Returnal – Análise

Returnal chega à PlayStation 5 como um título algo misterioso, com todas as características aparentes de um AAA dos estúdios PlayStation, mas entregue por um estúdio popularizado por jogos como Super Stardust e Outland.

Não quero com isto desvalorizar a Housemarque, que entregou consistentemente títulos altamente polidos, divertidos e desafiantes; simplesmente mostrar que este é um desafio bastante diferente para o estúdio finlandês. E um desafio que a Housemarque superou com distinção.

Falei na minha antevisão como é notável ver como boa parte do ADN da Housemarque se manteve neste jogo tão diferente, num mundo visto na terceira pessoa, ao invés das duas dimensões de títulos passados. Coisas como a identidade visual dos padrões de ataque dos inimigos, e mesmo a natureza mais arcade de Stardust e Resogun, chegam a Returnal de uma forma ou de outra.

No seu centro, Returnal é aquilo que a Housemarque sempre primou: um excelente shooter, com mecânicas incrementais e variadas, muitas armas, muitos inimigos, e um loop de jogabilidade realmente viciante. Mas é também muito mais do que isso, ao ter visuais deslumbrantes, trabalho sonoro fantástico e feedback háptico de referência. Tudo isto eleva Returnal e acaba por captar uma audiência que dificilmente seria atraída a um “rogue-like”.

Tratando-se de um exclusivo PlayStation 5, e que vastamente podemos considerar como o primeiro “novo” exclusivo, é natural olhar para as funcionalidades que só estão presentes na consola da Sony, nomeadamente as funcionalidades do DualSense. E Returnal mostra realmente o que o comando da PlayStation 5 é capaz, duma forma natural, dinâmica e intuitiva, que só é equiparável a Astro’s Playroom. Em Returnal todas as mudanças de textura, todos os tiros, todas as ações (como por exemplo saber quando o nosso fogo alternativo está pronto) são comunicadas com o feedback háptico, duma forma suave mas efetiva, sem abusos e com muita profundidade. Os gatilhos adaptativos também são muito bem utilizados, com feedback diferente para cada arma, e uso inteligente do gatilho esquerdo, que podemos usar como mira, mas com mais pressão (e há um click no meio) ativamos o fogo alternativo da nossa arma. “Pela ciência” joguei um pouco de Returnal com Remote Play numa PlayStation 4 (e com o DualShock 4), e a experiência de jogo é completamente diferente.

Uma das funcionalidades da PlayStation 5 que ainda não mostrou toda a sua aclamação por parte da Sony e dos estúdios de produção é o motor de áudio 3D. Ainda que com o áudio estejamos sempre dependentes do dispositivo em que estamos a ouvir, e seja difícil uma comparação direta, o que posso afirmar é que, se há um jogo que me possa convencer, é Returnal. Toda a atmosfera alienígena e de inquietação é transmitida com um trabalho sonoro fantástico. Jogar Returnal com headphones é uma experiência verdadeiramente imersiva e detalhada, capaz de encher as medidas aos mais aficionados do som, e não podíamos deixar de o referir.

Com isto fora do caminho, vamos ao “sumo” de Returnal: a jogabilidade e a narrativa. Como já disse, Returnal tem muitos elementos dos chamados “rogue-like”, inspirados no original Rogue, de 1980. No meio das várias características, Returnal vai buscar 2 das mais populares neste tipo de jogo: morte permanente e exploração com níveis gerados proceduralmente. Com estas duas mecânicas, Returnal constrói uma narrativa que as explica satisfatoriamente, e apresenta-nos um mundo rico, com 6 biomas distintos, que exploramos na terceira pessoa, controlando a nossa protagonista Selene, que acaba de se despenhar num planeta alienígena, com vestígios de uma civilização ancestral.

