Death Stranding – Análise

São raros os jogos em que a antecipação é de tal forma avassaladora que a indústria de videojogos é sugada, quase como se de um vortex se tratasse, pela força formidável do hype. Este fenómeno é em grande parte devido quer ao responsável pela obra, quer aos media que atribuem uma importância, por vezes desmedida, à nova criação do autor.

Acontece que Death Stranding é exatamente um desses jogos! A cobertura mediática da nova obra de Hideo Kojima, o pai da franquia Metal Gear, ultrapassou os limites até agora conhecidos pela nossa equipa – tudo por um jogo que até ao momento, a grande parte da comunidade de gamers desconhece em larga medida do que afinal se trata. Parece-nos por vezes uma experiência social, para estudar a nossa capacidade de adorar aquilo que não conhecemos. Afinal, um jogo cujas mecânicas e a narrativa são largamente desconhecidas poderá revelar-se uma desapontante surpresa. Mas, por outro lado, é Kojima, o renegado pai de uma das maiores franquias de videojogos – divorciado da Konami após um terrível caso de assédio no trabalho durante as fases finais de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain. Certamente que será um jogo inesquecível, certo?

Em perspetiva, os leitores deverão considerar que após recebermos a nossa cópia do jogo para finalidades de análise, recebemos não um, não dois, nem três, mas cinco e-mails de apoio por parte da editora relativo a indicações sobre as regras do embargo: o que poderia ser mencionado, as músicas que poderiam ser utilizadas em futuros vídeos, regras de spoilers, regras de privacidade, etc. Nunca vimos nada assim, tal a importância deste título. É definitivamente um dos títulos do ano, se não desta geração de videojogos.

Começamos a jogar Death Stranding com imensas dúvidas, e as primeiras horas serviram para nos questionarmos ainda mais sobre em que é que consistia o novo título de Hideo Kojima.

Mas de que se trata afinal?

É complicado explicar em detalhe sem estragar a experiência de Death Stranding. Saiba-se que no mundo pós-apocalíptico onde se desenrola a narrativa, Sam (Norman Reedus) é um porter, isto é, um estafeta, sendo que o seu trabalho é levar pacotes de um ponto a outro dos Estados Unidos (o jogo utiliza a expressão “América”, mas o mapa diz respeito exclusivamente aos Estados Unidos). A humanidade vive isolada em cidades que perderam os seus nomes, e constituem agora nós (knots), que servem de centros de distribuição de mantimentos e bens essenciais às pessoas que vivem em seu redor. Devido ao evento apocalíptico conhecido como Death Stranding, essas cidades ficaram isoladas umas das outras, perdendo a capacidade de comunicarem entre si, levando a uma desagregação das mesmas do seu governo central. Foi organizada uma expedição destinada a reconectar as várias cidades, mas a mesma falhou devido a intervenção de terroristas… e algo muito, muito pior. Naquele futuro apocalíptico, o evento chamado de Death Stranding deu origem a chuvas apelidadas de Timefall, que aceleram a passagem do tempo daquilo em que tocam. Deu ainda origem às BTsBeached Things – ou coisas encalhadas -, espetros sinistros das pessoas que já partiram, mas que continuam ligadas ao mundo dos vivos em zonas onde a presença da “praia” (beach) se faz sentir. O que é a praia? Bem, se vos contarmos tudo estaríamos a estragar a surpresa.

Sam é especial, uma vez que é das poucas pessoas que sofre de uma condição incomum que faz com que este não consiga morrer, voltando à vida poucos momentos depois. Tal facto torna o protagonista a pessoa ideal para uma missão de risco – voltar a ligar as cidades dos Estados Unidos da América! Pelo caminho será ajudado por: Fragile (Léa Seydoux), uma porter com uma história dramática; Die-hardman (Tommie Earl-Jenkins), um agente governamental interessado em devolver a América aos dias antigos; Mama (Margaret Qualley), uma cientista com um segredo muito creepy, e Deadman (Guillermo-del-toro), que deixaremos a sua descrição por escrever, para que o jogador o possa conhecer sem influências externas – tal é o papelão que Guillermo-del-toro faz.

A complexa relação entre as personagens é um dos pontos fortes de Death Stranding.

O mundo de Death Stranding é um mundo rico e complexo. Na sua viagem para ligar as cidades dos Estados Unidos, Sam terá de saber lidar com as BTs, lutar contra os MULEs (antigos porters que perderam o juízo e agora dedicam-se a roubar as encomendas dos outros), e até mesmo terroristas, enquanto toma conta do seu BB – um Bridge Baby – isto é, um bebé adorável que liga Sam ao “outro lado”, permitindo-lhe detetar e ver as BTs.

