Kena: Bridge Of Spirits – Análise

Kena: Bridge of Spirits é um jogo que deslumbrou logo no seu anúncio. Desde a animação reminiscente de um filme da Pixar até à paixão claramente demonstrada pelos irmãos Mike e Josh Grier do estúdio Ember Lab, cujo background em animação era notório, Kena prometia ser uma aventura de fantasia memorável.

Familiaridade é a primeira palavra que me vem à cabeça quando penso em Kena. A animação e estilo artístico têm um tom muito familiar, que remete aos filmes animados dos tempos de hoje, a própria jogabilidade e mundo fazem lembrar jogos como The Legend of Zelda. Até os Rot, pequenas criaturas que podemos descobrir e que nos acompanham na nossa aventura, remetem a Pikmin. Kena é composto de diversos elementos extremamente familiares e que acabam muitas vezes por roçar no desinspirado, mesmo considerando todas as suas claras inspirações.

Mas é pelo início que se começa. Kena é uma jovem guia de espíritos, alguém cuja tarefa é ajudar os espíritos que estão presos neste mundo a passarem para o seguinte. Em busca do sagrado Mountain Shrine, Kena viaja até uma aldeia abandonada, onde se depara não só com espíritos amigáveis, mas também com uma profunda corrupção que assola a natureza.

Antes de seguir em frente para o Mountain Shrine, Kena terá de ajudar os espíritos presos neste mundo e é aqui que começamos a nossa aventura. Aquilo que parece ser uma encantadora floresta que está mesmo a pedir para ser explorada, revela-se um local perigoso, repleto de inimigos que vão obrigar a que Kena ponha as suas habilidades à prova.

Podem-se encontrar muitas coisas debaixo de calhaus!

O combate é enganadoramente simples. Durante todo o jogo apenas temos acesso a uma arma de combate corpo-a-corpo e dois ataques – um mais forte e lento e um mais rápido, mas mais fraco. Em adição a isto, podemos defletir os ataques dos inimigos, se conseguirmos o timing correto podendo-nos ainda desviar dos mesmos. Ao início, o combate parece pouco complexo mas assim que nos vemos a braços com inimigos diferentes, com os mais variados ataques, percebemos que é necessário adotar uma estratégia. Não basta chegar, dar uma ou duas pauladas e siga. Mesmo na dificuldade normal, Kena consegue apresentar algum desafio – com alguns picos de dificuldade um pouco injustos, principalmente em determinados bosses, acabando por ser um pouco desequilibrado nesse aspeto. Nada é impossível e não temos aqui em mãos um Dark Souls, muito pelo contrário. Mas é definitivamente um choque quando estamos habituados a uma coisa e de repente nos vemos deparados com um boss bem mais difícil do que os inimigos que o antecedem.

Defletir os ataques também não é fácil. A janela de oportunidade é bem pequena e se conseguirem defletir um ataque com sucesso, a recompensa é conseguirem dar uns ataques bem dados a um inimigo que, de outra forma, vos daria uma bela abada. Adicionalmente, em alguns momentos parecia haver alguma falta de reação ao tentar defletir enquanto a animação de ataque ainda estava a decorrer. Resultado: tive um belo de um abanão a jogar numa dificuldade que pode ser considerada de normal quando cheguei a um boss e logo de início, em três ataques, me tira quase toda a barra de vida, mesmo tentando defletir ou desviar-me de ataques. Isto deu lugar à frustração, sem dúvida, uma vez que em momento algum o jogo prepara os jogadores para este tipo de encontro.

Kena tem ainda à sua disposição um ataque à distância, com o seu bastão, que se torna num arco com flechas que se regeneram, bem como os seus queridos Rot. No início de um combate, os Rot estão ainda um pouco com medo, assinalado por um ícone no canto inferior esquerdo do ecrã. À medida que vão derrotando inimigos ou causando dano com sucesso, os Rot vão ganhando coragem até ao momento em que finalmente nos permitem que sejam usados. Podem tanto usar as suas habilidades em combate, atirando-os aos inimigos ou usando-os para potenciar os vossos ataques, ou podem usá-los para obter energia vital de flores no cenário. Normalmente, numa arena de combate, apenas têm à vossa disposição uma ou duas destas flores, reduzindo drasticamente as possibilidades de se curarem durante um combate. Tudo isto obriga a que cada movimento seja calculado – cada ataque que sofrem por parte dos inimigos conta. Todos estes elementos juntam-se num combate que, como já referi, é enganadoramente simples, mas que carece muito de equilíbrio, nomeadamente no que toca à dificuldade.

Toda a direção artística do jogo é adorável.

