Ender Lilies: Quietus of the Knights – Análise

Jogos metroidvania sempre tiveram um espaço especial na industria dos videojogos, e principalmente um espaço especial na vida dos jogadores, e quando em 2017 a Team Cherry lançou Hollow Knight, aquela combinação do género metroidvania com elementos souls-like num jogo simples e graficamente deslumbrante, fizeram muitos jogadores apaixonados por esse género sorrirem e pensarem o que mais a industria poderia desenvolver a seguir moldes semelhantes e eis que pelas mãos da Live Wire em parceria com a Adglobe, surge Ender Lilies: Quietus of the Knights.

Ender Lilies: Quietus of the Knights é ambientado num local chamado “O País do Fim”, uma região assolada por uma terrível maldição que ficou conhecida como “Corrupção”. Trata-se de uma doença que deixou toda a população da cidade contaminada através de um fenómeno conhecido como a “Chuva da Morte”. Todos que foram contaminados por essa doença são agraciados com a imortalidade, entretanto, com o passar do tempo começam a perder a consciência e assumem formas grotescas e extremamente violentas.

Logo nos seus primeiros segundos o jogo apresenta então a jovem sacerdotisa conhecida por Lily que é desperta pelo espectro do Cavaleiro Negro, um importante guardião responsável pela proteção da jovem, que desperta sem memórias do seu passado. O guerreiro então explica que ela é a Sacerdotisa Branca, uma entidade considerada sacra por muitos, por ter a capacidade de não apenas resistir aos efeitos da Corrupção, como também purificar aqueles que foram afetados por essa maldição. Cabe então aos jogadores aventurarem-se pelo País do Fim, a descobrir mais sobre a Corrupção, a história daquela região e sobre o passado de Lily.

E é justamente na sua narrativa que está um dos maiores trunfos (longe de ser o único) de Ender Lilies, em momento algum espere complexidade pois não é essa a proposta do jogo, ao invés disso o jogo apresenta a sua história através de textos que o jogador irá encontrar espalhados pelo cenário e principalmente através das interações com personagens atormentados pela Corrupção e que carregam consigo uma carga emocional muito forte e vale a pena destacar a dedicação da Live Wire em parceria com a Adglobe, já que a equipa de desenvolvimento conseguiu de maneira primorosa desenvolver cada personagem mesmo que da maneira breve, a fim de contextualizar não apenas o personagem, mas a sua interação com aquele universo e outros personagens e o resultado dessa dedicação, é que em alguns casos, torna-se impossível não criar afinidade com seres que supostamente seriam inimigos.

O sentimento de desolação e o peso emocional é algo constante por todo o País do Fim, e a grande esperança está nas mãos da Lily que através dos seus dons de sacerdotisa é capaz de conceder alivio e descanso a todos aqueles atormentados pela Corrupção. Mas até nesse ato de grande bondade e empatia, existe um peso emocional e que está diretamente ligado as ações do jogador enquanto assume a pele de Lily, já que ao realizar essas purificações, a jovem sacerdotisa não está a expurgar a Corrupção, mas sim a absorve-la e junto com isso, também a absorver todo o sofrimento daquele que foi purificado e os desenvolvedores em momento algum escondem as consequência diretas desse ato, já que é notável a tristeza e dor na feição da jovem.

Outro detalhe interessante e talvez aquele que chame mais a atenção em Ender Lilies: Quietus of the Knights, é que Lily, realmente é uma jovem sacerdotisa indefesa, então não espere uma protagonista com habilidades de combate notáveis ou com golpes destruidores, ao invés disso, cabe inicialmente ao Cavaleiro Negro, enfrentar todas as ameaças em forma de espectro. A medida que os jogadores avançam na narrativa do jogo, ao enfrentar alguns seres corrompidos, os mesmos no ato de purificação optam por unir suas habilidades com Lily, a junta-se assim a lista de espectros disponíveis.

Os jogadores poderão levar consigo até seis espectros, divididos em dois grupos que podem ser alternados a qualquer momento ao pressionar um botão. Cada um terá um estilo de combate e ataques diferentes e que podem ser acionados em simultâneo com outros espectros, o que permite uma grande variedade de movimentações e estilos de combate, sendo possível variar entre combates corpo a corpo, combates a distancia ou mesmo uma combinação estratégica de ambos.

