Marvel’s Spider-Man: Miles Morales – Análise

Marvel’s Spider-Man é sem dúvida um dos meus jogos favoritos da era PlayStation 4, e uma das melhores representações daquilo que é ser um super-herói em videojogos. A Insomniac Games conseguiu criar um open world numa Nova Iorque repleta de detalhe e personalidade, com todo o conteúdo que caracteriza este tipo de jogos, aliado a uma narrativa digna dos livros de banda-desenhada e com algumas surpresas pelo meio, tanto para os fãs como para os novatos.

Por isso, quando assistimos a Miles Morales ser mordido por uma aranha, já esperávamos que eventualmente fossemos presenteados com uma iteração com esta personagem. Após um anúncio em Junho, chega-nos agora em Novembro às nossas PlayStation 4 o título Spider-Man: Miles Morales, que parece estar meio a testar as águas com esta personagem, assim como a aguçar o apetite para a sequela que esperamos que venha aí.

O jogo original, apesar de um dos melhores jogos de Spider-Man de sempre, sofria de alguns problemas que já são bem comuns em jogos open world, com conteúdo abundante mas que por vezes se tornava repetitivo, nomeadamente nas inúmeras arenas em que tínhamos de lutar contra vagas de inimigos. Ainda assim, o jogo conseguia ultrapassar estes obstáculos não obrigando o jogador a fazer estas atividades (a não ser que quisessem completar tudo e desbloquear todas as habilidades e fatos) e compensando com uma grande história digna de um livro de banda desenhada, atuações excelentes por parte dos atores e uma experiência de jogo tão divertida que nem nos apercebemos que estamos a fazer a mesma coisa várias vezes durante horas. Essa é a marca de um grande jogo.

Portanto não é surpreendente que Spider-Man: Miles Morales seja essencialmente, na sua base, o mesmo tipo de jogo mas com uma personagem diferente. Mas esperem, não quero com isto dizer que simplesmente estamos aqui perante um reskin preguiçoso. Nada disso. Miles Morales é uma espécie de expansão, como The Lost Legacy foi para Uncharted 4, que é muito na sua essência o mesmo tipo de jogo, mas com um foco ligeiramente diferente.

Assumimos o papel de Miles, personagem criada em 2011 e introduzida no mundo dos jogos em Marvel’s Spider-Man. Peter Parker andou já a mostrar-lhe um bocado como é a vida de Spider-Man e começamos o jogo logo a 1000 à hora, como já todos tivemos oportunidade de ver em alguns vídeos que têm sido lançados oficialmente. Miles não tem ainda um fato oficial a bem dizer e está ainda muito verde, mas o seu potencial é notório. O seu treino termina abruptamente quando Peter anuncia que vai viajar para a Europa e que confiará a Miles a responsabilidade de proteger Nova Iorque. Bem, lá se vão as rodinhas de treino e Miles é lançado aos bichos, tendo de se adaptar rapidamente à sua nova realidade e ao que tudo isso implica, com dores de crescimento (e de porrada) à mistura.

De volta a Nova Iorque!

Enquanto que no título original havia um foco na experiência típica de super-herói, com Peter a lutar com variados super-vilões, em Miles Morales a Insomniac pareceu optar por uma experiência que apela a uma maior proximidade das pessoas. A personagem de Spider-Man sempre foi bastante empática – a alcunha friendly neighbourhood Spider-Man não vem do nada -, e apesar de existir bastante humanidade e peso na história original, a ligação à cidade de Nova Iorque era mais como um todo, com algumas personagens a terem destaque mas com a cidade a ser apresentada como ela própria uma personagem singular.

Em Miles Morales, a abordagem é um pouco diferente e o jogo ganha com isso. Continuamos a ter momentos épicos, set pieces de tirar a respiração e vilões que nos dão água pela barba. Mas grande parte das missões secundárias do jogo são obtidas através de uma aplicação criada pelo melhor amigo de Miles, Ganke, através da qual os cidadãos de Nova Iorque podem enviar pedidos de ajuda. Isto resulta em algumas missões mundanas, com pouca complexidade ou até profundidade, mas que ajudam a construir ainda mais a personalidade da cidade e dos seus habitantes. Pode ser algo tão simples como ajudar a procurar um gato que fugiu ou libertar o gelo que se formou num guindaste, mas a sensação que passa é de que Miles sente não só responsabilidade por proteger Nova Iorque – podendo ajudar a impedir os vários crimes que vão surgindo pela cidade, como acontecia no primeiro jogo – mas também por ajudar a sua própria comunidade. Por sua vez, o jogador sente também uma maior proximidade não só a Miles, mas também às pessoas que o rodeiam, mesmo que seja por meros momentos numa qualquer missão secundária. Não estamos aqui só para prevenir roubos de carros ou assaltos, mas sim para sermos parte de uma mudança positiva numa cidade onde sempre existirá crime e corrupção.

