Remnant: From the Ashes – Análise

Quem já acompanha o site e grande parte das minhas análises há algum tempo, já percebeu que sou extremamente fã de jogos souls-like. Contudo, isso não significa que qualquer jogo que vá de encontro a esse estilo me agrade, muito pelo contrário, sou bastante reticente a mudanças, preferindo um estilo de jogo mais medieval, feudal, com espada, escudo e no máximo algum elemento mágico para aqueles que gostam de jogar com classes mágicas ou clérigos.

Sendo assim, quando surge um jogo que tem como conceito combinar elementos de RPG souls-like com combates a utilizar armas de fogo, numa realidade alternativa moderna, o medo de que irá sair um desastre é muito real – principalmente quando esse conceito não é exatamente original. Já existe um jogo que tenta explorar esses elementos e a simples menção do nome já resume tudo aquilo que os jogadores apaixonados por esse estilo devem evitar. Falo de Immortal: Unchained.

E foi um pouco com este preconceito e receio evidentes que surgiu a oportunidade de analisar Remnant: From the Ashes, jogo desenvolvido pela Gunfire Games e distribuído pela empresa chinesa Perfect World Entertainment, equipa que, até ser adquirida pela THQ Nordic em 2019, tinha como o seu jogo mais conhecido Darksiders III. Para além de não estar nas mãos de um grande estúdio (pelo menos a nível de reconhecimento de mercado), o jogo teve um marketing muito modesto, sendo mais divulgado poucos meses antes do seu lançamento, o que ampliou ainda mais a ideia de ser uma versão com armas de fogo de Dark Souls, e isso não seria nada bom.

A história do jogo tem início na década de 60, quando cientistas descobrem um objeto estranho, semelhante a um grande cristal encarnado, que, ao ser ativado, permitiu à humanidade criar um portal para outros mundos. Este portal, no entanto, trouxe consigo uma criatura extremamente poderosa e hostil conhecida como a “Raiz”. A humanidade então iniciou uma guerra que pouco a pouco foi sendo perdida, tendo-se praticamente extinguido no processo, e com os poucos sobreviventes a refugiarem-se em abrigos.

Algumas décadas depois, eis que surge um herói criado pelo jogador que possui um passado nebuloso e um único objetivo: exterminar a “Raiz”, este ser capaz de corromper tudo o que toca e que logo descobrimos que não é apenas uma ameaça à vida na Terra, mas aos vários mundos que conseguiu alcançar, o que transforma o jogo numa luta pela sobrevivência a um nível colossal.

Este universo criado pelo Gunfire parece esconder alguns mistérios, já que a Terra aparentemente seria um local que a “Raiz” seria incapaz de invadir. A menos que… É nesse ambiente de mistério que o estúdio prende o jogador, com informações a serem reveladas com o decorrer da campanha, o que indiretamente ajuda a manter a narrativa sempre viva. Não estamos diante de uma história complexa, e muito menos de um jogo que deva ser adquirido pela mesma. A narrativa é simples e muitas vezes será esquecida em favor da diversão. Contudo, graças aos NPCs e outros elementos narrativos recorrentes, a história nunca será realmente posta em segundo plano.

Remnant: From the Ashes trata-se basicamente de um shooter em terceira pessoa com elementos de RPG, com: itens de cura semelhantes aos da franquia Souls (incluindo o equivalente aos Estus Flask); habilidades especiais; uma grande diversidade de armas; criação de itens com materiais obtidos de bosses (que vamos encontrando durante a exploração e evolução da nossa personagem); e uma boa diversidade de inimigos à espera de serem derrotados. Mas, esses elementos são apenas uma inspiração para que o jogo a partir daí crie a sua própria identidade.

Após alguns acontecimentos, o jogador deverá escolher entre três classes: Caçador (uma classe mais voltada para combates a longa distância); Ex-Cultista (classe voltada para combates a meia distância); e Sobrevivente (classe focada em combates a curta distância). Ao escolher uma classe, o jogador não estará limitado a esse sistema de combate, sendo possível logo no início recolher sucatas (a moeda do jogo) e comprar pelo menos uma arma de outra classe, sendo que cada uma terá uma arma principal, uma arma secundária e uma arma corpo-a-corpo.

A verdadeira diferença entre estas classes reside nas “características”. Remnant: From the Ashes deixa de lado as clássicas evoluções de personagem com base em atributos como Força, Stamina ou Destreza. Em vez disso, temos as “características” que basicamente são habilidades passivas que oferecem diferentes tipos de benefícios, e que são evoluídas com “Pontos de Características” – o equivalente à experiência em outros jogos de RPG.

Cada classe terá duas características em comum e uma característica única; e é justamente aqui que os jogadores devem estar atentos ao escolher entre estas três. Com exceção deste momento, estas características só poderão ser adquiridas por outra classe através de um evento aleatório que irá gerar uma dungeon. Assim sendo, o jogador não terá controlo se obterá essas características únicas em apenas uma campanha, o que aumenta o fator replay do jogo.

