Nioh, um RPG de ação desenvolvido pela Team Ninja foi lançado no início deste mês, em exclusivo para a PlayStation 4, e tem como protagonista William Adams, um samurai ocidental que, por razões que são descobertas no decorrer do jogo, vai parar ao Japão e tem de enfrentar os mais diversos desafios. Mas até que ponto Nioh é apenas um jogo de fantasia?
A resposta é simples, não é de todo um jogo de fantasia, já que muito do que é visto no jogo é, de certa maneira, uma adaptação de acontecimentos reais, até pelo facto do próprio William Adams ter realmente existido.
William Adams foi um navegador britânico que nasceu no dia 24 de setembro de 1564, na cidade de Gillinham, e tornou-se o primeiro britânico a pisar o solo japonês, tal como o primeiro homem ocidental a tornar-se num samurai.
Mas vamos recuar um pouco mais para entender melhor toda a sua jornada. Aos 12 anos, William perdeu o seu pai e acabou por tornar-se aprendiz num estaleiro naval que pertencia a Nicholas Diggins. Durante os 12 anos seguintes da sua vida dedicou-se a aprender tudo o que podia relacionado com construção naval, astronomia e navegação. Eventualmente, com toda a experiência prática adquirida, acabou por servir na Marinha Real Britânica, sob ordens de outra figura histórica bem conhecida dos jogadores, Sir Francis Drake.
Nesse período lutou contra a Armada Invencível (constituída por embarcações portuguesas e espanholas, na altura governadas pelo mesmo rei) em 1588, como capitão do Richarde Dyffylde, um navio de suprimentos. Posteriormente, acabou por se tornar capitão na empresa Barbary, onde, segundo fontes históricas, liderou a expedição ao Ártico que durou aproximadamente dois anos e que tinha como objetivo a criação da Rota Marítima do Norte.
Em 1598, Adams, com 34 anos, foi contratado por uma empresa holandesa para integrar uma frota de cinco navios que tinha como objetivo principal navegar pela costa oeste da América do Sul para vender o seu carregamento e conseguir prata. Caso esta missão não tivesse resultado, iriam em direcção ao Japão, com o objetivo de estabelecer uma rota comercial e boas relações com o Oriente, já que na época os portugueses e espanhóis já realizavam trocas com os japoneses e a Holanda queria quebrar essa hegemonia.
Esta, no entanto, não foi uma viagem fácil, já que precisaram de realizar um ataque à ilha Ano-Bom na Guiné Equatorial para conseguir suprimentos e assim seguir rumo ao Japão. Ao chegarem ao Estreito de Magalhães, a frota acabou por se afastar do seu objetivo graças às condições meteorológicas adversas, o que ocasionou vários desastres, que levaram a que um dos navios ficasse à deriva e fosse atacado por espanhóis; outro fosse atacado por nativos onde decidiu ancorar e ainda um terceiro a ser aniquilado alguns anos depois por um navio português.
Como se o destino conduzisse William Adams até ao Japão, em abril de 1600, depois de dezanove meses no mar, chegou finalmente a terras orientais e, dos cinco navios que iniciaram a viagem, apenas o Liefde conseguiu chegar e mesmo este em péssimas condições. Além disso, dos 110 tripulantes, apenas 21 deles sobreviveram à viagem e a maioria com graves problemas de saúde, até que por fim atracaram na ilha de Kyushu. Neste local, foram rapidamente recebidos por missionários portugueses que os acusaram de serem piratas e todos foram levados para o Castelo de Osaka, sob ordens do lorde feudal Tokugawa Ieyasu, que posteriormente iria torna-se fundador do Xogunato Tokugawa.
Durante o tempo em que foi mantido prisioneiro, Adams prendeu o interesse de Tokugawa Ieyasu, graças ao seu conhecimento de construção de embarcações e da arte da navegação, o que levou o navegador britânico a ajudar na construção dos primeiros navios japoneses com estilo ocidental. Graças às suas contribuições para os japoneses, assumiu o cargo de conselheiro diplomático, responsável por todos os assuntos referentes ao Ocidente, ganhando com isso muitos privilégios junto do Xogun, como terras e pessoas para o servir. Eventualmente, Adams tornou-se interprete oficial de Tokugawa Ieyasu.