Miles Morales foi uma personagem que ao início na sua criação sofreu algumas críticas, sendo que uma delas era apelar ao politicamente correto através da inclusão de uma personagem pertencente a uma minoria. O tempo provou que estas críticas eram infundadas, com Miles a tornar-se numa personagem querida dos fãs. No jogo, continua esta representação de minorias, através não só de Miles mas daqueles que o rodeiam, pessoas com diferentes origens étnicas, bem como a representação de linguagem gestual e até a utilização da língua espanhola, dada a ascendência porto-riquenha de Miles. A diferença é que esta é uma representação equilibrada, as personagens são humanas, não estereótipos, e a sua condição como minorias é apenas uma das suas muitas características, não as definindo. E é bom ver este tipo de abordagem num grande jogo, nos dias que correm.

Mas vamos ao que interessa, o que é que Miles Morales faz de diferente do jogo original e porque é que o devem jogar? A jogabilidade mantem-se essencialmente igual e se chegaram agora de Marvel’s Spider-Man, vão sentir-se em casa. No entanto, os poderes de Miles não são bem iguais aos de Peter e temos algumas novidades. Miles tem à sua disposição não só a possibilidade de se camuflar e essencialmente tornar-se invisível durante algum tempo, mas também bio-electricidade, a que ele e Ganke chamam de Venom (sem qualquer relação com o vilão). Cada um dos poderes é mais apropriado a um determinado estilo de abordarem o combate. Se preferirem uma abordagem mais furtiva, certamente irão fazer muito uso da camuflagem, uma vez que facilita imenso a vossa fuga caso sejam detetados. Isto é tanto positivo como negativo. O combate furtivo torna-se imensamente divertido, pelo facto de poderem andar entre os inimigos sem serem notados, mas também acaba por facilitar demais, removendo o desafio de conseguirem fugir após deteção. Já o poder Venom é mais favorável se estivermos a falar de combate corpo a corpo, uma vez que despoleta um ataque poderoso que deixa os inimigos atordoados.

Os poderes de Miles abrem todo um leque de possibilidades para arrear nos inimigos.

Cada uma destas habilidades tem várias melhorias que podem ser desbloqueadas através de pontos adquiridos após fazerem level-up. À semelhança do original, têm ainda à vossa disposição gadgets, que podem também eles ser melhorados e que poderão usar no estilo de combate que preferirem – um exemplo são minas remotas que podem ser colocadas em painéis elétricos, de modo estratégico, que ao explodirem dão cabo dos inimigos que estejam ao seu redor.

Continuamos aqui a ter uma miríade de fatos para desbloquear, bem como modificações para os mesmos – na forma de Visor Mods e Suit Mods. Todas as melhorias são feitas através de recursos colecionáveis, que podem ser adquiridos após completarem missões secundárias, crimes ou até completarem objetivos secundários dentro de certas missões ou combates. Nada disto será novo para os fãs, uma vez que já assim se processava no jogo anterior. Adicionalmente, temos um recurso que são as Tech Parts, adquiridas através de diversas caches do grupo Underground espalhadas pela cidade.

As atividades e colecionáveis continuam a ser uma parte importante do jogo. Se antes tínhamos de andar à procura das várias mochilas que Peter deixou espalhadas pela cidade, aqui temos Time Capsules com coisas que são ou foram em algum momento importantes para Miles. Adicionalmente, temos também alguns pontos em que podemos aceder a missões de treino virtuais que Peter deixou para nós e até esconderijos do grupo hostil Underground que, obviamente, teremos de limpar. Em comparação com o jogo anterior, estas atividades são bastante menos numerosas, o que acaba por ser positivo. É muito mais fácil dedicarmos-nos a limpar os esconderijos, por exemplo, ao sabermos que são só uma mão cheia ao invés de uma dezena.

As habilidades de Miles prestam-se também a uma jogabilidade que parece recorrer mais a puzzles do que apenas ao combate. Apesar de trazerem uma bem-vinda quebra ao ritmo, são puzzles pouco complexos e cuja vertente poderia ser mais explorada em jogos futuros. Alguns dos momentos do jogo, até na recolha dos caches espalhados pela cidade, começa a assemelhar-se um pouco aos jogos da série Batman: Arkham, com menos complexidade e dificuldade excessiva que caracterizava alguns dos puzzles desta série, mas sem nunca perder a sua identidade. Será interessante ver se este elemento será mais explorado pela Insomniac em jogos futuros.