No caso do Caçador, será uma característica que reduzirá a perceção dos inimigos, no caso do Sobrevivente será uma característica que aumenta o dano corpo a corpo, e, no caso do Ex-Cultista, uma característica que aumenta a regeneração da barra de Mod. E não é um problema citar essas características justamente porque é no Ex-Cultista que surge um outro elemento especial desse jogo, os mods.

Cada arma no jogo terá um slot onde será possível adicionar um “mod” que consiste em habilidades ofensivas, defensivas ou de suporte únicas para cada arma, tais como adicionar efeitos de fogo aos disparos, gerar um campo de cura ou até uma distração temporária para os inimigos. Não será, no entanto, possível utilizar essas habilidades de maneira repetitiva e imediata, sendo necessário matar alguns inimigos para  as recarregar. Além disso, as armas que forem obtidas através de materiais de bosses terão mods fixos. Assim como as “características”, os mods poderão ser obtidos durante o jogo ao derrotar bosses ou até mesmo em áreas específicas do mesmo, sendo que o seu diferencial é que também pode ser comprados a NPCs.

Os cenários do jogo são bastante ricos em diversidade, com locais que lembram florestas densas, pântanos, áreas urbanas totalmente devastadas e até desertos que parecem não ter fim. A todos estes cenários foi dada uma grande atenção dos desenvolvedores a cada detalhe e vínculo com os seus inimigos.

O mundo de Remnant: From the Ashes é gerado de maneira procedural, ou seja, o mapa está em constante mudança a cada acontecimento. Um exemplo bem simples disso e que vai de encontro às diferenças em comparação com outros souls-like é de que em Remnant morrer não significa que haverá uma punição pesada para o jogador. Não se perdem sucatas ou “Pontos de Característica”, apenas se volta para o último cristal em que se descansou. Todos os inimigos, no entanto, terão dado respawn e muitos deles não estarão no mesmo lugar ou serão do mesmo tipo, e com isso o jogador terá constantes surpresas, mesmo ao morrer sucessivas vezes.

Algo que vale a pena mencionar é que apenas os inimigos voltam a surgir naquele local: todos os itens e munições que já foram apanhados não voltam a aparecer. Posso neste ponto desde já garantir que em Remnant muitas vezes a diferença entre sobreviver e morrer estará justamente na quantidade de munições que terão à vossa disposição, uma vez que não há drop de munição em abundância e os jogadores não vão encontrar caixas de munição com frequência também.

Mas este mundo procedural consegue ser ainda mais rico, já que com exceção de personagens e bosses com ligação à história, nada deve ser tomado como garantido. Tal foi mesmo possível experienciar na prática, já que ao ajudar um jogador aleatório através do cooperativo, decidi liderar a jornada por todo o caminho até ao boss, pois estava familiarizado com aquele cenário. Contudo, ao atravessar a parede de névoa já a espera de um inimigo bem conhecido, sou surpreendido com um inimigo que até então não tinha visto na minha gameplay.

Isso contribui bastante para o fator replay, já que é praticamente impossível dizer que teve uma experiência completa em Remnant ao concluir o jogo apenas uma vez. Diversos itens terão sido perdidos, nem todos os bosses e inimigos terão sido derrotados, e, igualmente importante, o jogador não terá visto todas as opções de diálogos. Este título apresenta diferentes consequências dependendo das escolhas que fizer durante o dialogo com alguns NPCs, sendo possível, inclusive, que NPCs inicialmente neutros se tornem hostis após uma abordagem mais agressiva.

O cooperativo é outro elemento importante a ser citado. É perfeitamente possível jogar Remnant de início ao fim em modo single-player. A dificuldade do jogo e até alguns inimigos, contudo, deixam claro que o modo cooperativo fará diferença na experiência dos jogadores. Apesar de, como citado, não oferecer uma punição pesada ao jogador por morrer, tal irá acontecer com alguma frequência se jogar sozinho, principalmente para inimigos que surgem pelas costas. Além disso, os bosses têm uma peculiar habilidade de invocar inimigos durante os combates, pelo que o jogador que optar por uma abordagem single-player terá constantemente de dividir a sua atenção entre o boss propriamente dito e os seus minions.

O jogo tem um modo cooperativo para até quatro jogadores, sendo possível escolher entre uma configuração de mundo solo, apenas para amigos, ou público, onde jogadores de qualquer parte do mundo poderão juntar-se à vossa jornada. Porém, para que os jogadores possam interagir com o mundo do outro, é necessário que todos descansem num ponto de controlo (um dos cristais do jogo) mais próximo. Além disso, todos os recursos obtidos são igualmente repartidos por todos os jogadores.

Mas se tudo isso que expliquei até aqui já o fez abrir a carteira para comprar o jogo, talvez seja melhor fechar novamente, pois nem tudo é positivo ou irá agradar a todos.

