RoboCop: Rogue City – Análise

Não consigo começar este texto de outra forma sem ser a dizer que RoboCop: Rogue City é o jogo de 2023 que eu não sabia que precisava, até lhe por as mãos em cima. A minha última experiência com jogos de RoboCop já foi no tempo da outra senhora, com RoboCop Versus The Terminator para a Master System. Apesar de fazer parte da minha infância, não posso dizer que RoboCop tenha um lugar particular no meu coração, para além da pura nostalgia. Por isso, a minha expectativa para este título estava mais do que baixa. Não esperava divertir-me tanto com este título, que tem algo que falta a muitos outros títulos de estúdios maiores – alma.

RoboCop: Rogue City decorre entre o segundo e o terceiro filme, começando logo a abrir com um ataque a um canal de notícias em direto, lançando-nos logo à ação num jogo cujo enredo poderia perfeitamente ter sido retirado de uma qualquer sequela da série. Voltam personagens familiares como Anne Lewis, Mayor Kuzak e o Sargento Reed, que juntamente com outras vos vão acompanhar ao longo do decorrer da história. No que toca ao jogo em si, que temos em mãos é um FPS em que somos um absoluto tanque, podendo fazer uso da arma Auto 9 ou então recolher armas deixadas pelos inimigos. Numa fase inicial, é difícil perceber qual será o desafio do jogo uma vez que a estrutura metálica de RoboCop faz com que mal sinta as balas, apesar de poderem rapidamente perder pontos de vida, se não tiverem cuidado. Como seria de esperar, a movimentação de RoboCop é lenta, traduzindo-se numa baixa agilidade (que faz com que desviar de granadas seja uma aventura) que é contraposta com puro poder de armamento. Bem fiel ao seu material de origem, Rogue City é bastante sanguinário, com cabeças e membros a explodir, dando uma satisfação bem mórbida em despachar hordas de inimigos pelos diversos cenários.

A dificuldade é progressiva, a acompanhar as diversas melhorias que RoboCop pode obter, com diferentes tipos de inimigos a dar alguma variedade e obrigando a diferentes abordagens. Ainda assim, o loop de combate é extremamente simples, com RoboCop a dar uso à sua visão cibernética para destacar os inimigos na mira e assim despachá-los. Apesar de ter morrido algumas vezes, o jogo nunca apresenta um verdadeiro desafio (ainda que conte com vários níveis de dificuldade) mas o que é certo, é que nunca senti que isso fosse verdadeiramente um ponto negativo. Este tipo de roleplaying da personagem é simplesmente divertido e estende-se a outras partes do jogo que, na minha opinião, são o que acaba por diferenciar RoboCop: Rogue City de uma mera adaptação de um qualquer franchise.

A atenção ao detalhe é um mimo absoluto.

Quando não andamos a explodir com membros de gangues, somos um polícia como outro qualquer e precisamos de trabalhar de acordo. A estrutura de RoboCop é muito baseada em missões, colocando-nos ou na esquadra ou em Old Detroit, sendo que existe uma componente de exploração e investigação inerentes a estas sequências. Mas o mais importante, é a componente humana que estas sequências oferecem, através do relacionamento de RoboCop com os cidadãos. Tarefas mundanas como atender cidadãos na esquadra ou passar multas de trânsito, ou até pedir assinaturas num cartão de melhoras para um colega, são pequenas coisas que dão vida a RoboCop. Old Detroit é um mapa pequeno (e ainda bem, porque a velocidade de locomoção de RoboCop é compreensivelmente lenta) e é uma das provas vivas de que nem todos os jogos precisam de open worlds com imensa palha, para fazer sentir o mundo vivo.

As ruas são sujas e claramente vão beber à estética estabelecida pelos filmes dos anos 80, demonstrando a pobreza e miséria da população de Detroit, mas também a humildade e sentido de entreajuda. Existe uma grande atenção ao detalhe, em cenários pequenos mas cuidados, desde os posters claramente 80’s do cinema de Old Detroit, às casas em que podemos entrar e até as lojas visitáveis da cidade. Não tem uma escala gigante, mas o pouco que temos é bem conseguido e consegue dar a sensação de uma cidade viva – ainda que presa por arames, numa situação de tensão social.

