Erica (PlayLink) – Análise

Devo admitir que tenho um lugarzinho do coração por jogos FMV (full motion video) de terror. Em regra geral, a qualidade nunca é elevada, quer no que toca ao enredo, quer no que toca às performances dos atores, e o resultado tem sido mais próximo de um filme de série B do que propriamente uma história com qualidade.

Quando tive a oportunidade de jogar Erica da Flavourworks, admito que a expectativa não era muito elevada. As memórias de jogos do género, como por exemplo Harvester, deixaram-me preparada para o pior. Ainda assim, havia esperança. Os valores de produção pareciam elevados e com uma ressurgência do género em tempos recentes, poderíamos perfeitamente ter aqui uma pérola.

Antes de mais nada, mais vale apontarmos já o elefante na divisão – Erica é um jogo, apesar de os mais puristas poderem alegar que não é, mas segue um equilíbrio delicado entre uma experiência interactiva como Bandersnatch e os jogos da Quantic Dream. Não existem aqui puzzles para solucionar ou personagens para movimentar. O jogador é um espectador, sim, mas Erica insiste em puxá-lo para dentro da experiência, nem que seja para acender um isqueiro.

Erica não esconde as suas inspirações do cinema de terror.

A história centra-se em Erica – encarnada por Holly Earl – que vê a sua vida virada do avesso quando, ainda criança, encontra o cadáver mutilado do seu pai. Já adulta, Erica é uma rapariga tímida, insegura, cujas noites são invadidas por pesadelos da sua infância. O passado volta a assombrá-la quando lhe é entregue à porta de casa uma prenda macabra – um par de mãos desmembradas. Erica é de imediato levada para a instituição onde o pai trabalhava, para sua segurança, mas rapidamente descobre que existem terríveis segredos à espreita.

Durante o jogo, poderão tomar pequenas ações como simplesmente abrirem uma porta, ou decidirem o que dizer ou como reagir, quando Erica interage com outras personagens. Tudo isto é controlado ou através do touch pad do comando da PlayStation 4 ou através do vosso telemóvel, instalando a aplicação do PlayLink. Sinceramente, não existe nada que o jogo faça que não pudesse ser feito com controlos normais, mas admito que me senti bastante mais confortável a utilizar o telemóvel ao invés do comando. Talvez devido a ter uma área maior, senti que era mais responsivo e nunca, em momento algum, senti que afetasse a experiência negativamente. Estava completamente imersa no mundo de Erica, não necessitando de olhar para o telefone quando tinha que tomar alguma ação. Adicionalmente, o jogo não tem quebras ou pausas quando existem momentos de interação ou de tomadas de decisão – resultando numa experiência extremamente fluida.

Em diversos momentos da história terão de tomar decisões que poderão ou não influenciar o vosso final. Isto leva a que queiramos repetir a experiência, se bem que no fundo as escolhas feitas durante o jogo não pesem assim tanto, face às decisões finais. Quando terminei, sinceramente não tive vontade de imediatamente voltar ao início. Senti-me como se tivesse terminado um filme, com um princípio, meio e fim. Erica é muito isso na sua essência, um filme em que o espectador é levado a interagir e a decidir que rumo a história levará, levando a todo um nível muito diferente de imersão.

Nem tudo é o que parece.

Esta imersão foi ajudada e muito pelo trabalho dos atores de Erica, que, na sua grande maioria, conseguiram transmitir credibilidade numa história que cai vítima de muitos clichés de filmes de terror. Apesar de o enredo ter alguma originalidade dentro do género, os lugares-comuns estão todos lá e não é difícil perceber para onde a história se dirige, bem antes da resolução da mesma. Ainda assim, isto não prejudica a atmosfera, com cenas que em momentos se assemelhavam a um filme de Dario Argento, como se todo o jogo fosse apenas um sonho de Erica. O pior crime da narrativa é no fundo ser um pouco superficial, apresentando uma série de mistérios de modo a agarrar o espectador/jogador e depois tentando resolvê-los muito à pressa no terceiro acto, matando um pouco o mistério. O jogo não perdia nada em ser um pouco mais longo, usufruindo da componente interativa e permitindo uma maior exploração.

Erica não é perfeito mas é prova viva de que algo de muito interessante se pode fazer com este género de jogos. Estas experiências interativas prestam-se imenso ao género de terror e mistério, dando toda uma outra dimensão ao ato de assistir a um filme – sozinho ou acompanhado. É bom ver que o modo de como contamos histórias continua a evoluir, existindo espaço para tudo. Não vejam aqui uma jogabilidade “preguiçosa” ou até passiva. Erica não é um jogo à moda antiga, nem o tenta ser. É uma experiência interativa que consegue inovar numa vertente pouco explorada do entretenimento, utilizando como ferramenta os videojogos. E francamente, é uma experiência bastante interessante que gostaria de ver mais utilizada no futuro.

Opinião Final:

Erica é a prova de que é possível fazer um jogo FMV com qualidade, imersivo e fluido. Com atuações e valores de produção de qualidade, será extremamente interessante ver se a Flavourworks continuará a trabalhar em títulos deste género. É fácil de ver o potencial deste tipo de experiência, e Erica é sem dúvida um jogo que merece ser vivido.

Do que gostamos:

  • Desempenho de qualidade dos atores;
  • Experiência interativa fluida e sem quebras;
  • Narrativa com clichés, mas ainda assim imersiva.

Do que não gostamos: 

  • Jogo curto, havendo espaço para um maior desenvolvimento do enredo;
  • Uso de muitos clichés e lugares-comuns;
  • Desenrolar da narrativa um pouco previsível.

Nota: 7,5/10