um mundo grotesco, mas sedutor. O uso dramático de sombras, luzes vermelhas e partículas de fogo cria uma identidade visual muito própria. A qualidade das animações varia: os ataques e efeitos de partículas são satisfatórios, mas há momentos em que certas movimentações parecem menos polidas. Em compensação, a performance na PS5 é sólida. O jogo corre a 60 fps estáveis com resolução dinâmica a 4K, tirando partido do hardware da consola.
O DualSense é utilizado com inteligência: cada tipo de impacto tem um feedback háptico distinto, o que aumenta a imersão. A resistência dos gatilhos varia consoante o tipo de arma empunhada, e o altifalante do comando é usado para alertas subtis durante o combate. Em termos sonoros, a banda sonora é orquestral, grandiosa e sombria, alternando entre temas épicos e passagens mais melancólicas. Os efeitos sonoros são intensos e contribuem para a brutalidade dos combates. Já as vozes, apesar de competentes, por vezes não correspondem à carga dramática de certas cenas, o que retira algum impacto.
A progressão a longo prazo está bem estruturada. Existem arenas opcionais, contratos de facções e eventos dinâmicos que incentivam a exploração e o desafio contínuo. Há também um sistema de talentos que permite especializar o estilo de combate em várias ramificações: ofensiva pura, defesa, manipulação elemental ou domínio de armadilhas. A construção de builds é facilitada pela possibilidade de respeitar pontos, o que encoraja experimentação.
No entanto, Blades of Fire não está isento de críticas. A ausência de modo cooperativo ou PvP poderá dececionar alguns jogadores. A narrativa, embora com boas ideias, por vezes torna-se vaga ou redundante. E apesar da criatividade evidente, certas mecânicas, como o sistema de mapa e o interface de inventário, podiam beneficiar de mais clareza e ergonomia. Ainda assim, são falhas que não comprometem a experiência geral.
Opinião Final:
Blades of Fire é um título sólido, desafiante e criativo, que honra o legado dos jogos de ação e RPG ao mesmo tempo que introduz mecânicas novas e eficazes. A sua aposta no combate técnico e na construção pessoal das armas resulta numa experiência única, que apela tanto ao planeamento como à execução. A MercurySteam entrega um jogo que, embora não perfeito, tem carisma, desafio e substância.
Do que gostamos:
- Combate tático direcional exigente e recompensador;
- Sistema de forja profundo e significativo;
- Variedade visual com direção artística marcante;
- Bom aproveitamento das funcionalidades do DualSense;
- Bosses memoráveis.
Do que não gostamos:
- Narrativa com falhas de coesão e ritmo;
- Interface e mapas pouco intuitivos;
- Animações irregulares em certas transições;
- Ausência de modos online ou coop.
Nota: 8/10
Análise efetuada com um código PlayStation 5 cedido gentilmente pela distribuidora.