
A trajetória dos simuladores de automóveis nas consolas domésticas tem sido historicamente marcada por uma necessidade constante de equilibrar a ambição da física realista com as limitações inerentes ao hardware de sala de estar, mas o lançamento de Project Motor Racing vem desafiar essa convenção de uma forma que poucos esperavam ser possível na atual geração. Quando Ian Bell anunciou a fundação da Straight4 Studios e a sua intenção de criar um sucessor espiritual para os lendários títulos de simulação do passado, a comunidade reagiu com um misto de esperança e ceticismo que apenas se intensificou com a revelação da parceria tecnológica com a GIANTS Software. Agora que temos o produto final a rodar na PlayStation 5 neste final de 2025, torna-se evidente que Project Motor Racing não é apenas mais um jogo de corridas no mercado, mas sim uma obra de engenharia fascinante que consegue capturar a violência mecânica e a imprevisibilidade do desporto motorizado com uma fidelidade que faz com que os seus concorrentes diretos pareçam por vezes demasiado clínicos e higienizados em comparação.
A primeira grande interrogação que pairava sobre este título prendia-se com a utilização de um motor gráfico originalmente concebido para a agricultura virtual, mas ver este motor modificado a renderizar o caos de uma partida em Spa-Francorchamps debaixo de chuva torrencial é uma experiência reveladora que dissipa quaisquer dúvidas sobre a sua competência técnica. A otimização para a consola da Sony é surpreendentemente robusta e prioriza a estabilidade da taxa de fotogramas no modo de desempenho, garantindo os sessenta quadros por segundo que são vitais para a precisão da condução e para a sensação de velocidade vertiginosa que o jogo transmite. A iluminação global é um dos pontos mais fortes da apresentação visual, criando cenários onde o sol poente incide sobre o asfalto molhado com um realismo ofuscante que obriga o jogador a ajustar a sua condução devido à visibilidade reduzida, transformando a luz num elemento ativo da jogabilidade e não apenas num embelezamento estético.

O sistema meteorológico dinâmico é sem dúvida a jóia da coroa desta experiência e humilha grande parte da concorrência ao transformar a chuva numa entidade física que altera organicamente a aderência da pista volta após volta. As poças de água acumulam-se de forma natural nas depressões do asfalto e nas zonas de travagem, obrigando o piloto a procurar trajetórias alternativas para evitar a aquaplanagem, enquanto o sistema de secagem dinâmica cria um trilho visível e tátil à medida que os carros dispersam a água. Esta evolução constante das condições da pista exige uma leitura estratégica da corrida que vai muito além da simples memorização dos pontos de travagem, pois o que funcionava na terceira volta pode ser desastroso na décima volta se a temperatura do asfalto tiver descido ou se a humidade tiver aumentado.
A tradução destas forças físicas complexas para o comando DualSense é um dos maiores triunfos da Straight4, pois conseguiram utilizar a tecnologia háptica da Sony para comunicar a textura granular do asfalto de uma forma que poucos estúdios conseguiram até hoje. O jogador consegue sentir através das vibrações subtis nas pontas dos dedos quando os pneus traseiros estão a começar a perder a aderência ou quando a suspensão está a ser comprimida ao passar por cima de um corretor agressivo, criando uma linguagem tátil que permite conduzir no limite sem a necessidade absoluta de um volante. Os gatilhos adaptativos desempenham também um papel fundamental ao oferecerem resistência variável nos pedais, simulando o endurecimento do travão quando as rodas estão prestes a bloquear ou a leveza do acelerador quando se perde tração, fornecendo informações críticas que tornam a condução com comando genuinamente competitiva e satisfatória.

No que toca à física de condução propriamente dita, Project Motor Racing adota uma postura impiedosa e gratificante que se afasta decididamente das tendências mais acessíveis que marcaram os últimos projetos de Ian Bell. O comportamento dos carros de competição puros, como os protótipos de resistência ou os GT3 modernos, é sublime e transmite uma sensação de peso e inércia credível que recompensa a condução suave e pune severamente os movimentos bruscos ou as entradas em curva demasiado otimistas. No entanto, é justo apontar que persiste uma certa inconsistência no comportamento de alguns veículos de estrada, que por vezes apresentam uma suspensão excessivamente flutuante e uma tendência para deslizar de forma pouco natural nas transferências de massa, como se os pneus não conseguissem lidar corretamente com as forças laterais em carros com centros de gravidade mais altos.
A estrutura da carreira a solo aposta na clássica jornada de ascensão desde as categorias de base até ao topo do desporto motorizado, oferecendo uma progressão lógica e satisfatória que nos leva dos karts nervosos até aos monstros de alta tecnologia das classes de topo. Onde o jogo se destaca é na importância que dá à gestão completa do fim de semana de corrida, encorajando o jogador a participar nas sessões de treinos livres para afinar a configuração do carro e adaptar a pressão dos pneus às condições atmosféricas específicas daquele dia. Esta profundidade de simulação esbarra, contudo, numa interface de utilizador que trai as origens de desenvolvimento no PC, apresentando menus densos e navegação por abas que se revelam trabalhosas e pouco intuitivas quando controladas através de um comando de consola, exigindo demasiados movimentos para realizar ajustes simples na estratégia de corrida.

