Inspector Zé e Robot Palhaço em: Crime no Hotel Lisboa (Switch) – Análise

É com muita vergonha que admito que até agora ainda não tinha jogado o jogo mais português de sempre, cortesia da Nerd Monkeys. Inspector Zé e Robot Palhaço em: Crime no Hotel Lisboa é tão lusitano como um pastel de nata ou um Cozido à Portuguesa e finalmente salta-nos para a Nintendo Switch.

Crime no Hotel Lisboa inspira-se claramente nos points and clicks de tempos idos, não só na sua jogabilidade, mas também no seu sentido de humor, ainda que com algum azeitinho “tuga” à mistura. O Inspector Zé é um detective bem à portuguesa, lançado para o meio de um caso em que o abastado Sebastião Love comete suicídio com catorze facadas nas costas. Felizmente, recebe uma herança inesperada – o Robot Palhaço – que adora contar piadas secas, mas que tem medo de crianças, e que provará ser uma valiosa ajuda.

É impossível que Crime no Hotel Lisboa não apele a um público português, principalmente no que toca à sua representação de uma Lisboa dos anos 80. Tudo é super característico, contando até com a inclusão de um fado executado por Alexandra Martins. Passei várias vezes a apontar para pequenos detalhes que me relembravam da antiga Lisboa pré-boom turístico, como os velhos táxis pretos e verdes, que aqui servem uma mecânica de fast travel. Graficamente, o jogo tem um visual que apela muito aos fãs de jogos point and click mais antigos, mas a recriação das ruas lisboetas dá-lhe um charme particular. Por exemplo, quando andamos na rua, é normal passar um elétrico que se sobrepõe ao cenário com a sua silhueta, mas que dá uma sensação de uma Lisboa viva. O jogo ainda apresenta uma espécie de “público” ao vivo, que reage aos momentos do jogo como se de uma sitcom se tratasse. Percebo a piada, mas partilho o mesmo sentimento que tenho quando isto é aplicado em séries – é desnecessário e não passa de uma tentativa de adição de humor artificial, honestamente o jogo não precisava disto, mas também não diria que é intrusivo.

Não há nada como um passeio por Lisboa e depois comer um Perna de Pau.

O humor é de facto um dos pontos mais fortes desta aventura gráfica, com imensas referências à cultura portuguesa que certamente terão sucesso com um público nacional, mas que provavelmente serão mais difíceis de traduzir com sucesso para o público internacional. A localização em inglês existe, está bem feita e não é culpa desta que por vezes algumas piadas fiquem pelo caminho nessa versão. Acredito que, com uma obra com referências culturais tão enraizadas, seja uma tarefa hercúlea conseguir traduzir o texto para algo equivalente em inglês. No entanto, é de notar que existem algumas gralhas na versão em inglês que, em 2020, já poderiam ter sido corrigidas e que acabam por passar a imagem de um jogo pouco polido, quando claramente foi feito com tanto amor.

Tanto a versão original como a versão em inglês não possuem vozes, ficando ambas apenas pelo texto. Os diálogos conseguem quase sempre arrancar de nós um sorriso e ambas as personagens principais têm uma dinâmica que seria giro de ver ser explorada em jogos futuros. A personagem de Inspector Zé também é exatamente aquilo que se esperaria deste tipo de setting – um machão que bebe um pouco demais, bruto, às vezes um pouco ignorante e que tem uma séria dificuldade em acertar com certas palavras e nomes. Tudo é pintado de forma extremamente humorística, conseguindo muitas das vezes fintar o potencialmente ofensivo – embora nem sempre. Confesso que não consegui conter um pouco de desconforto perante a personagem Stephanie Love, o estereótipo de femme fatale, mas que é aqui representada com um sotaque brasileiro e que é apelidada de badalhoca várias vezes, por ter vários amantes. Nos tempos que correm, é difícil conseguir relativizar o contexto e inspiração do jogo, principalmente quando a sequela não cai neste tipo de armadilhas.

Quanto à jogabilidade, temos aqui uma aventura bem linear, mas cuja linearidade por vezes parece não estar bem-estruturada. Atenção, não estou a criticar o facto de o jogo ser linear, uma vez que é mais do que normal e típico neste género. Como qualquer aventura gráfica 2D, a jogabilidade baseia-se na exploração de vários cenários onde podemos falar com diversas personagens, tentando assim ir descortinando o mistério. Como seria de esperar, vamos colecionar diversos itens, que são prontamente guardados numa gaveta do Robot Palhaço, onde reside uma criatura um bocado lovecraftiana chamada Joãozinho. Ele fará o seu melhor para cuidar de todas as provas, sem que estas se percam num vazio cthulhu-esco. Se num computador, utilizaríamos o rato para movimentar o cursor como num point and click normal, aqui utilizamos o analógico direito – sendo que o esquerdo é utilizado para movimentar o Inspector Zé pelos cenários. Os restantes controlos estão bastante bem identificados e são intuitivos, estando bem adaptados à realidade da Switch. Adicionalmente, se preferirem uma experiência mais orgânica, poderão utilizar o touch screen.

Nem toda a gente gosta de ser interrogado por uma lata de sardinhas.