Não só de combate se faz a aventura de Kena. O mundo está repleto de corrupção, com obstáculos decrépitos que Kena deverá ultrapassar. Kena pode correr, tem um salto duplo e pode trepar escarpas – não se preocupem, os locais a que se podem agarrar estão assinalados com um rebordo branco. A isto juntam-se puzzles ambientais, bem próprios de um jogo de plataformas, em que se verão obrigados a usar o vosso arco para ativar interruptores ou bombas para criar plataformas temporárias. Adicionalmente, os vossos Rot podem transformar-se numa criatura poderosa que podem controlar até determinados focos de corrupção, para limpar os mesmos. O controlo desta criatura é absolutamente horrível, obrigando a que controlemos Kena com o analógico esquerdo e a criatura com o direito, enquanto tentamos direcioná-la para o objetivo, sempre com um limite de tempo porque o poder dos Rot não é infinito.

A vossa exploração vai dar muitos frutos, nomeadamente na obtenção de uma espécie de moeda, que apenas serve para adquirir chapéus para os vossos Rot, e na descoberta dos ditos chapéus. Adicionalmente, vale a pena vasculharem todos os cantinhos para encontrarem todos os Rot que conseguirem, bem como acumularem karma – que vos vai permitir melhorar as vossas habilidades. Estes upgrades podem ser obtidos numa espécie de skill tree, que acabou por não passar de uma ideia pouco desenvolvida. As melhorias são escassas e apesar de desbloquear algumas habilidades, nunca senti propriamente que estas melhorias alterassem grande coisa na jogabilidade em si. Por fim, a vossa barra de vitalidade pode ser aumentada ao descobrirem locais onde Kena pode meditar.

O mapa é o mais simples possível, contrastando imenso com os mapas de hoje em dia que vivem de poluição visual, repletos de ícones. No mapa de Kena têm algumas indicações úteis, nomeadamente os pontos de fast travel e é-vos indicado a quantidade de coisas que vos falta descobrir em determinada área. É refrescante ver este tipo de abordagem. Kena tem muito para descobrir, podem e devem voltar a áreas antigas com novas habilidades mas é bom permitir ao jogador que descubra por si mesmo, deixando-se embrenhar no mundo do jogo, ao invés de ser apenas uma coleção de ícones a limpar do mapa.

É um jogo que deve sem dúvida ser vivido numa PlayStation 5.

A história é um dos pontos fortes de Kena, mas deixou-me com a mesma sensação que tudo o resto do jogo – boas ideias, mas pouco desenvolvidas. A história do jogo lida com temas como a perda, como lidar com a mesma, mas Kena pareceu-me uma personagem tão estéril que me custou tentar sequer preocupar-me com o fio do enredo – principalmente quando chegamos a um segundo ato que não passa da repetição do primeiro. Podemos alegar que Kena é efetivamente uma espetadora, cuja missão é apenas guiar os espíritos, mas como veículo que é do jogador, acaba por ficar aquém do esperado, não conseguindo criar uma ligação emocional com o mesmo. Ainda assim, acredito que esta possa não ser a experiência de todos os jogadores e que consigam desfrutar da história bem mais do que eu.

Kena: The Bridge of Spirits acaba por pecar pela excessiva familiaridade. Desde a história, passando pelas mecânicas, e até à direção artística, parece que já vimos tudo isto em algum lado. Não quer dizer que a soma das suas partes seja má, não o é, de todo. Mas também não atinge o seu pleno potencial. A Ember Lab tem aqui tudo para ter um jogo com uma identidade muito própria, que se destaque dos enésimos jogos de aventura e plataformas, mas parece que tiveram demasiado medo e decidiram jogar em excesso pelo seguro, o que acaba por funcionar em detrimento da experiência. Ainda assim, é certo que Kena: The Bridge of Spirits vai encantar muitos jogadores e espero que seja o ponto de partida para mais e melhores aventuras da Ember Lab.

É ainda de notar que este é um jogo que pode e deve ser desfrutado numa PlayStation 5. Apesar de os jogadores da geração anterior também poderem ter acesso a Kena, a performance não é de todo a melhor, com slowdowns em vários momentos do jogo e com uma visivelmente reduzida quantidade de frames por segundo. Ainda assim, é um jogo lindo e que merece mesmo ser experienciado numa PlayStation 5.

Opinião final:

Kena: The Bridge of Spirits é um jogo deslumbrante, pleno de encanto, mas que peca em jogar pelo seguro em tudo o que faz. Com alguns soluços pelo meio, nomeadamente no seu desempenho na PS4 e nos picos de dificuldade inesperados do seu combate, ainda assim Kena deixa-nos expectantes em vermos o que mais vai sair da Ember Lab. Apesar de não ser de todo perfeito, esperamos que Kena: The Bridge of Spirits seja apenas o início de um longo catálogo.

Do que gostamos:

  • Estilo artístico e gráfico;
  • Puzzles ambientais bem implementados;
  • Exploração satisfatória;
  • Combate simples, mas que ao mesmo tempo requer alguma estratégia…

Do que não gostamos:

  • …mas com picos de dificuldade incompreensíveis que resultam numa experiência desequilibrada;
  • Performance bem abaixo do esperado na PlayStation 4.

Nota: 8/10