Apesar da aparente simplicidade, Ender Lilies consegue deixar até mesmo jogos AAA para trás no quesito variedade de inimigos, já que para além de numerosos, existe uma grande variedades de inimigos com aparência, estilo de combate e nível de poder espalhados pelo jogo. Ao longo da jornada será possível enfrentar desde cavaleiros corrompidos até mesmo inimigos voadores e aquáticos que vão exigir abordagens diferenciadas do jogador na hora de adaptar o seu estilo de combate a cada desafio e inimigo que encontrar.

Ender Lilies também vai buscar nos jogos do estilo souls-like inspirações, principalmente nos combates contra bosses, já que o nível de desafio cresce substancialmente. Enfrentar os bosses nesse jogo é uma experiência muito peculiar, já que além de ataques poderosos, movimentações rápidas e uma barra de vida considerável, muitos desses bosses possuem transformações durante o combate, o que adiciona um elemento de imprevisibilidade e adaptação constante, já que ao transformarem-se, eles também assumem novas combinações de ataque e causam muito mais dano. O resultado dessa combinação de elementos, é um combate imprevisível, dinâmico e que muitas vezes deixará o jogador no limiar da frustração, para logo depois explodir em alegria ao superar aquele desafio.

Outro elemento interessante a levar em consideração durante os combates contra bosses, é que Lily é uma rapariga frágil, então todo o dano recebido tem um impacto considerável na sua barra de vida, sendo prioridade evitar ao máximo todo e qualquer dano, ao utilizar bastante a esquiva e as habilidades únicas de cada espectro. Entretanto, ao receber dano Lily poderá utilizar a “Prece” que seria o equivalente nos jogos souls aos Estus Flask, já que recupera parte da vida da protagonista, a diferença é que a limitação é muito maior, com os jogadores a terem a sua disposição apenas três utilizações que só poderão ser recuperadas ao chegar num ponto de descanso.

O jogo conta também com sistema de evolução de personagem, sendo que a evolução de Lily ocorre através da absorção de Corrupção ao derrotar os inimigos, o que seria equivalente as almas nos jogos da franquia Souls. Cada nível progredido traz um pequeno aumento no poder de ataque, vida e capacidade de utilização de espectros. Já a evolução dos espectros é feita através dos pontos de Dor, Sofrimento e Alma, absorvidos de criaturas decompostas e personagens que conseguiram ainda manter algum nível de sanidade.

Cada espectro pode aumentar até seis níveis, que oferecem melhorias como aumento de dano, maior capacidade de ataque ou redução no tempo de recarga. Entretanto não é possível realizar essa evolução dos espectros em qualquer lugar, sendo necessário alcançar primeiro um ponto de descanso, que funciona de maneira semelhante às fogueiras da franquia Souls.

O mapa de Ender Lilies segue os padrões da grande maioria dos jogos do género, a fazer bom uso da mecânica de backtracking e locais secretos, que inicialmente mostram-se inacessíveis, a exigir que o jogador avance um pouco mais pelos cenários até conquistar uma nova habilidade após derrotar determinado inimigo, para que assim possa regressar e explorar aquele local, entretanto, o jogo não possui linearidade na sua exploração, sendo perfeitamente possível avançar até locais onde vai encontrar inimigos extremamente poderosos e que até são possíveis de serem derrotados naquele momento, porém, o combate seria mais equilibrado caso tivesse determinado espectro do seu lado ou mesmo uma habilidade adquirida ao derrotar outro inimigo.

Sendo assim, esses locais secretos e inacessíveis tem como principal função a exploração total do mapa e encontrar determinados textos, NPCs e artefactos que ao serem equipados oferecem benefícios como aumento do poder ofensivo, redução do dano sofrido ou aumento na quantidade de Corrupção recebida. Graças a isso, enquanto houveram locais a serem explorados o mapa permanecerá na cor azul, e quando aquele local for totalmente explorado, o mapa ganhará um tom mais amarelado.