Apesar de ser uma máquina, RoboCop não deixa de ser Alex Murphy e mesmo encontrando situações de delinquência, felizmente podemos escolher como abordar algumas das situações, com as nossas escolhas a influenciar a percepção do público. Confesso que em certos momentos não consegui passar multas a alguns dos cidadãos a cometer ilegalidades porque, no grande esquema das coisas, são pobres e um aviso basta… certo? O mesmo se traduz no comentário social e humor negro que sempre permeou os filmes e aqui é perpetuado. Desde pequenos diálogos de NPC’s numa qualquer esquina, a anúncios de rádio ou até mesmo quests que demonstram a corrupção da privatização de serviços estatais, todos os pequenos detalhes servem para trazer vida a este mundo, mais pequeno e concentrado, mas também mais focado. Algumas das side quests acabam por se entrelaçar com a trama principal, dando mesmo a sensação de que estamos a fazer o nosso trabalho e a seguir pistas de forma natural.

Preparem-se para todo um caos.

As investigações inerentes a estas atividades mais secundárias acabam por estar interligadas com a capacidade cibernética de RoboCop e, por conseguinte, com a sua skill tree. Colocar mais pontos em Psychology pode abrir mais opções de diálogo e mais pontos em Engineering pode permitir por exemplo abrir cofres, sem necessitar de saber ou descobrir a combinação – a par de outras habilidades mais úteis para as componentes de combate. A mundanidade de certas atividades e momentos em RoboCop são o interlúdio perfeito às sequências de ação mais arcade-y, sempre a abrir. Também são os momentos que mais exploram a dualidade da personagem de RoboCop e Alex Murphy, bem como a dualidade do homem transformado em máquina, algo que nunca foi completamente explorado nos filmes. O próprio jogo dá a liberdade de escolhermos como queremos responder, se queremos abraçar a nossa humanidade ou se não passamos de uma mera máquina, com condicionantes programadas. É um nível de profundidade que honestamente não esperava ver num jogo deste género, ainda que a trama principal tenha muitos momentos cliché e expectáveis – como seria de esperar de um filme do género.

Tecnicamente é onde Rogue City falha mais. Se os gráficos são agradáveis e existe uma clara atenção ao detalhe, principalmente no modelo do próprio RoboCop e até na cidade e ambientes que percorremos, as animações são toscas e as personagens amiúde parecem mais robóticos que o próprio RoboCop. Os glitches também são constantes e notórios, principalmente em cutscenes, com falhas nas texturas sempre que a câmara trocava de uma personagem para outra. Em adição a isto, apanhei alguns bugs, com inimigos a ficarem invencíveis, mas também sem serem agressivos e até falhas de som, cuja mistura também não aparenta ser a melhor, principalmente em momentos dependentes de diálogos. A música ambiente também é escassa e honestamente, faz alguma falta nos momentos mais parados. Felizmente, a performance do jogo não sofre, sem notórias quebras de FPS durante o jogo, mesmo quando tinha uma pazada de inimigos no mapa.

É notório que este é um título com um orçamento mais reduzido, com opções e atalhos tomados para pelo menos se focarem naquilo que é mais importante e honestamente, ainda bem. O que Rogue City faz bem, faz mesmo bem, provando que por vezes uma simplicidade deceptiva acaba por ser a melhor opção face a projetos megalómanos que oferecem muita coisa, mas sem substância. Perpetua o espírito de cinema de série B ultraviolento dos filmes, mas com uma humanidade que não seria de esperar num projeto destes. É notório o carinho que a Teyon teve com este jogo e que tem pelo material original, resultando num jogo imperfeito mas que é um pequeno diamante em bruto.

Opinião Final:

RoboCop: Rogue City é um jogo que tinha tudo para correr mal. No entanto, o estúdio Teyon conseguiu aqui entregar uma perfeita sequela aos filmes originais, com alguns problemas técnicos – que felizmente não invalidam uma experiência com imensa alma e, acima de tudo, extremamente divertida e absolutamente digna do nome RoboCop.

Do que gostamos:

  • Sequências de combate extremamente divertidas, com alguma variedade de inimigos e cenários;
  • Sequências intermédias mais calmas, na cidade e outros locais que permitem explorar mais a personagem de RoboCop/Alex Murphy, para além da sua carapaça de metal;
  • Mundo mais pequeno mas extremamente focado, dando significado a cada experiência.

Do que não gostamos:

  • Animações pouco polidas, principalmente nas faces das personagens;
  • Mistura sonora não é a melhor;
  • Bugs, problemas em texturas e até crashes que demonstram que o jogo precisava de mais trabalho técnico.

Nota: 8/10

Análise efetuada com um código PlayStation 5 cedido gentilmente pela distribuidora.