Ao explorar o planeta Atropos, vamos desbloqueando áreas de cada nível, com secções típicas de um jogo de plataformas, ruínas, armadilhas, e muitos e variados inimigos. Cada bioma tem um estilo e características únicas, bem como inimigos, e acaba sempre com um desafiante boss. Para lá chegar, é preciso encontrar armas e outros materiais, para garantir que temos o que é preciso para superar os desafios. As armas são variadas, mas começamos sempre com a nossa fiel pistola. Com cada inimigo derrotado, e com alguns itens, vamos aumentando a nossa “proficiência” de armas, o que na prática significa que as armas que encontrarmos a seguir serão melhores. Para além da variedade de armas, cada uma tem característica e perks diferentes, oferecendo experiências por vezes muito diferentes com a mesma arma.

Para além das armas, há itens consumíveis, bem como “armamento”, na forma de parasitas e artefactos, que oferecem mecânicas interessantes para variar ainda mais a jogabilidade. Enquanto que os artefactos proporcionam vários ganhos permanentes, os parasitas têm uma relação simbiótica com Selene, oferecendo um buff, em troca de um debuff. Isto pode ser algo como receber dano por cada consumível usado, em troca de um multiplicador de ataque, e temos sempre que pesar se vale a pena ficar com o parasita (é possível ver os efeitos antes de o colocar no corpo).

Para encontrar os itens, e muitas vezes o desespero por um curativo é grande, temos exploração, derrota de inimigos, e acesso a pequenos “mini-dungeons”, que podem não ter desafio, ou ter um inimigo difícil, ou uma secção de plataformas, mas nunca sabemos de antemão. Há também uma mecânica de “malevolência”, em que certos baús ou itens têm uma probabilidade de infligir uma falha no nosso fato, cobrada na forma de um debuff, que podemos libertar concluindo um objetivo. Todas estas mecânicas de risco/benefício estão muito presentes em Returnal, que nos seduz sempre a tentar, mas muitas vezes cobra as consequências.

As secções de plataformas e exploração acabam por ser uma pausa merecida, porque o resto do jogo é frenético, caótico e desafiante. Os ataques dos inimigos são em variados padrões luminosos, o que torna as batalhas reais espetáculos visuais, que contrastam bem com o mundo desolado de Atropos. Returnal não é de todo um jogo simples, como é natural nos rogue-likes, por isso não esperem menos do que um real desafio, e de morrer muitas e muitas vezes… Perdendo todo o progresso. Bem, nem todo, visto que rapidamente nos apercebemos que Selene está presa num loop temporal, voltando ao lugar do despiste da sua nave sempre que morre, retendo as memórias e alguns itens chave.

Não entrando em detalhes da narrativa, que merece ser desvendada, quero só dizer que é muito misteriosa e nos vai sendo apresentada com diferentes métodos, como logs de voz deixados por encarnações anteriores de Selene, exploração de ruínas, e momentos cinemáticos. Este fator narrativo distingue Returnal, e acaba por ser uma componente completamente nova para a Housemarque, certamente com muita ajuda dos parceiros na Sony, e que foi muito bem conseguida, conseguindo-nos deixar presos ao jogo.

Dada a forma como a narrativa se desenrola e a natureza do jogo, mesmo quando os créditos rolam continua a haver muito a explorar, e Returnal tem muitos segredos escondidos para deliciar os colecionistas e complecionistas. Pela sua aleatoriedade e desafios de jogabilidade, cada run do jogo pode ser um desafio diferente, e há sempre razões para voltar e explorar mais deste mundo. De forma a promover ainda mais a longevidade, a Housemarque incluiu algumas funcionalidades online, na forma de desafios diários e de “ecos”. Os ecos são muito semelhantes ao que podemos encontrar em jogos como Dark Souls, essencialmente mortes de outros jogadores que podemos scanear e rever, sendo depois possível vingar ou ficar com o material do jogador, ambas as opções ligadas a um pagamento ou um ganho de Ether, uma moeda de troca que permanece connosco mesmo após a morte. Por vezes não temos sequer estas opções, com os cadáveres a ganhar vida e atacar-nos imediatamente, e essa batalha pode acabar com algum item raro, ou com a nossa morte antecipada. Os desafios diários são acessíveis a partir da nave, Elios, e oferecem um mundo fixo, com buffs e debuffs, que qualquer jogador pode aceder e lutar pela melhor pontuação.