Apesar do jogo ter muita qualidade naquilo que entrega, acaba por perder um pouco o seu brilho com problemas que são raros nos jogos da atual geração. Apesar de oferecer cenários com grande beleza e diversidade visual, alguns modelos de personagens parecem da geração anterior, com uma aparência genérica, pouco detalhada e muitas vezes renderizada durante o dialogo.

Outro problema relativamente comum e principalmente visível em combates contra bosses é a animação, que por vezes parece falhar. Dão-se assim situações como o inimigo disparar um projétil, mas o mesmo simplesmente desaparecer – esta, em particular,pode dar uma sensação de segurança ao jogador e levá-lo a pensar que o seu disparo acabou por interromper a animação, contudo, o projétil do nada acerta o jogador na mesma.

A banda sonora do jogo também é um elemento negativo, já que com exceção da banda sonora instrumental de abertura, nenhuma outra música consegue destacar-se. Parece que a Gunfire quis destacar tanto os efeitos sonoros de disparo das armas, que acabou por negligenciar uma música notável para aumentar a imersão do jogador durante a história.

Outro elemento negativo relacionada com a banda sonora, é que existem problemas de sincronia nos diálogos com alguns personagens, algo que não irá comprometer a experiência, mas que não deixará de ser notado pelos jogadores.

Algo que sempre gosto de destacar e de parabenizar as empresas por isso, é quando oferecem opções de legenda em português (mesmo quando, como é o caso, apenas em PT-BR) e a Gunfire Games é um desses casos, com o jogo a receber legendas e menus, itens, habilidades, etc. em Português do Brasil. No entanto, mesmo aqui nem tudo novamente é positivo, já que as legendas receberam a merecida atenção, mas alguns elementos como itens, mods e “características”, infelizmente, parecem ter sido negligenciados na tradução.

Pessoalmente não foi nada que prejudicou a progressão ou a utilização correta desses conteúdos durante o jogo, mas poderá gerar alguma dificuldade para aqueles jogadores que não possuem tanta familiaridade com o inglês.

Opinião Final:

Estamos diante um jogo com um marketing reduzido, que tem como base um conceito que foi destruído por um outro jogo e que é percetível, até pelo vídeo acima, que possui um início de jogo muito lento, pouco atrativo e com evidentes problemas na renderização dos modelos faciais. Muitos jogadores de RPG, talvez até por “viverem” constantemente conectados ao mundo do fantástico, possuem quase um sexto sentido em relação a alguns jogos, onde esses praticamente dizem “joguem um pouco mais, tenho boas experiências reservadas para vocês”. É exatamente isso que alguns jogadores vão sentir com Remnant: From the Ashes, um jogo que, superando-se os primeiros minutos, tem muito mais a oferecer do que aparenta.

Não há como negar que Darksiders III dividiu opiniões. Alguns gostaram das mudanças feitas pela Gunfire, que tentou buscar vários elementos de géneros diferentes, enquanto outros mais saudosistas preferiam que tivessem mantido o cerne dos dois primeiros jogos. Mas, numa coisa todos os jogadores devem concordar – mesmo que não aprovem, apesar da combinação de elementos, Darksiders III tem uma identidade própria, e Remnant: From the Ashes repete essa mesma ideia. É um jogo que não vai agradar a todos, mas que no final não é uma versão com armas de fogo de Dark Souls ou uma versão melhor desenvolvida de Immortal: Unchained. É um jogo com a sua própria identidade e que merece atenção dos jogadores, pois tudo o que ele entrega tem o seu valor para o seu próprio público.

Infelizmente o jogo acaba por ver muito do seu brilho prejudicado por problemas que até jogos desenvolvidos por estúdios menos conhecidos não oferecem, algo que pessoalmente espero que seja resolvido em futuras atualizações. Estes devem ser considerados na hora de gastarem o vosso dinheiro, pois qualquer jogo deve oferecer acima de tudo diversão e imersão, e no momento que esses problemas afetarem esses dois elementos, a compra deve ser ponderada.

Do que gostamos:

  • Mundo procedural a adicionar aos combates e encontros com inimigos como um fator surpresa, além de ampliar o fator replay do jogo;
  • Sistema de progressão da personagem;
  • Uma excelente e funcional combinação de diversos géneros;
  • Boa diversidade de bosses;
  • Uma narrativa que, apesar de pouco significativa, consegue manter-se presente e interessante até ao final;
  • Flexibilidade na configuração das armas;
  • Modo co-op que não apenas adiciona uma vertente social ao jogo, mas também proporciona surpresas durante o gameplay;
  • Boa diversidade de cenários.

Do que não gostamos: 

  • Mesmo tendo-se passado algum tempo desde o seu lançamento, ainda mantém alguns problemas técnicos;
  • A dificuldade sofre de um mau balanceamento em alguns momentos;
  • Por vezes é possivel sentir que o jogo foi desenvolvido a pensar excessivamente no co-op;
  • As legendas e a tradução para PT-BR mereciam ter recebido uma maior atenção.

Nota: 9/10

Jogo analisado através de uma cópia da versão Xbox One, gentilmente cedida pela Perfect World Entertainment.