Hospede Indesejado – Análise

Quem acompanha com alguma periodicidade o catalogo de filmes da Netflix, já notou que existe quase uma curta “temporada de filmes bons” onde o serviço explora filmes com uma maior qualidade narrativa, enquanto há um período onde é preciso dedicar-se bastante e por vezes ignorar o marketing, para encontrar boas produções e “Hospede Indesejado” (His House) encontra-se justamente na segunda categoria, apesar de deixar a desejar em alguns momentos.

O filme realizado pelo estreante em grandes produções, Remi Weekes, e segue a história de um casal refugiado que escapou dos horrores da guerra no Sudão do Sul, e que após uma traumática travessia, chegou à Inglaterra. O filme segue uma tendência cada vez mais presente no cinema de género, ao explorar historias que combinam horrores reais, com elementos de fantasia, misticismo e horror psicológico, a lançar constantes questionamentos sociais tanto aos personagens, quanto ao próprio espetador.

Os protagonistas, Bol (Sope Dirisu) e Rial (Wunmi Mosaku) iniciam esta historia numa linha muito ténue entre a dor da tragédia e a alegria por finalmente saírem do centro de refugiados e serem alocados numa casa cedida pelo governo britânico, que é representado na maior parte do filme pelo agente Mark (Matt Smith), enquanto esperam por uma oportunidade de obter a cidadania. A felicidade por esta conquista só não é completa, porque durante a travessia a pequena Nyagak (Malaika Wakoli-Abigaba) acabou por falecer, com o casal apenas a conseguir salvar a sua boneca como lembrança.

A nova casa fica numa área residencial bastante pobre, onde tudo é extremamente sujo e com condições mínimos de moradia, porém, como é destacado pelo próprio agente do governo, “para quem não tinha nada, aquele lugar é um palácio”, especialmente para Bol que está ansioso por deixar o passado para trás e iniciar uma vida como europeu. O problema é que a “His House” (o título em inglês faz muito mais sentido dentro da narrativa) já possui um dono, uma entidade maligna que catalisa os traumas do casal, na forma de vozes, pesadelos e fantasmas, a exigir que a dívida de ambos com a vida, seja paga com a sua própria vida.

É justamente a partir daqui que a tal linha ténue entre a dor da tragédia e a alegria citada acima, ganha ramificações, já que a tentarem inserir-se nesta nova cultura o casal, irão encontrar barreiras naturais, sociais, étnicas e sobrenaturais, que vão levar a um constante conflito entre alguém que a todo custo busca firmar raízes naquele lugar e alguém que está totalmente deslocada.

A deixar de lado em alguns momentos o lado sobrenatural, “Hospede Indesejado” leva o espetador numa discussão constante sobre qual o lugar que realmente pode chamar de “casa”, durante o filme vemos Rial a ser confrontada com um tratamento diferenciado, sentimento de opressão até mesmo numa perspetiva urbana e num momento pontual, ofensas que vão muito além da camada superficial, já que vem daqueles que supostamente deveriam identificar-se com ela, mas optam por ironizar a sua presença ali, numa evidente crítica do filme sobre identidade de género e o sobre o quanto é questionável o sentimento de nacionalismo (algo que pessoalmente tenho uma opinião nada popular, mas está analise não é o espaço para isso).

Do lado oposto, temos Bol, que parece empenhado em isolar os fatores externos para assumir a vida europeia. Porém, é dentro da casa que os papeis voltam a inverter-se, com Rial a lidar melhor com o elemento sobrenatural já que busca entender aqueles fenómenos como algo familiar, enquanto Bol encontra-se em constante conflito, com memórias e sentimentos do passado a materializar-se pela entidade que reside ali e gradualmente o conflito do casal e a sua história começam a se moldar no ecrã.

Em momento algum o realizador busca inovar no subgénero do terror, de “casa assombrada”, a explorar elementos visuais clássicos do subgénero, como os fantasmas que surgem dos locais escuros da casa, a redução ou ausência deliberada de som para no momento seguinte algo provocar uma explosão no áudio (o clássico recurso questionável para provocar jump-scare) ou mesmo as paredes que aparentam ter vida no seu interior. A convidar o espetador a ressignificar o conceito de “casa”, não como um local de segurança e para onde regressa após um dia difícil, mas como uma continuação do tormento. Mas felizmente, Remi Weekes aproveita alguns desses recursos para inserir elementos culturais e sociais, como, por exemplo, o facto de serem refugiados exigir que tenham cuidado até mesmo situações banais e que para a maioria das pessoas nunca seria um problema, mas que para eles é bastante preocupante já que qualquer motivo pode ser suficiente para as autoridades negarem a cidadania e os expulsar do país.

Pessoalmente não definiria “Hospede Indesejado” como um terror no sentido clássico, já que apesar de ter muitos elementos sobrenaturais e totalmente distantes da realidade, principalmente no seu terceiro ato, o momento em que realmente o sobrenatural destaca-se é quando a narrativa absorve o terror e mescla com a realidade. A tensão e o desconforto real é sentido muito mais no momento em que se compreende os possíveis conflitos dos personagens e a maneira como esses elementos estão próximos dos problemas do mundo real, e apesar de até mesmo nesta analise ter sido mencionado por várias vezes as críticas sociais, não necessariamente os momentos de tensão são fatores externos, muitas vezes são internos gerados pelos próprios personagens e os seus traumas.

Infelizmente a inexperiência do realizador que também é responsável pelo argumento, é bastante evidente em alguns momentos do filme, a gerar leves incómodos. Apesar de algumas críticas sociais estarem bem inseridas e exigir que o espetador reflita um pouco, pois não está tão evidente, também existem momentos onde cenas e personagens são inseridos de maneira desnecessária, seja porque o espetador já entendeu perfeitamente aquele conceito não sendo necessário ser tão expositivo (um problema comum, em filmes da Netflix), seja porque posteriormente algo que foi inserido não será minimamente explorado e não fará nenhuma diferença para a narrativa ou os seus personagens.

Outro ponto negativo, é que principalmente no segundo ato, o filme acaba por perder-se dentro da sua própria narrativa, a gerar uma sensação de não saber exatamente para onde gostaria de seguir a história, algo que se estende para o terceiro ato no seu momento de clímax, mas com alguma habilidade, o realizador consegue recuperar o ritmo e a coesão da narrativa, a novamente trazer ela para o mundo real e explicar alguns acontecimentos sem que precise negar o lado sobrenatural, ou seja, a tal mescla entre os dois elementos, com um desfecho catártico e emocionante.

Opinião Final:

Hospede Indesejado” (His House) não é um filme perfeito, possui algumas falhas bem evidentes e infelizmente cai em momentos pontuais num erro comum de Hollywood de tornar-se demasiado expositivo, ao tratar o espetador como alguém incapaz de entender alguns conceitos. Porém, o realizador consegue de uma maneira aceitável superar essas falhas, ao entregar um filme que vai agradar tanto aqueles que buscam um terror para apanhar alguns sustos neste Halloween, quanto aqueles que buscam por uma narrativa com raízes bem fincadas na realidade.

Além disso, pessoalmente, deixou uma sensação de que quero em breve voltar a acompanhar uma obra de Remi Weekes, agora já com mais experiência cinematográfica e talvez até mesmo em parceria na produção e argumento com outros cineastas aclamados dentro do estilo, como Jordan Peele, Misha Green e Spike Lee. Se procura um filme neste Halloween que vai além da publicidade massiva e um terror básico, está é sem dúvida uma excelente aposta.

Nota: 8/10