É fácil ao olhar para Returnal ver que foi dado um grande salto pela equipa da Housemarque, não só a traduzir as suas mecânicas típicas shooters 2D para um ambiente 3D, mas ao entregar um mundo rico e artisticamente impressionante, e um grande passo dado foi na introdução da narrativa, que o põe em linha com os outros títulos dos estúdios PlayStation. É impressionante como o estúdio conseguiu introduzir fortes elementos narrativos, que conseguem ser coesos com a jogabilidade e com o mundo apresentado.

Focando um pouco nos visuais, não há muito mais a dizer do que ver para crer, e os trailers e capturas pintam a imagem do que é Returnal: artisticamente fantástico, com muitas “vibes” do clássico Alien, e com aspeto realmente next-gen, sem carregamentos. O mundo tem profundidade, verticalidade, e todos os modelos são muito bem trabalhados, mas onde realmente a Housemarque brilha é nos efeitos de partículas e luz durante as batalhas. Returnal não oferece modos visuais, e é apresentado em 4k dinâmico, a 60 fps. Na minha experiência de jogo, e sublinhando que joguei antes de estar disponível a atualização “day one” com já prometidas melhorias, em gameplay Returnal não vacila no seu framerate. Ainda assim, há certas instâncias em que isto acontece, por exemplo nos segundos após sair dos menus, e nas secções cinemáticas na primeira pessoa (não olhem para o espelho). Nada que impacte negativamente a jogabilidade, mas está lá.

Em suma, a minha opinião de Returnal é largamente positiva, e recomendo o jogo, mas há fatores a ter em conta. Returnal é desafiante, mas raramente injusto em batalha; no entanto é difícil perceber a omissão de possibilidade de guardar o nosso atual progresso, fora usando o modo de repouso da consola. Se houver um update ou quisermos jogar outro jogo, temos que obrigatoriamente começar outra vida em Returnal, perdendo todo o progresso, embora não tenhamos morrido. Isso não seria um grande problema ou pouco comum para um rogue-like, mas Returnal tende a ter sessões muito compridas, seja à procura dos teleportes para outros biomas ou a melhorar o nosso arsenal antes de defrontar o próximo boss. O lançamento e o tempo ditarão o sucesso do jogo, que poderá ter alguma influência por ser lançado com o preço “next-gen”, mas no que toca a qualidade, não tenho dúvidas que é um sucesso.


Opinião Final:

Returnal é um exclusivo que “dispara” em todas as direções: excelente jogabilidade; uma história nova, diferente e misteriosa; apresentação visual e sonora de topo, a 60 fps; e ainda o melhor feedback háptico e uso dos gatilhos adaptativos até à data. É um jogo desafiante, mas recompensante e que nos dá sempre algo novo a cada vida de Selene. Obrigatório para quem tem uma PlayStation 5.

Do que gostamos:

  • Apresentação visual e sonora fantásticas, a 60 fps;
  • História nova e diferente, contada faseadamente com um misto de jogabilidade e algumas cutscenes fantásticas;
  • Jogabilidade desafiante e robusta, com excelente feedback.

Do que não gostamos:

  • Gerador de níveis consegue ser algo inconsistente, o que pode ser frustrante quando queremos saltar para outro bioma;
  • Não ter opção de gravar o progresso para além do modo de descanso da consola;
  • Algumas quebras de framerate em situações específicas.

Nota: 9/10


Returnal chega em exclusivo à PlayStation 5 no dia 30 de Abril de 2021, por 79.99€.

 

Esta análise foi feita na PS5, com código gentilmente cedido pela PlayStation Portugal.