Ao contrário daquilo que é mais comum, não existem aqui puzzles de inventário, pelo que não vão ter de andar a testar várias combinações de objetos quando se sentirem perdidos. O verdadeiro progresso é feito quando conseguimos obter determinados itens que sirvam de prova e que nos permitam interrogar os suspeitos. Isto processa-se através de uma espécie de mini-jogo, em que temos de escolher qual das duas personagens (Inspector ou Robot) irá conduzir o interrogatório, devendo depois selecionar uma combinação de uma questão (de entre três que nos são apresentadas) e de um dos itens do nosso inventário, de modo a conseguir entalar o suspeito. Após fazermos isto três vezes com sucesso, o suspeito vai-se abaixo e confessa tudo o que tem a confessar.

Pode parecer original e divertido, mas foi das partes que menos gostei do jogo por alguns motivos. Não é de todo um puzzle difícil e não é complicado deduzirmos qual a combinação correta, mas poderão haver instâncias em que selecionem a opção errada. No entanto, como não existem consequências para a nossa asneira, podemos ir por tentativa e erro quantas vezes quisermos. Isto é particularmente aborrecido quando acontece, por exemplo, na última pergunta, já que o jogo nos obriga a fazer todo o mini-jogo desde o início. Mas o pior é efetivamente quando conseguimos selecionar tudo de forma correta, chegamos à última questão, vemos pela reação do suspeito que escolhemos tudo bem e… mesmo assim não dá em nada porque por obra e graça do senhor, tínhamos de saber que tínhamos de escolher a outra personagem, obrigando a que façamos tudo outra vez.

Esta “repetição obrigatória” vê-se também nos diálogos que temos com as personagens, que muitas vezes repetem as mesmas falas sem termos uma opção de sair do diálogo. Se escolheram falar com alguém por engano, bem, aguentem-se. Não parece existir em Crime no Hotel Lisboa uma estrutura de diálogo mais similar a outros jogos do género, sem que fiquemos presos por vezes em linhas de diálogo que já lemos anteriormente. Adicionalmente, apanhei um ou outro momento em que o jogo pareceu tropeçar sobre si mesmo, porque simplesmente me faltava uma determinada condição para avançar. Mais uma vez, a linearidade é uma característica quase obrigatória de um point and click, mas houve alturas em que tive quase medo de ter apanhado um bug. Por exemplo, houve um momento em que me foi dada a opção de chamar Stephanie Love (a viúva da vítima) ao meu escritório para a interrogar novamente mas, como me faltava um certo objeto que me tinha passado ao lado, a senhora ficou no meu escritório sempre com a mesma fala e fiquei a coçar a cabeça sem perceber o que tinha de fazer, achando que tinha feito progresso, mas apercebendo-me que afinal não era bem assim.

Não pode faltar uma bela engraxadela nos sapatos… e uns malabarismos, vá.

O jogo conta ainda com algumas sidequests (ou saidequestes, em bom português), que ajudam a ter mais algum conteúdo para além da história principal, ajudando também a caracterizar algumas das personagens. Se quiserem, têm também acesso a um mini-jogo em que o Robot Palhaço faz um espetáculo de stand-up comedy. É-vos dada a primeira frase e têm de escolher a punchline correta. Se forem bem-sucedidos, são-vos atiradas flores que têm de apanhar (e vos dão pontos). Se forem uma nódoa, bem, preparem-se para apanhar com tomates… e até um gato. Ainda assim, estamos aqui perante um jogo relativamente curto, com uma duração que diria até ideal, considerando que contamos com um número relativamente reduzido de personagens e cenários a explorar. É uma aventura contida, mas creio que na medida certa.

Compreendo que após tudo isto, fiquem a achar que não gostei do jogo. Não é verdade, principalmente considerando que é o primeiro esforço da Nerd Monkeys. As personagens são fantásticas e têm todo o potencial para dar vida a muitos mais jogos desta produtora portuguesa. Existem algumas arestas a limar, é certo, mas a experiência final não deixa de ser um mimo, e é fácil de ver todo o carinho que entrou na produção deste jogo, não só com Lisboa, mas com a cultura portuguesa em geral. É uma experiência divertida, com muito bom humor e com uma escrita que tem tudo para melhorar em títulos futuros. A Nerd Monkeys tem aqui um diamante em bruto, muito como o Inspector Zé o é, e espero bem que mais aventuras desta dupla estejam no seus planos futuros. Se não quiserem esperar, atirem-se já de cabeça a Inspector Zé e Robot Palhaço em: o Assassino do Intercidades – que esperamos que eventualmente também chegue à Nintendo Switch.

Opinião Final:

Inspector Zé e Robot Palhaço em: Crime no Hotel Lisboa é o jogo bem português que não sabíamos que queríamos, mas do qual precisávamos. É uma aventura gráfica feita por quem claramente adora o género e é um produto do mais nacional que há, de tal forma que até acaba por prejudicar a sua acessibilidade a um público internacional. Sofre de alguns problemas de jogabilidade, mas é um título que tem claramente potencial para expandir e melhorar algumas mecânicas.

Do que gostamos:

  • Finalmente, um point and click português!
  • Humor bem característico e com algumas referências que tornam impossível não nos rirmos;
  • Deixou-me com muita vontade de jogar mais com estas personagens, e ainda bem que temos uma sequela!

Do que não gostamos:

  • Jogabilidade demasiado simples, mas repetitiva, sem grande desafio;
  • Construção das árvores de diálogo poderia ser melhor;
  • Algum do humor pode rapidamente tornar-se datado, mesmo considerando as suas referências e inspirações.

Nota: 7/10