A atenção ao detalhe mantém-se neste jogo e continua a ser um absoluto mimo viajar por Nova Iorque, de teia em teia. Sim, temos acesso a fast travel, através das linhas de metro, mas sinceramente prefiro muito mais desfrutar das ruas cheias de neve e de decorações natalícias. Podem até fingir que estão no Sozinho em Casa 2 e dar um saltinho a alguns locais conhecidos. Miles é inexperiente e isso nota-se nos seus movimentos toscos e atrapalhados. No entanto, isto felizmente não atrapalha a fluidez do movimento, sendo mais um detalhe que adiciona personalidade ao jogo, com a perícia de Miles a melhorar consideravelmente à medida que vamos aumentando de nível. As ruas estão decoradas de forma propícia à época natalícia em que o jogo decorre e basta pararmos por um momento num qualquer candeeiro de rua e podemos observar a vida que nos rodeia, com carros a apitar, condutores irados a mandar bitaites, pessoas a entrar e sair do metro, a neve que cobre as ruas e os ratos que as percorrem… Nova Iorque continua viva neste jogo e este é um daqueles detalhes que nos faz apreciar open worlds.

É muito mais fácil dar cabo do pessoal quando não nos conseguem ver.

Graficamente, estamos aqui no topo da capacidade da PlayStation 4. Os gráficos são deslumbrantes e posso dizer que nunca tive momentos em que notasse quebras de framerate ou qualquer soluço. No entanto, encontrei alguns bugs que me obrigaram a reiniciar checkpoints, como Miles ficar completamente preso numa parede invisível numa sequência em que apenas tinha de andar e falar com personagens ou ter um inimigo preso dentro de uma coluna de um edifício, tornando impossível terminar a sequência porque não o conseguia derrotar. Não tendo encontrado bugs deste género no título anterior, espero que tenham sido apenas coisas pontuais e que não sejam prejudiciais para a experiência global dos jogadores.

Quanto ao design do som, como já referi, existe uma grande atenção ao detalhe, principalmente no que toca ao criar uma cidade que vive e respira. A juntar-se à festa continuamos a ter os podcasts de J. Jonah Jameson, bem como uma novidade, os podcasts de Danika Hart – alguém que está bem mais do nosso lado do que o velho J.J.J. Adicionalmente, no panorama musical, a Insomniac optou por uma banda sonora mais a puxar ao hip-hop, considerando a ligação forte que Miles tem a Harlem. Tudo junto contribui para uma identidade bem definida, temos aqui um jogo de Spider-Man, é certo, mas é bem notório que a personagem é outra, mantendo todo o apelo do original.

É fácil categorizar Spider-Man: Miles Morales como um jogo do tipo “mais do mesmo”, mas é difícil fazê-lo de forma negativa quando o resultado final é tão bom. A Insomniac optou por cortar um pouco na “palha”, e ainda bem que o fez, criando aqui uma experiência mais focada, mas mantendo tudo aquilo que tornava o jogo original tão bom. A base está lá, mas existe uma sensação de progressão, de melhoria ainda que pequena, que me deixa entusiasmada face ao futuro desta série de jogos. Spider-Man: Miles Morales é uma experiência coesa e sólida, a melhor prenda de despedida que poderíamos ter da atual geração e espero que esta expansão seja o pontapé de saída para mais jogos com esta personagem. Peter Parker será sempre o Spider-Man do meu coração, mas Miles rapidamente conseguiu ganhar um cantinho do qual tão depressa não vai sair.

Opinião Final:

Spider-Man: Miles Morales é um jogo que não só faz tudo aquilo que o original fazia bem, mas consegue ainda melhorar algumas coisas no que toca à jogabilidade, oferecendo mais variedade. Com uma personalidade bem vincada e que se consegue destacar do molde do original, este é um jogo que devem obrigatoriamente jogar, quer seja na PlayStation 4 ou na futura 5 e que esperamos que seja o primeiro de muitos títulos nesta série.

Do que gostamos:

  • Miles é uma personagem principal fantástica;
  • A caracterização de Nova Iorque está melhor realizada que nunca;
  • Missões secundárias acessíveis através da app in-game dão uma maior sensação de inclusão no jogo e de comunidade;
  • Poderes de Miles dão uma nova dimensão ao combate e furtividade, bem como a puzzles.

Do que não gostamos:

  • Alguns bugs que obrigaram a reiniciar checkpoints.

Nota: 9.5/10