A inteligência artificial dos adversários virtuais é agressiva e competente na defesa da sua posição, proporcionando batalhas intensas que raramente parecem predeterminadas ou artificiais. Os pilotos controlados pelo computador não têm medo de tentar ultrapassagens no interior da curva ou de fechar a porta quando se sentem ameaçados, o que contribui para a imersão de estar numa corrida real e imprevisível. Infelizmente, esta agressividade vem por vezes acompanhada de uma falta de consciência espacial frustrante em corridas mais longas, onde a inteligência artificial parece ignorar a presença do jogador em momentos cruciais, resultando em toques evitáveis que nos podem atirar para fora de pista. A ausência de uma funcionalidade acessível para recuar no tempo e corrigir erros instantâneos reforça a natureza de simulação do título, mas torna estes acidentes causados pelo computador particularmente frustrantes em provas de longa duração.
O design de som merece um destaque muito particular na versão PlayStation 5, pois a utilização do motor de áudio 3D cria uma paisagem sonora visceral e violenta que é parte integrante da experiência de condução. O som dos motores não é higienizado nem excessivamente processado, apresentando uma crueza mecânica onde se ouve o chiar da transmissão, o bater das pedras no fundo plano do chassis e o uivar do vento a alta velocidade. A espacialização do som é precisa e permite ao jogador identificar a posição de um carro adversário que se aproxima pelo ângulo morto apenas pelo ruído do motor, aumentando a imersão e a consciência situacional sem a necessidade de olhar constantemente para o radar ou para os espelhos retrovisores.

Uma vantagem exclusiva e transformadora desta versão é o suporte completo para o PlayStation VR2, que se afirma como a forma definitiva de experienciar o jogo para quem possui o equipamento. A combinação da resolução elevada dos painéis OLED com a renderização focada no movimento dos olhos permite uma clareza visual impressionante e uma performance estável que coloca o jogador literalmente dentro do habitáculo. A sensação de escala e velocidade ao abordar curvas famosas como a Eau Rouge em Spa ou o Saca-Rolhas em Laguna Seca é vertiginosa em realidade virtual, e a possibilidade de olhar fisicamente para os espelhos ou para o ápice da curva confere uma vantagem natural na condução que nenhum ecrã plano consegue replicar.
O modo multijogador beneficia da estabilidade da infraestrutura da PlayStation Network e apresenta um sistema de classificação de segurança e habilidade que tenta agrupar os jogadores de forma justa para garantir corridas limpas. Embora o sistema de penalizações automático ainda sofra de alguma sensibilidade excessiva ao punir toques menores ou vítimas de acidentes em cadeia, a experiência online é geralmente robusta e oferece uma longevidade quase infinita através de eventos diários e campeonatos organizados pela comunidade. A integração de ferramentas para partilha de configurações de carros e pinturas personalizadas ajuda a criar um sentido de comunidade que é vital para manter o jogo vivo a longo prazo.
Opinião Final:
Project Motor Racing afirma-se como uma peça essencial na biblioteca da PlayStation 5 para qualquer entusiasta de automóveis, preenchendo o espaço deixado pela ausência de simuladores verdadeiramente viscerais na consola. A excelência da implementação do comando DualSense e o suporte de referência para a realidade virtual elevam o jogo acima das suas falhas de interface e inconsistências de inteligência artificial, oferecendo uma condução que é tátil, comunicativa e profundamente satisfatória. Se procura uma experiência que privilegie a sensação física da borracha no asfalto e a imprevisibilidade do clima sobre a coleção de carros ou a apresentação luxuosa, este é o jogo que o fará sentir-se um verdadeiro piloto de competição.
Do que gostamos:
- A implementação soberba das funcionalidades do comando DualSense, que transmite a textura da pista e a aderência dos pneus de forma detalhada;
- O sistema meteorológico dinâmico e a evolução da pista em tempo real, que obrigam a uma adaptação estratégica constante durante a corrida;
- A qualidade do áudio 3D, que captura a violência mecânica e a crueza dos carros de competição com um realismo impressionante;
- A física de condução exigente e recompensadora nos carros de competição, que transmite uma sensação de peso e inércia credível.
Do que não gostamos:
- A interface de utilizador nos menus é densa e pouco intuitiva para navegação com comando;
- A inteligência artificial dos adversários por vezes carece de consciência situacional, provocando acidentes frustrantes em corridas longas;
- O sistema de penalizações nas corridas online ainda necessita de refinamento para distinguir corretamente a culpa nos acidentes;
- Ocorrem quedas pontuais na fluidez da imagem em situações extremas de chuva intensa.
Nota: 7/10
Análise efetuada com um código PlayStation 5 cedido gentilmente pela distribuidora.