Porém, a medida que os jogadores avançarem na narrativa, mesmo aqueles que não costumam explorar muito o cenário e áreas secretas em outros jogos, podem sentir-se motivados a mudar isso em Ender Lilies, já que muitos desses locais vão trazer informações interessantes para a compreensão de diversos elementos da história do jogo, sendo importante inclusive para alcançar outros finais.

Outro elemento que merece grande destaque em Ender Lilies é o seu design gráfico, que consegue usufruir de maneira primorosa dos gráficos 2D e de uma paleta de cores muito diversificada. O jogo traz ambientações abandonadas e ausentes de qualquer sinal de vida, assim como florestas inundadas onde a variedade de vida vegetal adiciona tons mais fortes e maior iluminação, além de áreas urbanas e castelos, que trazem consigo tons mais frios que contribuem perfeitamente para criar uma atmosfera mais melancólica.

Essa atmosfera melancólica ganha ainda mais força e imersão através da banda sonora que traz uma grande carga dramática através efeitos sonoros, musicas instrumentais e líricas compostas pela banda japonesa de indie clássica, “Mili”, fundada em 2012 e que aposta em géneros musicais clássicos, contemporâneos e pós-clássico eletrónico, com a banda a trabalhar principalmente em videojogos e animes (Goblin Slayer; Gleipnir). A banda sonora ainda sofre pequenas e subtis variações de acordo com o local que está a ser explorado, além de ganhar um tom mais orquestrado e cheio de energia nos combates contra os bosses. Paralelo a isso, durante as explorações o som constante da chuva, sofre breves variações com o objetivo de informar ao jogador quando surge uma nova ameaça gerada pela Corrupção.

Opinião Final:

Ender Lilies: Quietus of the Knights é uma grata surpresa em 2021, já que devido a sua origem independente não recebeu tanto marketing como jogos desenvolvidos por grandes estúdios AAA, mas é o exemplo perfeito de como aliar simplicidade e qualidade, e principalmente como entregar exatamente aquilo que os jogadores apaixonados pelo género metroidvania e também por jogos no estilo souls-like procuram, através de um vasto mapa, personagens principais e secundários bem-desenvolvidos, uma narrativa cuidadosamente estruturada e marcante e uma combinação primorosa de banda sonora e design gráfico, que não apenas estão ali para parecerem agradáveis aos olhos e ouvidos dos jogadores, mas estão intrinsecamente aliados ao jogo, de maneira a que funcionam realmente como um elemento de gameplay, tanto para promover preparar o jogador para aquilo que irá lidar, quanto para criar uma narrativa paralela para aquela ambientação.

O jogo não procura em momento algum reinventar o género, ao invés disso, vai buscar em jogos como Hollow Knight, Castlevania: Symphony of the Night e Super Metroid elementos que compõem a sua essência, sem em momento algum cair naquele ponto onde a inspiração tornar-se numa copia, já que consegue utilizar cada elemento dentro da sua própria construção de narrativa, exploração e elementos de combate, sendo sem duvidas uma das melhores recomendações para aqueles que buscam uma experiência inesquecível dentro do género.

Do que gostamos:

  • Combates dinâmicos e bem desafiadores;
  • Mapa bastante vasto e com bastante mecânica de backtracking;
  • Banda sonora e design gráficos imersivos;
  • Ambientação variada e rica em conteúdo;
  • Grande diversidade de inimigos;
  • Excelente desenvolvimento de personagens principais e secundários;
  • Narrativa construida com base em grande emoção;
  • Legendas em PT-BR.

Do que não gostamos:

  • Alguns locais de transição de mapa podem trazer loadings demorados para aqueles que não possuem um SSD ou uma consola de nova geração;
  • Alguns inimigos podem oferecer um desafio ingrato para aqueles que não estão acostumados ao estilo souls-like.

Nota: 10/10

 

O jogo foi analisado num desktop com processador Intel Core i5-11600, Gráfico Integrado Intel UHD Graphics 750, 16GB de RAM e SSD M.2 NVMe de 1TB. Durante toda a analise o jogo correu com resolução em 1080×1920 (Full Screen) e todas as definições gráficas no máximo com V-Sync ligado e qualidade gráfica Alta.