Bem, chega de spoilers – o facto é que, sendo tanto do jogo desconhecido, é importante saber caminhar a linha que separa informações essenciais e elementos da experiência que devem ser vividos em exclusivo pelo jogador.

A jogabilidade de Death Stranding consiste essencialmente em explorar e percorrer o vasto território pós-apocalíptico, ligando cidades e entregando encomendas entre estas e os vários locais que as rodeiam. É ainda possível recolher matérias primas que ajudarão no desenvolvimento das várias cidades. Tendo isto dito, é importante ter em consideração todos os elementos que compõem as mecânicas do que acabamos de explicar. Sam só pode carregar um certo número de quilogramas no que se relaciona a encomendas, e se carregar mais do que consegue segurar, irá balancear e tropeçar, podendo partir alguma coisa. Podemos ainda utilizar o nosso Odradek para analisar o ambiente à nossa volta, descobrindo o melhor caminho e até mesmo mercadorias deixadas por outros jogadores. Eventualmente é também possível aceder a upgrades, permitindo-nos carregar mais mercadoria ou correr mais rápido, assim como aceder a veículos, com acesso a bagageiras – mas que por sua vez colocam a questão de como conduzir num terreno altamente acidentado.

Kojima conseguiu-nos por a fazer entregas… e é muito, mas muito divertido!

É neste momento em que descobrimos que é possível construir estruturas, como pontes e estradas – estando aqui incluído um elemento multiplayer muito interessante. Demos connosco a construir alguns metros de estrada (um esforço considerável tendo em conta os materiais que a mesma exigia), apenas para chegar à conclusão, umas horas depois, que os outros jogadores tinham construído, em conjunto, vários quilómetros de estrada e assim, facilitando o “meu” (nosso) caminho ao longo do mapa. Várias estruturas podem ser construídas, desde torres de vigia a depósitos seguros, passando por carregadores de baterias (para o equipamento e para os veículos), entre outras. É difícil não sentirmos que estamos num mundo que está a ser construído em conjunto pelo esforço combinado de uma comunidade de jogadores.

Durante os momentos de exploração devemos evitar, ou então tentar combater, as BTs. Para tal, levamos connosco uma unidade BB, um Bridge Baby, que detetará essas criaturas e nos avisará quando estivermos em risco. É importante também ter em conta o estado do nosso BB, sendo que se este se assustar ou se sentir desconfortável, poderá entrar em autotoxemia, e assim deixar de funcionar. Um aviso… prestem-lhe muita, muita atenção! A chuva será também um bom indicador de quando estamos a entrar num território que possa ter essas aparições espetrais, se bem que com um risco muito acrescido para as nossas mercadorias, pois a passagem do tempo através do Timefall poderá deteriorar as mesmas, levando-nos a ter uma nota mais fraca no momento de entrega.

Utiliza vários itens para atravessar a América ou então constrói infraestruturas, desde um simples espigão de escalada ou uma escada, até pontes ou estradas!

É possível, depois de ligar uma certa cidade à rede, fabricar equipamento que nos ajude na nossa missão de percorrer o mapa, tendo em conta os custos de matéria prima para a sua produção – o que nos obriga a saber gerir as matérias primas presentes em cada cidade. Por vezes é importante ajudar os outros jogadores a entregar as suas encomendas perdidas, recebendo uma recompensa pela sua entrega parcial ou completa.

O jogo também possuí um elemento de combate, sendo que a variedade não-letal do combate é sugerida, trazendo um elemento muito interessante aos conflitos com os inimigos. Existe combate com armas letais, mas será necessário lidar posteriormente com as consequências dos nossos atos – não vamos explicar porquê, sendo que o jogador terá de descobrir a importância de solucionar os conflitos sem matar ninguém.

Se morrermos, podemos sempre voltar à vida – mas a nossa morte, como aliás, qualquer morte às mãos de uma BT em Death Stranding, dará lugar a um voidout, um evento explosivo que danifica o mundo, deixando uma cratera no lugar onde perdemos a vida.

Ao contrário de Metal Gear, Death Strading é um jogo de ação. É possível jogar tentando aplicar muitas técnicas de stealth, sendo, aliás, essencial em alguns momentos do jogo nem sequer respirar – para que as BTs não sintam a nossa presença. No entanto, rapidamente nos é dada a flexibilidade de lidar com esses encontros através de outras formas mais dinâmicas. Tal acaba por dar imensa versatilidade ao jogador, e gostamos de ver Kojima a quebrar com as limitações previamente introduzidas em Metal Gear onde, embora se pudesse evitar o stealth, os jogos tentavam-nos sempre levar pelo método tradicional da espionagem tática.