Apesar de todas estas regalias, muitos podem questionar-se se o capitão não tinha vontade de voltar para a Inglaterra, onde tinha deixado mulher e filhos, e é aí que as coisas se tornam mais complicadas: pois mesmo que esse desejo fosse uma realidade, Ieyasu proibiu Adams de sair do Japão, sendo decretado pelo xogum que William Adams tinha morrido e que Miura Anjin, o samurai, tinha nascido, sendo assim forçado a servir ao Xogunato mesmo contra a sua vontade. Para se ter uma melhor ideia de como isto funcionou, recomendamos o filme Silêncio, em que frades jesuítas portugueses têm fins idênticos.
William Adams foi uma figura histórica de grande importância para o mundo, já que estreitou as relações entre o Ocidente e o Japão, em especial com a Holanda e Inglaterra, num período de grandes conflitos civis (podem ler um breve resumo na própria analise do jogo). Inclusive teve grande influência na implementação do “Red Seal”, permissão especial dada a navios mercantes japoneses armados para realizar comércio, tendo sido capitão de quatro expedições pelo Sudoeste Asiático.
Apesar de um início difícil, já que estava naquele país contra a sua vontade e a serviço de um país ao qual nunca tinha jurado fidelidade, Adams pouco a pouco foi se apaixonando pelo estilo de vida japonês, e começou a adoptar muitos dos rituais do local e até mesmo vários traços culturais. Assim, começou também a ganhar o respeito dos habitantes do país, e, surpreendentemente, começou a sofrer duras críticas de navegadores e comerciantes ocidentais. Alguns anos depois, casou-se com uma japonesa (muitos acreditam que, devido ao estatuto social baixo da sua esposa, o casamento foi realmente por amor) e estabeleceu uma nova família, com dois filhos, até 16 de maio de 1620, data em que, com 55 anos, morreu em Hirado, Kyushu.
William Adams foi tão reconhecido e respeitado pelo xogum, Tokugawa Ieyasu, que o padre português Valentim Carvalho escreveu numa das suas cartas que após aprender o idioma, Adams tinha acesso directo a Ieyasu, tendo inclusive o privilégio de entrar no palácio a qualquer momento e ser altamente respeitado por todos. Valentim também o descreveu como um grande engenheiro e matemático.
Adams com o tempo aprendeu realmente a respeitar o Japão e o seu povo, tendo escrito em 1612 uma carta onde afirmava que o povo japonês era bom por natureza, sendo extremamente cortês e corajoso quando entrava num guerra. A justiça era aplicada com imparcialidade e com grande brutalidade para com aqueles que se atreviam a burlar as leis. Eram governados com grande civismo, não existindo um país melhor governado por uma administração local. O povo possuía uma grande religião e respeitavam mesmo opiniões e crenças opostas às deles.
A relação de Adams com os jesuítas portugueses foi sempre muito delicada, já que ele era protestante e foi considerado um grande rival pelos portugueses que defendiam os dogmas da religião católica no Japão. Após conseguir grande relevância no Japão, os portugueses tentaram primeiro convertê-lo para a religião católica (sem sucesso) e depois, quase que por desespero, foram contra as ordens de Ieyasu e ofereceram-lhe um navio português, que o levaria em segredo para fora do Japão.
Infelizmente para os portugueses, Ieyasu, por causa de William Adams, descobriu, e, devido aos grandes problemas sociais que já causavam com a sua jornada de conversão, estes acabaram por ser expulsos do Japão em 1614 e todos os japoneses que se tinham convertido foram forçados a abandonar a sua nova religião.
Até aos dias atuais, William Adams é reconhecido como um dos ocidentais com maior influência no Japão, recebendo várias homenagens no Japão, como a atribuição do nome Anjin-chō a uma vila da Era Edo (que atualmente faz parte de Tóquio), assim como uma vila e estação de comboios também renomeadas para Anjinzuka em seu tributo. A cidade de Itō, em Shizuoka, comemora o Festival de Miura Anjin anualmente no dia 10 de agosto. Em Gillingham, cidade natal de Adams, na Inglaterra, foi construído um monumento em sua memória.
Para além de Nioh, toda a saga de William Adams tem sido adaptada para outros meios, sendo o mais conhecido deles o romance de James Clavell, intitulado Shogun, onde o protagonista, chamado John Blackthorne, foi inspirado em Adams.