Tudo dito, a apresentação acaba por ser o critério mais negligenciável de Death Stranding. Quer dizer, o jogo é uma maravilha técnica a nível de apresentação, sendo este o jogo perfeito para experimentar numa PS4 Pro em 4K, com o HDR ligado. Cada elemento do mundo ganha vida num fotorrealismo que até há poucos anos atrás era impossível. O arco-íris invertido, que sinaliza a aparição das BTs, juntamente com os strands a descer do céu são uma imagem tão bonita, como absolutamente aterradora!

Este nível de detalhe existe! É simplesmente surpreendente!

Os atores estão lindamente representados até ao ínfimo detalhe, com atuações fabulosas, revelando níveis de produção de Hollywood. Duvidamos que Guillhermo-del-toro não tenha dado o seu input na realização da captura fotográfica, tal é a imersão cinematográfica de Death Stranding! A prestação de Mads Mikkelsen como Cliff é digna de um prémio de representação! Acreditem que estamos perante algo muito especial! Este desenvolvimento tecnológico também tem o seu lado mais divertido, isto é, sabemos bem que a Kojima Productions aproveitou o equipamento de captura para colocar alguns dos amigos de Kojima no jogo, incluindo Geoff Keighley (Gametrailers e The Video Game Awards) e até mesmo o Conan O’brien!

A nível de banda sonora, Kojima escolheu um conjunto de temas indie que acompanham bem a jornada de Sam. Artistas como Au/Ra e Alan Walker farão as delícias sonoplásticas dos jogadores. Embora nem todos os temas sigam esse género, sendo que Major Lazer, por exemplo, fazem parte da banda sonora.

Explora as temáticas mais profundas sobre a natureza humana em Death Stranding!

Há toda uma série de outros elementos de que não falaremos, pois estragarão o sentimento de surpresa e maravilha de jogar Death Stranding, algo que nos forçará a refletir no significado da mensagem por detrás da obra de Hideo Kojima. Ainda assim, é importante reparar em vários elementos que vemos repetidos ao longo do jogo. Kojima disse numa entrevista que stranding vinha da necessidade de ligar as pessoas num mundo absolutamente desconectado, mas stranding também poderá significar as criaturas que ficam “encalhadas” ou “presas” no nosso mundo, ou mesmo do cordão umbilical que nos liga à nossa origem. Já a Bridges, a entidade estadual que liga os vários pontos do país faz-nos pensar na construção de pontes entre as pessoas. É surpreendente o conteúdo filosófico que Kojima colocou na sua mais recente obra, por vezes fazendo-nos compreender o que o debate atual da conexão permanente através das redes sociais, tanto possui de bom como de mau. No final de contas, dependerá sempre da utilização que lhe damos. Até os Likes que podemos receber a meio e no final das missões, quer das personagens como de outros jogadores, pelas construções que fazemos, ou pelos veículos que lhes deixamos, nos fazem entender como é que o Like, tão criticado atualmente por se ter tornado numa medida de engrandecimento pessoal, pode ser uma força construtiva de agradecimento pela ajuda prestada aos outros.

Assim visto, Death Stranding torna-se muito mais do que um jogo sobre entregas, torna-se num jogo sobre a descoberta de um elemento essencial do ser humano: a nossa capacidade inerente de estabelecer laços e de construir pontes com as pessoas à nossa volta. A família que temos e os amigos que fazemos serão sempre fruto de uma caminhada pelo mundo, às vezes fácil, por vezes difícil, mas sempre recompensadora.

Talvez seja sobre isso que Kojima nos quer fazer refletir.

Opinião Final:

Death Stranding, no final de contas, merece todo o hype a que foi sujeito ao longo destes últimos anos. É um jogo fabuloso que nos fez refletir sobre o significado das ligações entre os seres humanos, e isso acaba por ser uma concretização dos videojogos como forma de arte. Talvez não seja um jogo para toda a gente, dependendo dos gostos de cada um. Mas, na nossa opinião, deixará a sua marca na indústria. Sem dúvida que Death Stranding marcará uma geração! Para nós, é o jogo obrigatório para quem possui uma PlayStation 4.

Do que gostamos:

  • Uma obra prima com a marca de Hideo Kojima;
  • Narrativa muito interessante apresenta um mundo diferente de tudo o que vimos até agora;
  • Possibilidade de interagir com outros jogadores através de elementos assíncronos, vendo o nosso mundo a ser desenvolvido fruto de um esforço coletivo.

Do que não gostamos:

  • De estarmos aqui a escrever enquanto podíamos estar a jogar mais Death Stranding! 😉

Nota: 10/10